Ocorreu-me
uma história interessante sobre três homens que olhavam para o horizonte. O sol
se anuncia colorindo de abóbora e sangue umas poucas nuvens escuras. Um deles
diz: “Vejo, no meio das nuvens vermelhas, uma casa. Na janela, um vulto acena
para mim”. O segundo homem diz: “Vejo, no meio das nuvens vermelhas, uma casa.
Mas não há nenhum vulto acenando para mim. A casa está vazia, é desabitada”. O
terceiro homem diz: “Não vejo vulto, não vejo casa. Vejo as nuvens abóbora e
sangue... E como são belas! Sua beleza me enche de alegria”!
Essa
é uma “parábola metafísica”. O primeiro
homem vê, no meio das nuvens, um vulto, quem sabe o senhor do universo. Se eu
gritar, ele me ouvirá. Para isso há as orações: gritos que pronunciam o nome
sagrado, à espera de uma resposta. O segundo vê a casa, mas a casa está vazia,
não tem morador. É inútil gritar, porque não haverá resposta. Esse é o ateu. E
como dói viver num universo que não ouve os gritos dos homens. O terceiro, que
não vê nem casa e nem vulto, vê apenas a beleza. Que nome daríamos a esse
terceiro homem. Penso que o nome correto seria: “Poeta”!
A
beleza é o Deus dos poetas. Quem disse isso foi a poetisa Helena Kolody: “Rezam
meus olhos quando contemplo a beleza. A beleza é a sombra de Deus no mundo”.
Borges relata que, segundo o panteísta irlandês Scotus Erigena, a Sagrada
Escritura contém uma infinidade de sentidos. Por isso, ele a comparou à
plumagem irisada de um pavão. Séculos depois, um cabalista espanhol disse que
Deus fez a Escritura para cada um dos homens de Israel. Daí por que, de acordo
com ele, existem tantas Bíblias quantos leitores da Bíblia. Cada leitor vê na
Bíblia a imagem do seu próprio rosto.
O
filósofo alemão e teólogo Ludwig Feuerbach disse a mesma coisa de forma
poética: “Se as plantas tivessem olhos,
gosto e capacidade de julgar, cada planta diria que a sua flor é a mais bonita”.
Os deuses das flores são flores. Os deuses das lagartas são lagartas. Os deuses
dos cordeiros são cordeiros. Os deuses dos lobos são lobos. Nossos deuses são
nossos desejos projetados até os confins do universo. Dize-me como é o teu Deus
e eu te direi quem tu és.
Mosaicos
são obras de arte. São feitos com cacos. Os cacos, em si, não têm beleza
alguma. Mas, se um artista os juntar segundo uma visão de beleza, eles se
transformam numa obra de arte. As Escrituras Sagradas são livros cheio de
cacos. Nelas se encontram poemas, histórias, mitos, pitadas de sabedoria,
relatos de acontecimentos portentosos, textos eróticos, matanças, parábolas,
etc. Ao ler as Escrituras, comportamo-nos como um artista que seleciona cacos
para construir um mosaico. Cada religião é um mosaico, um jeito de ajuntar os
cacos.
Portanto,
como no caso do labirinto literário de Borges cujos cacos eram peças de um
quebra-cabeça que, juntos, formavam o seu rosto, também o mosaico que formamos
com os cacos dos textos Sagrados tem a forma do nosso rosto. Há tantos deuses
quanto rostos há. Assim, quando alguém pronuncia o nome "Deus", há de se
perguntar: "Qual"? Enfim, hoje daria
tudo que sei, pela metade do que ignoro.
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