Ensinar
com alegria é amar o que faz. Mais do que ensinar é transformar uma criança em
um “ser humano” feliz. Fala-se muito
sobre o sofrimento do professor, como gosto de contrariar todos os argumentos
que difundem as verdades pré-estabelecidas, aqui não será diferente. Ando
sempre na direção oposta, e acredito que a verdade se encontra no avesso das
coisas, quero falar sobre o contrário. A alegria de ser professor, pois o
sofrimento desse profissional é semelhante às dores do parto. A mãe o aceita e
logo dele se esquece, pela alegria de dar à luz a um filho. No livro: “O Jogo das Contas de Vidro”, do escritor
alemão, Prêmio Nobel de Literatura em 1946, Hermann Hesse (1877-1962), no final,
ao seu estilo de concluiu, fazendo um resumo da estória, está este poeminha do
escritor e poeta alemão Friedrich Rückert (1788-1866):
“Nossos dias são preciosos, mas com alegria
os vemos passando se no seu lugar encontramos uma coisa mais preciosa crescendo;
uma planta rara e exótica, satisfação de um coração jardineiro, uma criança que
estamos ensinando, um livrinho que estamos escrevendo.” Este poema fala de
uma estranha alegria que se tem diante da coisa triste que é ver os preciosos
dias passando. O poema nos mostra que a alegria está no jardim que se planta,
na criança que se ensina e a transforma, no livro que se escreve. Senti que
poderia ter escrito este poeminha, pois gosto de plantar árvores, sou professor
de filosofia e escrevo livros. Imagino que o poeta jamais pensaria em se
aposentar. Como diz o nosso mestre, filósofo e educador Rubem Alves (1933-2014):
“quem deseja se aposentar daquilo que lhe
traz alegria?”
Da
alegria não se aposenta. Algumas páginas antes o herói da estória havia
declarado que, ao final de sua longa caminhada pelas coisas mais altas do
espírito, dentre as quais se destacava a familiaridade com a sublime beleza da
música e da literatura, descobria que ensinar era algo que lhe dava prazer
igual, e que o prazer era tanto maior quanto mais jovem e mais livre das
deformações da deseducação fossem os estudantes. Ao ler o texto de Hesse tive a
impressão de que ele estava simplesmente repetindo um pensamento que se
encontra em Friedrich Nietzsche (1844-1900), onde ele diz que a felicidade mais alta é a felicidade
da razão, que encontra sua expressão suprema na obra do artista. Pois que coisa
mais deliciosa haverá que tornar sensível a beleza? Mas esta felicidade
suprema, ele acrescenta, é ultrapassada na felicidade de gerar um filho ou de
educar uma criança.
Para
melhor compreender, cito Zaratustra, profeta e poeta nascido na Pérsia em meado
do século VII antes de Cristo, quando ele tinha 30 anos de idade deixou a sua
casa e o lago que gostava de contemplar ao por do sol, para subir as montanhas.
Ali ele gozou do seu espírito e da sua solidão, e por dez anos não se cansou.
Mas, por fim, uma mudança veio ao seu coração e, numa manhã, levantou-se de
madrugada, colocou-se diante do sol, e assim lhe falou: “tu, grande estrela, que seria de tua felicidade se não houvesse aqueles
para quem brilhas? Por dez anos tu vieste à minha caverna: tu te terias cansado
de tua luz e de tua jornada, se minha águia e minha serpente não estivessem à
tua espera. Mas a cada manhã te esperávamos e tomávamos de ti o teu
transbordamento, e te bendizíamos por isso. Eis que estou cansado na minha
sabedoria, como uma abelha que ajuntou muito mel; tenho necessidade de mãos
estendidas que a recebam. Mas, para isso, tenho de descer às profundezas, como
tu o fazes na noite e mergulhas no mar. Como tu, também deve descer. Abençoa,
pois, a taça que deseja esvaziar-se de novo”.
Assim
se inicia a saga de Zaratustra, com uma meditação sobre a felicidade. De modo
que a felicidade começa na solidão: “uma
taça que se deixa encher com a alegria que transborda do sol. Mas vem o tempo
quando a taça se enche. Ela não mais pode conter aquilo que recebe. Deseja
transbordar”. Acontece assim com a abelha que não mais consegue segurar em
si o mel que ajuntou; acontece com os seios da mãe, turgido de leite, que
precisa da boca da criança que o esvazie. A felicidade solitária é dolorosa.
Zaratustra percebe então que sua alma passa por uma metamorfose. Chegou a hora
de uma alegria maior. A de compartilhar com os homens a felicidade que nele
mora. Seus olhos procuram mãos estendidas que possam receber a sua riqueza.
Zaratustra, o sábio, se transforma em mestre. Pois ser mestre é isso: “ensinar a felicidade”. Cabe aos alunos
ter autonomia intelectual para encontrá-la.
Por
conseguinte, muitos professores retrucarão, dizendo a felicidade não é a
disciplina que ensino. Ensino ciências, literatura, história, matemática, etc.
Será que esses mestres não percebem que essas coisas que se chamam “disciplinas”, e o que eles devem ensinar
nada mais são, que taças multiformes coloridas, que estão cheias de alegria.
Pois o que os professores ensinam não é um satisfação para a alma? Se não
fosse, eles não deveriam ensinar. E se é, então é preciso que aqueles que recebem,
no caso os alunos sintam o mesmo prazer de quem ensina pensando na
transformação que isto lhe trará. Se isso não acontecer o professor terá fracassado
na sua missão, como o cozinheiro que queria oferecer prazer aos convidados, mas
a comida saiu salgada e queimada. O mestre nasce da exuberância da felicidade.
E por isso mesmo, quando perguntados sobre a sua profissão, os professores
deveriam ter coragem para dar a absurda resposta: “sou um educador que transforma a arte de ensinar em alegria de aprender”.
Como diz a filósofa e educadora Terezinha Rios: “nós não somos imortais, mas podemos ser eternos”.
Sei que ama o que faz!!!Parabéns... Professor lindo texto !!!
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