A
escravidão é uma das feridas mais podre da humanidade, invariavelmente
legitimada. Imaginem só, com o pretexto de que os escravos eram inferiores,
sendo um pouco mais do que os animais. Vejam que amontoado espantoso de
loucuras agressivas cometidas inteiramente dentro da lei, da moral e dos bons
costumes das pessoas que se dizem ser do bem. Costumamos dizer que se brigamos é
porque temos motivos, porque o outro fez, ou disse algo de ruim sobre minha
pessoa.
Por
vezes é verdade, mas em muitas outras situações brigamos, condenamos ou
criticamos porque somos inerentemente agressivos e por isso, inventamos razões
para poder agredir o outro, salvando assim a nossa culpa. Principalmente para
poder agredir com aquela sensação de que estou fazendo um bem para o outro,
coitado, porque ele está errado; então é o meu dever e me cabe ensiná-lo, por
bem se possível ou por mal se necessário.
A
agressão está no coração, na boca e na cabeça de todo mundo o dia todo. Quase
sempre temos dois comportamentos e duas opiniões: quando em presença, a maioria
das pessoas consegue ser mais ou menos “bem-educada”,
manifestando um mínimo de gentileza, dando alguma atenção. Parece até uma dança
social ensaiada.
Mas
quando você vai comentar sobre essa pessoa com outra, na ausência da “vítima”, quase sempre somos maldosos,
insinuamos a atuação de motivos pouco louváveis, tendemos a interpretar modos e
fatos pelos seus aspectos menos confessáveis. Não somos nós, são os outros que
estão cheios de defeitos, mal-educados, sem escrúpulos, interesseiros e
egoístas. Buscamos mil adjetivos para depreciar ou diminuir o outro e no mesmo
ato, nos glorificamos pelas virtudes opostas a tantos defeitos apontado no outro.
Desse
modo, caso não faça nada fora de mim contra o outro, na certa, acontecem coisas
muito ruins comigo. A raiva contida é uma das principais causas das doenças
psicossomáticas, em particular da hipertensão arterial. Até podemos continuar a
culpar o outro, exatamente como sempre fizemos, mas o mundo só começará a se
fazer humano quando entendermos que também não somos perfeitos e que temos
nossa parcela de culpa. Pois, na teia da vida, há uma complexa interligação
entre o “eu e tu”, que nos fazem
humanos e responsáveis pelos nossos atos.
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