O
tema casamento teve uma atenção especial pelo saudoso psiquiatra e educador
Flávio Gikovate (1943-2016), que nas suas analise sobre as relações afetivas entendia
o quanto as pessoas se machucam quando estão envolvidas e tomadas de amor pelo
outro. Quando na verdade, poderia ser ao contrário. Do ponto de vista teórico,
os casamentos com altos e duradouros lances de romantismo deveriam ser muito
mais frequentes que aqueles baeados em uma sexualidade rica e exuberante. Mas,
na prática, isso não ocorre. Não que seja tão comum às uniões sexualmente
satisfatórias, mas que são raríssimos os casais que conseguem viver, ao longo
de vários anos, uma experiência sentimental iluminada e prazenteiro, daquelas
de encher o coração de alegria e os olhos de lágrimas, de tanta emoção.
Por
outro lado, as coisas costumam ser mal colocadas desde o começo. A grande
maioria dos casamentos ocorre entre uma pessoa apaixonada e outra que prefere
ser objeto da paixão. Enquanto a primeira, talvez mais generosa, oferece a
segunda que é mais egoísta, o seu amor, sendo que a mais generosa tem a coragem
de amar. A egoísta tem medo de sofrer e se protege da dor do amor ao não se
abrir demais para a relação.
Os
casamentos desse tipo apresentam momentos iluminados e muito prazenteiros, é
claro. Possibilitam até mesmo uma vida sexual de permanete conquista. Sim,
porque o egoísta nunca se entrega totalmente ao outro, de modo que o generoso
estará sempre tentando conquistá-lo. Esse fenômeno costuma gerar alguns
instantes de profundo encontro, mas são momentos, que logo se desfazem. E o
corre-corre das brigas e da luta pela conquista volta. No entanto, esse é
apenas um dos aspectos da questão em pauta.
Outro
fator de peso está nas diferenças de temperamento, de gosto de interesses. Na
vida prática, no dia a dia, as divergências de opinião e a falta de um projeto
comum provocam irritação permanente. E isso não vale só para as grandes
diferenças. O cotidiano se faz realmente nas pequenas coisas: “Onde vamos jantar? Que amigos vamos convidar? Onde
vamos passar as férias? A que filme
vamos assistir?” E assim por diante. São justamente estas pequenas
contradições que provocam a irritação, a raiva e, portanto, a maioria das
brigas. As afinidades aproximam as pessoas, enquanto as diferenças as afastam.
Além do mais, a oposição é a raiz da inveja: “o baixo inveja o alto; o gordo, o magro; o preguiçoso, o determinado; o
introvertido, o sociável”. Em outras palavras, a inveja é inimiga do
diálogo. Nesse tipo de união, as brigas serão o normal e os momentos de
encontro e harmonia serão exceções cada vez mais raras.
Argumenta
Gikovate que do ponto de vista teórico, a felicidade romântica no casamento
poderia ser bastante comum porque o amor não padece do desejo de novidade que
tanto agrada ao sexo. Ao contrário, o amor é apego, é vontade de aconchego, de
tranquila intimidade. Trata-se de um sentimento que floresce e frutifica melhor
quando tudo é exatamente igual e antigo. Gostamos da nossa casa, daquela velha
roupa que nos agasalha tão bem. Gostamos de voltar aos mesmos lugares do
passado, da nossa cidade, terra querida como Botucatu-SP e Marília-SP, isto é
um casamento perfeito. Queremos também sentir essa solidez e estabilidade com o
nosso parceiro amoroso. Amor é paz e descanso e deriva justamente do fato de
uma pessoa conhecer e entender bem a outra. Por isso, é importante que as
afinidades, as semelhanças, predominem sobre as diferenças de temperamento,
caráter e projetos de vida.
Portanto,
seres humanos que se afinam na relação amorosa, poderão viver uma história de
amor rica e de duração ilimitada. Não terão motivos para divergências. Não
sentirão inveja. Dos raros casais que vivem em harmonia, só podem tirar lições
das experiências, na perspectiva de que cada um deve procurar se unir para o
bem comum do casal. Só assim o amor não será um momento fugaz. Para que a
intimidade não se transforme em tédio e continue a ser rica e estimulante, é
necessário que o casal faça planos em comum e que depois se empenhe em
executá-los. Contudo, a vida é um veículo de duas rodas: só se equilibra em
movimento. Para que duas pessoas se tornem uma unidade é preciso criar um
objetivo: ter um ideal de vida. Seja qual for, é a cumplicidade que transforma
o amor em algo fundamental. Fazer planos é sempre uma aventura excitante. É
sobre eles que mais adoramos sonhar juntos.
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