A
Filosofia nasceu no dia em que o homem tornou-se um ser consciente. O homem é
verdade, foi sempre um ser intelectual, mas, em tempos remotíssimos, a sua
inteligência se achava ainda em estado potencial, dormente, assim como a futura
planta existe, em estado embrionário, ainda como semente.
O
homem tornou-se o “filósofo atual”
quando nele despertou a inteligência adormecida, embrionariamente, fenômeno
esse que não se deu ao que sabemos, com nenhum outro ser deste planeta. A
inteligência, como a própria palavra diz, é uma faculdade tipicamente humana.
Por meio dela nós percebemos um secreto nexo ou vínculo existente entre as
coisas individuais do mundo, aparentemente desconexas.
O
ser dotado apenas de sentido orgânico, não percebe senão coisas individuais,
concretas, geralmente classificadas como físicas ou materiais. Os sentidos só
percebem a multiplicidade das coisas, mas não percebem nenhuma unidade no
mundo. O homem, embora perceba também essa mesma pluralidade, objeto em seus
sentidos, concebe por meio da pluralidade periférica e da unidade central do
cosmos. No entanto, só conseguimos perceber a unidade dos fenômenos por meio da
multiplicidade. Por conseguinte, sendo que a multiplicidade é periférica e
aparente, e a unidade é central e real, só um ser que percebe a unidade pode
entender a realidade do mundo. Pois o homem enxerga a realidade do mundo
através das suas aparências, dos fenômenos naturais.
Perceber
essa unidade do universo por meio da sua pluralidade é que é ser filósofo, isto
é, philos = amigo, amante – da sophia = sabedoria. Quem experimenta essa
realidade por meio das aparências, no centro do mundo por meio das suas camadas
periféricas, é um filósofo, um amigo da sabedoria, portanto, um bandeirante da
realidade, um pesquisador, ou mesmo um perseguidor da verdade. “Conhecereis a
verdade – e a verdade nos libertará”. Palavras ditas por Jesus Cristo.
Segundo
o filósofo e educador Humberto Rohden (1893-1981), somente por meio da posse da
verdade é que o homem adquire a verdadeira liberdade. Quem vive na ignorância
ou no erro é escravo. De maneira que a verdade, em Filosofia, torna o homem
essencialmente livre. Os sentidos percebem a inteligência “concebe” – esse prefixo “com”
indica uma ação em conjunto, supõe as coisas, entre as quais existe um vínculo
que as une.
Humberto
Rohden argumenta no livro: “O Pensamento
Filosófico da Antiguidade” que os sentidos, por exemplo, percebem a
existência de uma semente e de uma árvore, e nada mais. Essas duas coisas
afiguram-se aos sentidos como dois seres inteiramente separados, desconexos, sem
nenhuma relação ou nexo um com outro. Por vezes, os sentidos percebem que uma
dessas duas coisas vem depois da outra, como a árvore vem depois da semente,
igualmente a ave vem depois do ovo; isto quer dizer que percebem uma sucessão
cronológica de fenômenos.
A
inteligência, porém, verifica não apenas essas duas coisas interligadas pela
percepção sensitiva, mas verifica, além disto, uma terceira realidade, um nexo
lógico entre os dois primeiros; percebem, então, não a existência de ambos
independentes entre si, mas também devido à existência do anterior. Em outras
palavras, a inteligência possui a faculdade de descobrir que um ser é devido ao
outro, de modo que o segundo deve sua existência ao primeiro. A sucessão
cronológica é algo pessoalmente externo – o nexo lógico é algo interno.
Mais
tarde, verificaremos que a sucessão cronológica é baseada na categoria de tempo
e espaço, embora o tempo e espaço não se tornem um simples atributo ou modo de
agir de nossos sentidos. Essa sucessão cronológica é meramente aparente, ao
passo que o nexo lógico é profundamente real. Isto significa dizer que a
inteligência descobre algo incomparavelmente mais real e verdadeiro do que os
sentidos possam perceber. Desta forma, a percepção sensitiva é meramente
evidenciada, de modo que a concepção intelectiva é real. Então, a metafísica é
mais real que a física.
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