Poucas
coisas se parecem tanto com a morte quanto o amor realizado. Cada chegada de um
dos dois é sempre única, mas também definitiva: não suporta a repetição, não
permite recurso nem promete prorrogação. Deve sustentar-se por si mesmo e às
vezes consegue. Cada um deles nasce, ou renasce, no próprio momento em que
surge, sempre a partir do nada, da escuridão do não ser sem passado nem futuro,
começa sempre do começo, desnudando o caráter supérfluo das tramas passada e a
futilidade dos enredos futuros. Nem no amor nem na morte pode-se penetrar duas
vezes. Muito menos do que no rio de Heráclito, que só banha uma vez. Eles são,
na verdade, suas próprias cabeças e seus próprios rabos, dispensando e
descartando todos os outros.
O
amor e a morte não têm história própria. São eventos que ocorrem no tempo
humano, isto é, eventos distintos, não conectados, muito menos de modo causal.
Não se pode aprender a amar, tal como não se pode aprender a morrer. Sendo
assim, não se pode aprender a arte ilusória, inexistente, embora ardentemente
desejada de evitar suas garras e ficar fora de seu caminho. Chegado o momento,
tanto o amor quanto a morte atacarão, mas não se tem a mínima ideia de quando
isso acontecerá. Quando acontecer, vai pegar você desprevenido. Todos nós
tendemos a nos esforçar muito para extrair alguma experiência desse fato.
Por
outro lado, os relacionamentos em geral, estão sendo tratados como mercadorias.
Se existe algum defeito, podem ser trocadas por outras, mas não há garantia de
que gostem do novo produto ou que possa receber seu dinheiro de volta. Hoje em
dia os automóveis, computadores ou telefones celulares em bom estado e em bom
funcionamento são trocados como um monte de lixo no momento em que aparecem
versões mais atualizadas. E assim acontece com os relacionamentos, não gostou,
vamos trocar. Para muitos é melhor virar as costas e execrar o outro do que
dialogar. Na música “Evidência” de
José Augusto (1953), está explícito essa contradição. Negamos o que é evidente.
Contudo, estamos criando espaços para a solidão e vivendo uma vida descartável
sem pensar no amanhã, sem perspectiva alguma. Os relacionamentos estão cada vez
mais fragilizados e desumanos.
No entanto,
o que as pessoas não percebem é que o amor não se dirige ao belo, como muitos
acham. Ele dirige-se à geração e ao nascimento no belo. Amar é querer gerar e
procriar, e assim os amantes buscam e se ocupam em encontrar a coisa bela na
qual possa gerar. Ou seja, dar um sentido existencial e criar um projeto de
vida em comum, motivados pela união estável dos sentimentos. Em outras
palavras, não é ansiando por coisas prontas, completas e concluídas que o amor
encontra o seu significado, mas no estímulo a participar da gênese dessas
coisas. O amor é afim à transcendência; não é senão outro nome para o impulso
criativo e como tal carregado de riscos, pois o fim de uma criação nunca é certo.
Portanto,
em todo amor há pelo menos dois seres envolvidos, cada qual é a grande
incógnita na equação do outro. É isso que faz o amor parecer um capricho do
destino, isto é, aquele futuro estranho e misterioso, impossível de ser
descrito antecipadamente, que deve ser realizado ou protelado, acelerado ou
interrompido. Amar significa abrir-se ao destino, a mais sublime de todas as
condições humanas, em que o medo se funde ao regozijo num amálgama
irreversível. Abrir-se ao destino significa, em última instância, admitir a
liberdade no ser. Aquela liberdade que se incorpora no outro, o companheiro no
amor. A satisfação no amor individual não pode ser atingida, sem a humildade, a
coragem, a fé e a disciplina verdadeira. Contudo, uma cultura na qual são raras
essas qualidades, atingir a capacidade de amar será sempre, necessariamente,
uma rara conquista.
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