29 de outubro de 2016

O AMOR E A MORTE

Poucas coisas se parecem tanto com a morte quanto o amor realizado. Cada chegada de um dos dois é sempre única, mas também definitiva: não suporta a repetição, não permite recurso nem promete prorrogação. Deve sustentar-se por si mesmo e às vezes consegue. Cada um deles nasce, ou renasce, no próprio momento em que surge, sempre a partir do nada, da escuridão do não ser sem passado nem futuro, começa sempre do começo, desnudando o caráter supérfluo das tramas passada e a futilidade dos enredos futuros. Nem no amor nem na morte pode-se penetrar duas vezes. Muito menos do que no rio de Heráclito, que só banha uma vez. Eles são, na verdade, suas próprias cabeças e seus próprios rabos, dispensando e descartando todos os outros.

O amor e a morte não têm história própria. São eventos que ocorrem no tempo humano, isto é, eventos distintos, não conectados, muito menos de modo causal. Não se pode aprender a amar, tal como não se pode aprender a morrer. Sendo assim, não se pode aprender a arte ilusória, inexistente, embora ardentemente desejada de evitar suas garras e ficar fora de seu caminho. Chegado o momento, tanto o amor quanto a morte atacarão, mas não se tem a mínima ideia de quando isso acontecerá. Quando acontecer, vai pegar você desprevenido. Todos nós tendemos a nos esforçar muito para extrair alguma experiência desse fato.

Por outro lado, os relacionamentos em geral, estão sendo tratados como mercadorias. Se existe algum defeito, podem ser trocadas por outras, mas não há garantia de que gostem do novo produto ou que possa receber seu dinheiro de volta. Hoje em dia os automóveis, computadores ou telefones celulares em bom estado e em bom funcionamento são trocados como um monte de lixo no momento em que aparecem versões mais atualizadas. E assim acontece com os relacionamentos, não gostou, vamos trocar. Para muitos é melhor virar as costas e execrar o outro do que dialogar. Na música “Evidência” de José Augusto (1953), está explícito essa contradição. Negamos o que é evidente. Contudo, estamos criando espaços para a solidão e vivendo uma vida descartável sem pensar no amanhã, sem perspectiva alguma. Os relacionamentos estão cada vez mais fragilizados e desumanos.

No entanto, o que as pessoas não percebem é que o amor não se dirige ao belo, como muitos acham. Ele dirige-se à geração e ao nascimento no belo. Amar é querer gerar e procriar, e assim os amantes buscam e se ocupam em encontrar a coisa bela na qual possa gerar. Ou seja, dar um sentido existencial e criar um projeto de vida em comum, motivados pela união estável dos sentimentos. Em outras palavras, não é ansiando por coisas prontas, completas e concluídas que o amor encontra o seu significado, mas no estímulo a participar da gênese dessas coisas. O amor é afim à transcendência; não é senão outro nome para o impulso criativo e como tal carregado de riscos, pois o fim de uma criação nunca é certo.

Portanto, em todo amor há pelo menos dois seres envolvidos, cada qual é a grande incógnita na equação do outro. É isso que faz o amor parecer um capricho do destino, isto é, aquele futuro estranho e misterioso, impossível de ser descrito antecipadamente, que deve ser realizado ou protelado, acelerado ou interrompido. Amar significa abrir-se ao destino, a mais sublime de todas as condições humanas, em que o medo se funde ao regozijo num amálgama irreversível. Abrir-se ao destino significa, em última instância, admitir a liberdade no ser. Aquela liberdade que se incorpora no outro, o companheiro no amor. A satisfação no amor individual não pode ser atingida, sem a humildade, a coragem, a fé e a disciplina verdadeira. Contudo, uma cultura na qual são raras essas qualidades, atingir a capacidade de amar será sempre, necessariamente, uma rara conquista. 

26 de outubro de 2016

FORMAÇÃO DO HOMEM GREGO

O processo de educação em sua forma verdadeira começa na Grécia antiga, Paidéia. O termo também significa a própria cultura construída a partir da educação. Era este o ideal que os gregos cultivavam do mundo, para si e para sua juventude. Uma vez que o governo era muito valorizado pelos gregos, a Paidéia combinava hábitos que o fizessem ser digno e bom tanto para o governante quanto para o governado. Não tinha como objetivo ensinar ofícios, mas sim treinar a liberdade e nobreza. Paidéia também pode ser encarada como o legado deixado de uma geração para outra na sociedade. Um legado imortal da mentalidade grega.

