Vivemos
em um mundo de incerteza, extrema insegurança em relação à duração e à
estabilidade de cada individuo dentro da sociedade. São tempos de relações
sociais frágeis, que cada vez mais se tornam relações mercantilizadas e
individualizadas. Não há mais um referencial moral, um lado a seguir, parece
estar todos jogados à responsabilidade e risco de seguirem e construírem suas
vidas sem porto seguro nenhum.
Para
o pensador e sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925), nesse contexto a relação
social, pautada em uma responsabilidade mútua entre as partes que se relacionam,
é trocada por outro tipo de relação que Bauman chama de conexão. Ele tira esta
palavra das análises de relacionamentos em sites de encontros. Em suas
pesquisas ele percebe que o grande agrado dos sites de encontros está na
facilidade de esquecer o outro, de se desconectar. Com esta facilidade as
relações afetivas que poderiam ser de boa qualidade, estão se perdendo, aumentando
cada vez mais o distanciamento entre os humanos.
Sem
pressão para estabelecer responsabilidade mútua entre os envolvidos, o relacionamento
se torna frágil, uma mera conexão, nova forma vigente de se relacionar na
modernidade líquida. Todos podem, sem o menor remorso, trocar seus parceiros
por outros melhores. Desta forma, a maior utilidade do termo “conexão” é
evidenciar a facilidade de se desconectar. Para Bauman, quando a qualidade das
relações diminui vertiginosamente, a tendência é tentar recompensá-la com uma
quantidade absurda de parceiros. Talvez um bom exemplo seja a quantidade de
amigos que as pessoas costumam ter em redes sociais. São números que ultrapassam
a casa dos 300 a 500 amigos, algo que seria irreal para uma convivência
cotidiana de boa qualidade.
Bauman
em seu livro “Amor Líquido”, afirma
que até mesmo a afinidade está se tornando algo pouco comum em uma sociedade de
extrema descartabilidade. Não há razão para buscar na afinidade, sendo que não
há o menor objetivo em firmar laços que sejam próximos do familiar. Não há
objetivo de fixidez. As relações se desenvolvem com aquilo que “já se tem”, não com aquilo que ambos
estão “a fim de ter”. Não se arrisca,
por exemplo, a amar sinceramente a ponto de se entregar um ao outro. É na falta
do verdadeiro amor que as pessoas se perdem. Não há amor pela causa, não há
tentativa de manter um relacionamento com o programa de um coletivo.
No
entanto, essa fixidez é renegada a favor da livre escolha, da decisão
individual, que obriga o indivíduo a estar sempre disponível para voltar atrás.
Com facilidade para descartar qualquer um que se atreva a contrariar. Sendo
assim, será mais um descartável nesta relação líquida. A dificuldade em lidar
com o outro está na falta das ferramentas necessárias para se iniciar um
relacionamento verdadeiramente genuíno. O contato via rede social tomou o lugar
de boa parte dos solteiros que iriam para bares em busca de parceiros, no
entanto, os poucos que ainda os frequentam, não sabem mais como se relacionar
em tal ambiente.
A
situação de extrema insegurança e incerteza também se relaciona com a
incapacidade de amar o próximo. O que quero dizer? Se o outro é sempre um possível
inimigo, alguém que nos tira a possibilidade de aproveitar a vida de maneira
plena, então não há sentido em amá-lo – no sentido pleno da palavra amor – em
confiar na sua presença, em ter certeza que ele vale nosso amor. Bauman diz que
o amor-próprio é resultado de ser amado. Esta é uma relação infinita e
incessante: “quando a pessoa percebe que
sua voz é ouvida, que sua opinião é importante ou que sua presença será
sentida, ela entende que é única especial e digna de amor”. Só o outro pode
dizer que somos dignos de amor. Que maravilha viver se todos soubessem
conversar, mesmo depois de romperem um relacionamento de anos de intimidade e
cumplicidade. Que é o mínimo que deveriam fazer um pelo outro. Atitudes adulta
impera o respeito.
Vale
dizer que num processo de identificação com aquela pessoa que nos amou, também
entendemos que a necessidade de amor existe nela. Nós nos amamos quando nosso
ego se identifica com o outro e, desta forma, amamos a nós, merecedores de
amor, e amamos o outro identificado. O que compromete as relações são as
fofocas, vindo de fora, que muitas vezes destrói um relacionamento que poderia
ser de boa qualidade. O casal alvo da fofoca se parte ao meio, acreditando na
possível conversa maledicente. De modo que, ficam remoendo uma dor que não
deveria existir. Espalhando ressentimento um contra o outro, que toma conta do
corpo e da alma de ambos. Passa a ver todos como inimigos. Este é o caminho
mais direto para uma sociedade líquida.
Quando
o veneno da fofoca alcança o espírito do casal o relacionamento desmorona,
comprometendo uma relação de anos de caminhada juntos. O problema é que o
casal têm uma forte tendência a embriagar-se neste veneno, porque são incapazes
de confiar um no outro depois de anos de convivência. Estamos contribuindo para
a difusão do amor líquido. O instinto de preservação não é suficiente para a
sobrevivência de ambos. Contudo, estamos encurtando as relações afetivas ao
descartar a pessoa que tem a chave do nosso coração. É necessário haver uma
instância moral atuando nas definições do meu “Eu” e do “Outro”, para
que haja uma relação humana que seja algo mais que uma relação puramente
animal. Somos humanos na essência e na atitude.
Por
conseguinte, viver em uma sociedade de pura incerteza em relação ao outro, o
amor nos é negado. Sendo assim, é negado a dignidade de ser amado. Não há
amor-próprio e não há injunções sociais que prescrevem o amor ao próximo,
fazendo dele algo fundamental na vida em sociedade. Amar o próximo não é
natural, é na verdade, algo contra nossos instintos mais básicos: “por isso é o ato fundador da moralidade”.
Contudo, se nossas ferramentas de relacionamento estão engajadas com nossa
época fluida e se as prescrições para amar ao próximo estão cada vez mais
formais e estabelecidas por códigos penais, então o caminho da sociedade é a
autodestruição após um longo definhamento. Se você não quer cair na vida,
aprenda a ajoelhar. Mostre que seu coração está tomado de amor.
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