20 de dezembro de 2011

QUANDO O HOMEM É UMA ILHA

Meus assombros de menina: qual era a verdade de cada pessoa, daquelas que me rodeavam numa casa geralmente alegre? Eu descobrira que nem sempre dizia o que pensava: e os outros?
Perplexidades adultas: por que nos perdemos tanto? Por que tantos encontros amigos ou amorosos, e mesmo profissionais, começam com entusiasmo e de repente - ou lenta insidiosamente – se transformam em objeto de indiferença, irritação ou até mesmo crueldade?
Ninguém se casa, tem filho, assume um trabalho querendo que saia tudo errado, querendo falhar ou ser triturado. Quantas vezes, porém, depois de algum tempo trilhamos uma estrada de desencanto e rancor?
No mais trivial comentário, por que, em lugar de prestar atenção ao outro, a gente prefere rotular, discriminando, marcando a ferro e fogo o flanco alheio com um rótulo invisível e ao mesmo tempo tão evidente? “Burro”, “Arrogante”, “Covarde”, “Falso”, “Mentiroso”, “Canalha”, “Desleal”, “Vulgar”, “Vagabundo” – muitas vezes, humilhamos logo de saída, demonstrando nossos preconceitos sem nos envergonharmos deles, pois nem damos conta.
Parece que não convivemos com pessoas: convivemos com imagens construídas pela nossa falta de generosidade.
Pergunto a uma amiga pelo seu genro; “Aquele? Cada vez mais gordo!” Mas talvez eu quisesse saber se ele estava empregado, se estava contente, se fazia à filha dela feliz.
E nossa amiga comum? “Ah, essa? Irreconhecível. Deve ter feito a milésima plástica na cara, mas os peitos estão um horror de caídos!” Não me disse se a mulher de quem falávamos se recuperara da viuvez, se estava deprimida ou já superara o trauma, se parecia serena ou aflita. Parece que invariavelmente acordamos com raiva de tudo e de todos. “Sujeito metido à besta”, “Professor ultrapassado”, “Alunos medíocres”, “Cantor desafinado”, “Empresário falido”, etc.
Não vemos gente ao nosso redor. Vemos etiquetas. Difícil assim, sentir-se acompanhado: difícil desse jeito, amar e ser estimado. Vivemos como se estivéssemos isolados, com o olhar rápido e superficial, o julgamento à mão, armado: “Um idiota”, “Uma dondoca”, “Um fracassado”. Quem era, como se chamava, que idade tinha, se teve filhos, amigos, sucessos, fracassos, de que morreu, como viveu? É esse tipo de coisa que quero saber quando leio noticias do tipo. “Aposentado morre de infarto na rua”, “Idosa atropelada na avenida”, “Mulher assaltada no caixa eletrônico”.
Não admira que agente sinta medo, solidão, raiva mesmo que imprecisa, nem sabemos do que ou de quem. Atacamos antes que nos ataque, o outro é sempre uma ameaça, não uma possibilidade de afeto ou alegria.
Todo homem será um ilha?

(Esse texto foi extraído da Revista Veja – Escrito em 2004, por uma escritora que muito a admiro, pela sua forma simples de expressar sentimentos tão profundos. Minha homenagem a escritora Lya Luft – 1938.)    

Um comentário:

  1. Anônimo21:41

    Parabéns adorei este texto, já havia lido algumas coisas dela, e com certeza ela e verdadeiramente uma mulher que sabe usar a sinceridade acima de tudo,parabéns você conseguiu com sua sabedoria escolher um texto como este,para nos presentear nesta semana....amei....

    ResponderExcluir

POEMA INSTANTE DO POETA JORGE LUÍS BORGES

Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais. Seria ...