É importante ressaltar que a Paidéia tal quais os gregos entendiam, envolve o ensinamento do corpo e da mente. Poesia, teologia, filosofia, gramática, retórica, matemática, música e astronomia faziam parte da formação da alma do homem grego. Qualquer pessoa que estiver lidando com a educação na sua vida diária vai ficar impressionada com o alcance que os poetas e filósofos gregos deram a esse tema. Na verdade, nos dias atuais, especialmente em um país com um sistema educacional como o brasileiro, que em sua maioria é incapaz de dar aos seus alunos ensinamentos básicos sobre gramática e aritmética, essa base da Paidéia grega é impossível de ser transmitida aos estudantes de nosso tempo.  

Durante vários séculos a humanidade foi valorizada, principalmente, no Ocidente e até mesmo no Brasil. Mas como sempre surgem mentes brilhantes com as melhores intenções para reformar o ensino, o resultado foi que o sistema educacional brasileiro foi assaltado pelo modelo tecnicista e os resultados foram trágicos. Houve nos últimos anos algumas luzes de esperança para a nossa educação, uma vez que a filosofia voltou a ser ensinada nas escolas, mas isso só não basta. Ainda mais agora que nossos deputados através da “Medida Provisória” aprovaram a “Proposta de Ementa à Constituição” (PEC – 241). Uma medida violenta e desrespeitosa, que vai contra a pedagogia proposta no Paidéia. 
   
Vamos um pouco mais além, no entanto, com a poesia de Homero percebe-se que a grande civilização começou com os poetas e teólogos, aqueles sábios que transmitiam o mito fundador da nação para o povo. A poesia foi à primeira forma de preparação da mente de crianças e adultos para a compreensão do mundo. O mito é a pedagogia de Homero, porquanto os seus poemas reproduzem as estórias de deuses e homens que dão início a Paidéia. Para o filólogo alemão Werner Jaeger (1888-1961), ele acredita que Homero produz um pensamento filosófico relativo às leis eternas que governam o mundo.

Portanto, além de formar o homem, a educação deve ainda formar o cidadão. A antiga educação, baseada na ginástica, na música e na gramática deixa de ser suficiente. Então nesse momento o ideal educativo grego aparece como Paidéia, formação geral que tem por tarefa construir o homem como homem e como cidadão. O filósofo grego Platão (427-347 a.C.), define Paidéia da seguinte forma: “a essência de toda a verdadeira educação ou Paidéia é a que da ao homem o desejo e a ânsia de se tornar um cidadão perfeito e o ensina a mandar e obedecer, a dialogar e respeitar”. Contudo, o eixo norteador de todo cidadão ético bem educado, tem como fundamento a justiça.

22 de outubro de 2016

NO ESPLENDOR DA NOSSA MORADA

Foram com os cacos do mundo, paus, barros e sonhos. Com esperança e fé no amor, que erguemos o esplendor da nossa morada na calmaria dos verdes clorofilas, oxigenando a vida entre rios e montanhas. Prateleiras, um catre e um fogão para ver a transformação da vida em vida, para conter a friagem que desce pela serra ao cair da tarde. Um punhado de nadas é mobília do viver, na morada em que os gozos tímidos fazem parir e amamentar o amor que nutre a vida.

Levitando sobre amparos e caibros a casa tem o esplendor do amor que vive de si mesmo e dos afagos de Deus. No lombo da montanha a vida é um riacho quieto. Nessa hora o dia deita-se no mundo aquarelando todos os verdes-azuis em reflexo da divindade, na elegância esguia das árvores. Um júbilo de luz que se ergue da paisagem uns cheiros alados de virgindade, celebra o ser das coisas no instante.

De mais longe, a casa acocora-se para brincar de nada entre as grandezas do verde. Um dia não haverá mais diferença entre o esplendor do amor com a nossa morada, que se firmou entre os sonhos e as serras. A fé e os destinos aninhados no vale. Uns vivem o amor, outros desvivem, condenados pela dor do egoísmo. Sendo assim, no frio das terras altas, muitos desistem e fazem a travessia final e se enfeitam de esquecimentos. É o Adeus para quem fica.

Portanto, lá no vale, a fé e os destinos cintilam ao meio dia. A árvore de Ipê se ergue e doura, emoldurando as vidas que vêm e vão como bandeira hasteada pelo espírito do mundo. A vida põe delicadezas e elegâncias, põe suspiros de candura em portas ínfimas. Contudo, eternizar esse nada é tudo que nos resta. 

