Todos
nós criamos cascas protetoras, para nos defender dos outros. Os bichos cascudos
têm pouca mobilidade, e machucam os outros. Uma velha tradição diz que o ser
humano faz tudo para ter prazer na vida, e evitar a dor. Normalmente não
procuramos demonstrar o amor que sentimos, quando amamos. Amar é ruim? Também
evitamos o choro, mesmo quando a vontade é grande. Chorar é feio? A mulher e o
homem apaixonados se encontram. Tem vontade de abraçar, pegar um na mão do
outro, afagar o cabelo, olhar nos olhos, manifestar ternura, contentamento,
alegria, felicidade. Mas em geral não fazem nada disso. Tolhem os gestos mais
espontâneos e ingênuos, que não são feios e também não doem. Parece que dar
prazer não pode!
De
fato na hora das coisas boas ficamos cheios de dedos, infelizmente. Não sabemos
senti-las, muito menos nos entregamos a elas. E usamos desculpas para esconder
nossa incapacidade, dizendo: “seu tempo
comigo acabou”; “paramos por aqui
nossa história”. Mesmo que seja uma linda história de amor. Se for verdade
que procuramos prazer e evitamos a dor, então, por que negamos ao outro nosso
carinho? Acho que acontece o contrário; defendemo-nos de coisas excelentes,
fabricando uma casca protetora, verdadeira couraça muscular, para disfarçar o
que sentimos. Toda pessoa cascuda vira um especialista em disfarce. Ela sempre
responde as incertezas do mesmo jeito. Por isso, torna-se muito capaz numa
direção, e incapaz em outra.
Todavia,
o desdenhoso sabe desdenhar espetacularmente, mas sua habilidade termina aí. O
orgulhoso é especialista em colocar-se acima das coisas, e incapaz de vivê-las.
O gozador tem grande capacidade em rir de tudo, porém, não sente nada de
importante, já que tudo é risível. O sério julga o mundo sério demais e achata
a vida. Não tem humor. O displicente não leva nada a sério, então, não há nada
que lhe interessa. A ingênua diz com espanto nos olhos que tudo é novo, mesmo
acontecimentos velhos de muitos anos. E não se enriquece com acúmulo das
experiências. O cobrador vive exigindo que as pessoas cumpram com suas
obrigações, com isso acaba eliminando a possibilidade das respostas espontâneas.
Entretanto,
o desconfiado está sempre desconfiando e afasta as coisas boas que interpreta
como malévola. A eterna vítima é técnica em queixar-se, portanto, não se
arrisca a viver uma situação agradável, porém, é incapaz de amar alguém. O
falador interminável teoriza sobre tudo e não vive, a vida é um dicionário.
Esses são só alguns exemplos de pessoas cascudas. Dificultam a vida, como se
fossem óculos escuros, impossibilitando a visão do arco-íris. O cavaleiro
medieval, armado de imponente armadura, investe contra o índio nu. Casca e não
casca. Quem sai vitorioso?
Se
for preciso passar por uma ponte estreita, ou seja, por um momento difícil é
quase impossível manter o equilíbrio com a armadura. O índio ganha se surgir um
perigo inesperado; como é que o cavaleiro se defenderá? Ele só sabe fazer as
coisas de um jeito, é um especialista. É óbvio que o índio ganha. Se acontecer
um empurrão, isto é, se as pressões sociais forem muitas, o cavaleiro não
resiste e cai. O índio continua levando vantagem. Além disso, durante todo o
tempo da luta, o encouraçado tem a respiração deficiente. Em consequência
disso, ele pensa, sente e se mexe mal, pois a casca feita, na verdade, por
tensões musculares que prendem como uma roupa apertada inibe todas as
expansões.
Portanto,
assim como o cavaleiro encouraçado, o desdenhoso, a vítima, o orgulhoso e os
outros tipos de pessoas cascudas, especializadas em suas defesas se movem,
respiram, se sentem mal, vivem mal. Todo bicho muito cascudo, como a tartaruga,
o besouro, morre quando cai de costas. Seria bom aprender esta lição. Contudo,
a casca oprime, limita e sufoca. Torna-nos burros em todas as reações que fogem
a nossa especialidade, o nosso conhecimento. Deixando-nos tenso e sem reações de forma que deixamos a
vida passar sem realmente vivê-la, como se passa o tempo. Esquecemos que o
nosso corpo não vai durar para sempre. Por que nos maltratar se podemos amar?
Nenhum comentário:
Postar um comentário