O
que quer dizer cegueira da humanidade? Na verdade, as pessoas não enxergam
porque vivem falando. Muitos acham que falando estão dizendo tudo. No entanto,
examine um pouco as palavras, como elas foram feitas e para que finalidade a
usamos. A palavra falada é muito mais do que ela expressa, ou seja, a linguagem
decompõe o mundo em pedacinhos, sendo que cada pedacinho é uma palavra. O olhar
é muito mais abrangente porque num instante você vê o mundo. Por exemplo, a primeira
cidade que se tem notícia foi Jericó, a mais antiga existente com mais de dez
mil anos. Para proteger a cidade naquele tempo, usava uma grande muralha. Para
esse povo que habitava Jerico, o mundo ficou ainda menor. Sendo assim, aos
poucos a palavra começa a substituir a visão escondida por trás daquelas
muralhas. Utilizavam da palavra para descrever o mundo que não viam.
Lendo
o livro: “O Ensaio Sobre a Cegueira”
de José Saramago (1922-2010), o autor pega uma premissa fantástica e absurda ao
mesmo tempo. De repente todas as pessoas num determinado momento num lugar
começam a ficar cegas. De modo que não é uma cegueira comum, que a ciência não
consegue diagnosticar e muito menos encontrar uma cura. É uma cegueira
coletiva. A partir desta premissa tão estranha e insólita, o livro vai descrevendo
de maneira super realista o que acontece com a humanidade depois que as pessoas
começam a ficar cegas, ou seja, no que se transforma o mundo por conta dessa
cegueira. Por outro lado, a ciência que nasceu para compreender a alma humana,
ela não consegue ver o ser humano como corpo-alma e sim como um problema. A
psicologia é totalmente cega, a pessoa num processo psicoterapêutico vira um
simples relatório que o psicólogo anota. Será que o ser humano é só um
relatório?
Nenhum
texto reproduz o tom de voz e o gesto facial, portanto, ele é cego e limitado. Cada
um interpreta como quiser. Agora se eu estiver olhando para a pessoa e prestando
atenção nos gestos e tom de voz, não tem como interpretar o que quiser. De modo
que fico muito mais preso ao que ele está dizendo. O que Saramago quer mostrar
é a cegueira de todos, inclusive da psicologia que nasceu para enxergar o homem
e não o faz. Perante esta eminente
cegueira desaparece o ser humano. Estão todos presos as palavras e não presta
atenção no outro. Todo mundo falando como papagaio e dispensa o essencial. As
pessoas vivem falando sem saber muito bem o que e não tem nenhuma noção da
cegueira que é de todos nós. Vivemos de palavras bonitas e não pensamos no
principal. Enxergar o outro como ele é. O ser humano é de um egoísmo espantoso, cada um defendendo o seu.
Entretanto,
no rastro deste livro, aparentemente exótico ele nada tem de ficção científica.
Tanto o livro como o filme mostra um terrível retrato da humanidade. Existem
montanhas de livros falando sobre a individualidade humana, e ainda tem pessoas
que se espanta com esse mistério de cada um. Basta colocar três ou mais pessoas
juntas e olhar para elas, são completamente diferentes. Onde está o mistério?
Está na cegueira de quem olha e não vê ou daquele que fica achando que são iguais. Contudo, as pessoas não têm a mínima atenção consigo mesma, vão
soltando, destrambelhando palavras sem saber o que estão falando. Ninguém se
recolhe um pouco para perceber o que está acontecendo ao seu redor. Como
argumenta o filósofo francês Paul Ricoeur (1913-2005): “através da palavra torna-se presente o que está ausente”. Só
ouvimos a palavra e não prestamos atenção no conteúdo que ela traz. Somos todos
cegos, até para as coisas do nosso coração. Vivemos culpando as pessoas ou a
família, pela vida errada que estamos vivendo. As pessoas vivem pensando no
pior, na desgraça, que tudo vai mal e ficamos julgando os outros. Não é assim
que vai melhorar! Ninguém é culpado pelo mal que estou vivendo. Pare de culpar
o passado e comece a reconstruir a sua vida daqui para frente.
Portanto,
não experimentamos milagre fora se não gestarmos o milagre dentro de nós. Esta
cegueira já tomou conta das famílias que vivem fechadas dentro de uma gaiola.
Ter um apartamento enorme ou morar numa mansão só aumenta a sua angústia. Hoje
vivemos a síndrome da casa vazia. Não vale a pena esse êxodo social, não
compensa o fracasso de uma família. Quantas pessoas moram em mansões, no luxo e
não tem com quem conversar. A sociedade vive na hipocrisia, as pessoas não se respeitam
não se amam mais. As pessoas amam a imagem que elas fazem da gente. Elas amam a
imagem que ela acha que tem de mim. Não pense que as pessoas te ama. Elas se
amam em você enquanto serve ao ego delas. Até parece que precisamos de um
espelho para enxergar os nossos valores. Vivemos na sociedade do espelho.
Quantas famílias hoje vivem atrás desse espelho? Buscando como subterfúgio nas
cirurgias plásticas, clinicas de estéticas e nunca estão satisfeitas. Olha para
uma pessoa deprimida, sempre repetindo a mesma queixa. Contudo, até pode ser
que aquele carro do ano lhe de status, mas não preenche o vazio do seu coração.
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