18 de outubro de 2016

UM ROSTO SERENO

O rosto do mundo interroga o meu ser. Todas as divindades das águas, das florestas, das montanhas, estremecem-me a vida, seja no erotismo dos bailados do alvorecer ou nas cores das preces do acaso. O espetáculo de maravilhas que me penetra a alma tem a musicalidade do silêncio das coisas espirituais. As nossas fotos reinventam a santidade das coisas. Estão vivas, moram dentro de mim. A prova de que fizeram minha carne é que sinto saudade desse amor da foto.

Minha alma é uma câmara escura abrigando a sensualidade das coisas, filtrando sonhos que se desenham nas paredes alvas de mim. Desespera-me não poder mostrar os brilhos e cores de minhas emoções. Faço, então, uma celebração de vida que fotograficamente eternizamos e que hoje ecoa o sangue do meu espírito. Uma transfusão de êxtases. Portanto, enquanto os Ipês não florescem, permanecem as fotos que desse amor um dia registramos.  

12 de outubro de 2016

UM HOMEM SEM REFERENCIAL

O ser humano é o único dotado de razão, por isso é chamado de racional. Ser racional é raciocinar com sabedoria, é saber discernir, é pensar, utilizando o bom senso e a lógica antes de qualquer atitude. Todavia, boa parte de nós não agimos com sabedoria necessária para evitar problemas e dissabores perfeitamente evitáveis. Como de costume, agimos antes e pensamos depois, tardiamente, quando percebemos que os resultados da nossa ação deram errado. O Apostolo Paulo que tinha a lucidez da razão em sua carta, nos adverte com sabedoria: “tudo me é lícito, mas nem tudo me convém”. Ele quis dizer com isso que tudo nos é permitido, mas que a razão nos deve orientar de que nem tudo nos convém. De modo que, quando uma pessoa perde seu referencial abre um buraco ao seu redor. Seus pés ficam sem chão. Nada faz sentido mais.  

Olhando pelo aspecto físico, por exemplo, quando comemos e bebemos algo que nos faz mal, naquele momento não pensamos nas consequências, mas sabemos do mal que vai fazer depois. Se nosso organismo é frágil a certo tipo de alimentação, devemos pensar antes de ingeri-lo, mesmo que nossa vontade diga ao contrário. Se tivermos vontade de fazer uso de drogas, seja elas aceita socialmente ou não, pensemos antes no depois. Será que suportarei os riscos da enfermidade decorrente dos meus vícios? Seja na bebida ou no tabagismo. Ou será um preço muito alto por alguns momentos de satisfação. O mesmo acontece com o cartão de crédito que usamos, costumamos pensar no depois? Pensar em como vamos pagar a conta? Sempre pensamos no agora e nunca no depois. Não avaliamos as consequências do depois.

No campo da moral não é diferente. Quando surgir a vontade de gozar alguns momentos de prazer, será que pensemos: e depois? Quais serão as consequências desse ato que desejo realizar? Será que as suportarei corajosamente, sem reclamar de Deus e nem jogar a responsabilidade sobre os outros? Certo dia, conversando com um amigo funcionário público aposentado, ele falou a respeito do vazio que sentia na intimidade, com a consciência marcada pelos atos inconsequentes que praticara durante a vida pública. Buscou, na atividade profissional, tirar proveito de todas as situações. Arranjava tudo com algum “jeitinho” e com muita propina, mas nunca havia pensado no depois. E agora sua consciência cobra pelo bem que deixou de fazer. A velhice o alcançou como alcança as pessoas honestas, mas a sua consciência traz um peso descomunal e uma sensação desconfortável que lhe invade a alma. Quantos pais se arrependem da falta que fizeram no acompanhamento da educação dos seus filhos. Hoje sofrem por ver os filhos perdidos sem um referencial de vida. É triste assistir o sofrimento dos filhos.

