Podemos
dizer que o ciúme é uma paixão democrática, porque não isenta nenhuma classe
social, faixa etária ou nível cultural. E as pessoas seguem levando seus ciúmes
ao auge da loucura e aos tribunais de justiça. São milhares pelo mundo afora.
Da filosofia à poesia, passando pela mitologia e através das teorias psicanalíticas,
não cansamos de procurar uma resposta que explique o ciúme, que particularmente
a meu ver e de muita gente boa, o ciúme é o pior sentimento humano, porque ele
impede a generalização do amor.
Entretanto,
o ciúme supõe algo onde não há nada para justificá-lo. Essa suposição e a forma
como se da revelam o que aquela pessoa pensa sobre a outra quando ama alguém. O
ciumento interpreta mal, apesar de estar em busca de compactuar com o desejo de
proteger o suposto amor. Por essa atitude ele se mostra, antes de tudo, um
pensador meticuloso referente às suas fantasias.
Pequenos
detalhes, como um tom de voz, uma palavra fora do contexto, pensar para
responder, já está armada desconfiança. Inicia-se o processo de vigilância, de
busca de certificações, suspeitas. Flagrar o ato criminoso torna-se a sua maior
obsessão. A confissão do suposto traidor é esperada e temida ao mesmo tempo,
mas sobretudo obrigatória. Quanto mais doentio for o ciumento, maior será a sua
engenhosa reflexão, com métodos rigorosos que até as roupas são vistoriadas e
cheiradas pelo ciumento.
Podemos
avaliar a posição daquele que é tomado pelo ciúme a partir de duas vertentes.
De um lado, o que Freud chamou de “ciúme
projetado”, de outro o “ciúme
delirante”. No caso do ciúme projetado, o desejo de trair é transferido para o outro. Trata-se de
conter nele o que a pessoa não reconhece em si, ou que reconhece e atualiza na
forma de infidelidade e culpa. O equívoco deste tipo de ciúme é a suposição de
que há simetria do desejo, ou seja, correspondência amorosa. Alguns chegam
mesmo a se sentirem denunciados pelo ciúme. Afinal, como posso sentir ciúmes se
não preciso dele?
Deixar
o outro com ciúme é uma estratégia clássica de sedução, torna inevitável a
confissão amorosa, que não deixa de ser um delírio do ciumento. Nos dois casos,
o ciúme entra para propor o objeto, sugerir que ali se encontrará o
preenchimento da falta. A outra metade da laranja. O ajuste das necessidades
subjetivas dos que nele se envolvem, é aqui que se dá a raiz do ciúme.
Todavia,
isso faz o ciumento traduzir o que sente num ato amoroso. Se te vigio, se te
amedronto, se te mato, na verdade, é porque te amo. Talvez não exista mal maior
que esse, “sinto ciúme porque te amo”,
te torturo com o meu ciúme por amor. Que estranha satisfação é essa do ciumento
crônico? Esse tipo de ciúme é uma perseguição do amor verdadeiro, que poderia
vir a ser um amor de grandes qualidades recíprocas. E, no entanto, a ilusão do
amor verdadeiro, nesse caso é tão enganosa quanto a evidencia dos fracassos de
uma relação, depois que ela se interrompe, depois de ambos entenderem que era
um falso amor.
Segundo
o psicanalista Jacques Lacan, amar é dar o que não se tem. Para o ciumento, a fórmula
funciona ao contrário, possuir, prender o outro, não perder de modo algum.
Garantir que todo o seu desejo tenha um único endereço. Não pode haver um
terceiro. Por outro lado, o próprio ciumento sabe das dificuldades para
controlar o incontrolável, que é a sua insegurança.
No
entanto para Platão, ao contrário do que se pode pensar, amamos não o que o
outro possui, mas o que lhe falta. Amamos um vazio, que tem a estranha
capacidade de se deslocar entre as pessoas, ou seja, como dizia Carlos Drummond
de Andrade: “Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim. Porque amor não se troca, não se conjuga nem se ama.
Porque o amor é amor a nada, feliz e forte em si mesmo”.
É
uma angulação pessimista do problema, mas que não deixa de ser romântica. Quais
as consequências dessa tese para o entendimento do ciúme? Diríamos que é neste
vazio, causa do amor, que o ciúme fabricará imagens e fantasias. Sobretudo,
porque o ciumento com seu controle, consegue afastar a quem diz amar cada vez
mais.
Portanto,
o ciúme é uma emoção agressiva e não amorosa. A vítima do ciumento fica
permanentemente prevenida e desconfiada, isto é, significa que uma parede se
estabeleceu entre ambos. Começa a se reduzir toda possibilidade de intimidade,
de confiança e de entrega. Contudo, se alguém disser que seu ciúme é sinal de
amor, fuja desse amor, porque ele vai te consumir.
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