14 de junho de 2021

QUANDO A PAIXÃO DA LUGAR AO AMOR

Nas aulas de filosofia, depois dos alunos conhecerem o filósofo grego Platão (427-347 a.C.), mais precisamente a sua obra “O Banquete”, logo desperta a curiosidade deles sobre o tal amor platônico, que levanta uma questão extremamente pertinente para eles: “a paixão”. Existe algo mais apaixonante, de si para consigo, do que a paixão? Ao julgar se a paixão vale ou não vale a pena ser vivida, é responder uma das questões cruciais da filosofia platônica. 

Muitas pessoas confundem o amor com paixão. Quando estão apaixonadas, julgam estar amando. O amor, porém, é uma vivência mais ampla, é um modo de ser, de viver, que se conquista gradualmente, à medida que se desenvolve a sensibilidade para com as outras pessoas, isto é, através de uma amizade constituída. É a capacidade de descentra-se, sair de si, ir ao encontro do outro, em uma atitude de zelo e respeito que nada quer em troca. Amar demanda cuidados com o outro, preservar a identidade e as diferenças do outro, sem perder a sua, evidentemente. É o mesmo que estar comprometido com a realização do outro, é um querer bem ao seu próximo.

A capacidade de amar pode expandir-se e atingir um envolvimento e um compromisso com todos os seres vivos e até mesmo com seres inanimados. Os movimentos ecológicos atestam gestos de amor de pessoas que lutam pela preservação da fauna, da flora, das águas e do ar, na questão da poluição, segundo afirma a filósofa e educadora Neusa Vendramin Volpe.

Ao contrário do amor está a paixão. O filósofo holandês Baruch Spinoza (1632-1677) compreendeu que toda a nossa felicidade e toda a nossa miséria residem num só ponto: “a que tipo de objeto estamos presos pelo amor”? Se este suposto amor estiver centrado no egoísmo do sujeito que se diz amar de paixão, fuja desse amor. Ele só ama a si próprio. É a carência dele que grita mais alto. Segundo Platão, o amor perfeito só existe no mundo das idéias, ou seja, idealizamos esse amor e projetamos no outro. É um gostar de mim mesmo no outro. A partir do momento que esse não corresponder mais as minhas expectativas, deixo de amá-lo. Esse amor centrado no egoísmo é a paixão. A idealização projetada no objeto de desejo. 

Portanto, às vezes pensamos que gostamos de uma determinada pessoa, só porque ela nos entende. O que mais precisamos naquele momento é ser compreendido por alguém, ou seja, alguém com uma percepção aguçada, para ler nas entrelinhas o que acontece com o nosso sentimento. De modo que ser amoroso é uma característica da nossa personalidade e pressupõe toda vivência desde o seio materno. Só quem recebeu o amor é capaz de amar. Ninguém da o que não tem. Se nunca fomos amados de verdade é pouco provável, entregarmos totalmente a um grande amor. Vamos estar sempre com um pé atrás. Vamos buscar no outro aquilo que não temos, aquilo que nos faltam e acreditamos encontrar na nossa  outra cara metade, como afirmava Platão.

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