Portanto, como vimos no exemplo do nosso amigo, a dor que ele carrega está longe de reparar o estrago que causou no seu espírito há anos atrás. Hoje não consegue olhar nos olhos dos filhos e nem dos netos, sem pensar no quanto foi inescrupuloso. Ele não pensou na época que tipo de família ou sociedade que estava construindo para legar aos seus afetos. Dessa forma, antes de tomar qualquer atitude, questionemos a nós mesmos: e depois como vai ser? Melhor que resistamos por um momento e tenhamos paz interior, do que gozar um minuto e ter o resto da vida para se arrepender. Triste fim desse homem que perdeu o seu referencial humano. Ele chora a dor do remorso, daquilo que deixou de fazer para a felicidade da sua alma e da paz interior que hoje lhe cobra. Contudo, não “respeitar” o nosso semelhante e colocar em “duvida” aquela pessoa que nos olha com ternura e amor nos pedindo apoio, no fundo nós estamos semeando dor e tristeza para colher depois. Um dia a consciência vai nos cobrar, portanto, nada perdemos em ser bom e generoso.
(Minha homenagem a Nossa Senhora da Conceição Aparecida pelo seu dia) 

9 de outubro de 2016

APRENDENDO COM A NATUREZA

Por mais profunda que seja as feridas do espírito, ainda o tempo, esse grande consolador, sempre nos oferece uma chance para encontrarmos a paz desejada. Quantas vezes nos precipitamos nos julgamentos e, com isso, impedimos que o outro se propusesse, porque nossas atitudes o bloqueiam. Só uma convivência muito íntima e amorosa poderá fornecer elementos para que, verdadeiramente, conheçamos alguém. O mesmo aprendizado vale para as coisas da natureza. O melhor mesmo é aceitar sem fazer julgamento, acolher para realizar uma missão de paz, amar para que haja autenticidade e equilíbrio. Apreciar as coisas simples da natureza, como assistir e admirar ao pôr do sol num horizonte, cujo cenário é cercado de vidas. Admirar o céu iluminado de estrelas, colher e comer uma fruta do pé. Algumas crianças nunca sentiram e nem sabem como são estas sensações.

No entanto, todas estas atividades estão cada vez menos presentes no cotidiano de quem vive em cidade grande. Gosto de apresentar as pessoas que amo o contato com a natureza e o quanto ela nos ensina com seu silêncio. Esse contato com a natureza traz a oportunidade para que potencializem nossas aptidões físicas, mentais e intelectuais. Quando entramos em sintonia com a natureza, a percepção de mundo é ampliada em três aspectos: espacial, o universo da natureza é bem maior do que o nosso habitat; sensorial, porque há diversidade de ruídos, olfatos, texturas, cores e formatos; e finalmente físico, pois caminhar entre árvores, rios e pássaros é caminhar nos braços dos deuses. A oportunidade de conhecer animais e plantas que só vemos nos livros, é uma experiência muito rica que faz a gente sentir parte do mundo.

Se essa experiência contar com o apoio dos pais, melhor ainda. É comum hoje em dia pais e filhos não se conhecerem, pois cada um está envolvido em uma atividade. Por conseguinte, estes são momentos onde tudo que se faz junto é bastante importante para a aprendizagem de ambos sobre a nossa mãe natureza. O vínculo familiar criado durante as descobertas infantis marcam para sempre na forma de lembranças. Pois, sempre vivi na roça e hoje tenho uma identidade intrínseca com a terra. Uma vida mais natural, mesmo que seja somente nos finais de semanas para aqueles que moram na cidade, mesmo assim, acrescenta valores diferentes, como os cuidados com a natureza, com os bichos, o andar descalço, tomar banho de chuva e chupar jabuticaba no pé. São experiências inesquecíveis. E não é só no acréscimo de conhecimento que ganhamos, aprendemos a conviver com a natureza que aguça a nossa curiosidade e nos estimula para a vida. 

Portanto, não é preciso esperar as férias para se colocar em contato com a mãe natureza. O grande aprendizado da vida é saber estar com quem à gente gosta ao lado de quem a gente ama. Sentir as vibrações com a natureza e perceber que a vida que habita em mim é a mesma que habita os demais seres vivos. Como é lindo poder enxergar com estes olhos e poder sentir a natureza entrando pelos meus poros, envolvendo-me e dizer: “Deus existe”, olhai e veja a lua cheia ou minguante, veja o sol forte ou fraco, as árvores com suas folhas embaladas pelo vento. Vento esse que nos refresca e embeleza ainda mais as coisas que movimenta. E os rios que encontramos pelas estradas? Ah! Suas águas tão frescas, tão poderosas e tão necessárias à vida. Vida para mim é uma síntese da natureza. Contudo, naquele trecho da estrada entre o rio Piracicaba e o rio Tietê, sinto que a vida transcorre tranquilamente, assim como no interior do carro, o amor percorre nossas veias irradiando vida e esperança. Sentimos nossos corações baterem no mesmo ritmo da natureza. E assim celebramos a vida.

POEMA INSTANTE DO POETA JORGE LUÍS BORGES

Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais. Seria ...