Está
em nossas mãos construir uma educação que tenha o ser humano como referência. Para
que ele possa expor o seu ponto de vista, nada melhor que a escola, como ponto
de partida na construção de um mundo mais humano. Só a educação pode nos dar
esse respaldo, fora dessa realidade vamos ter uma sociedade excludente, sem
pensamento lógico, isto é, um pensar que aponte para o futuro numa perspectiva
mais humanista, sobretudo, com um olhar de generosidade e condescendência para
com as crianças. A criança chega à escola trazendo uma sacolinha cheia de
sonhos, porém, ela não aprende porque é bobinha e não da o melhor de si. Sua
maior dificuldade está em que ninguém olha para os seus sonhos. Até parece que
esquecemos o que é ser criança, o que é sonhar. Vale lembrar, que os sonhos
iniciam precisamente a partir do segundo nascimento.
Na
verdade, nascemos duas vezes. No primeiro nascimento trazemos uma carga
genética hereditária, chamada “cromossomos”
e no segundo nascimento trazemos outra carga hereditária e familiar que é o “como somos”. De certo modo, o segundo
nascimento está ligado ao simples fato de dar e receber atenção, ou seja,
manter o foco nas relações interpessoais. Para ilustrar trago um dado importante,
que pode ser resumido numa frese: “quem
não tem a atenção de ninguém, não sente o seu existir”. Se um grupo de
pessoas resolvessem fazer uma brincadeira no trabalho ou entre amigos. Por
exemplo, amanhã vamos ignorar o fulano. Ninguém olha e nem fala com ele. Seria
uma tortura mortífera, talvez um dos piores castigos que se pode dar a alguém
no mundo. Uma pessoa tratada com indiferença está muito próxima de um morador
de rua. Aquele camarada que mora debaixo da ponte onde não tem atenção de
ninguém. Nem o cachorro na rua olha para ele. Existirá coisa pior que isto?
Curiosamente,
mais da metade do consumo no mundo é feito para as pessoas se exibirem. Não é
bem assim! Quem exibe uma roupa bonita e elegante, é para ser notado. “Olha eu aqui”! Se ninguém me olha, não
sinto que existo. O que a criança espera do professor no seu primeiro dia de
aula? Ser notada pelo mestre com carinho. Se no primeiro contato a professora
olha para a criança com cara de mãe, não está olhando nem para criança e muito
menos para seus sonhos. Simplesmente ela está repetindo o olhar de coação ou
rejeição que a criança recebe diariamente dos adultos. E se o olhar da
professora for de autoritária e mandona, a criança se fecha ou se rebela. Certa
vez uma professora flagrou uma criança imperativa desenhando e perguntou: “menina você não fez a tarefa que pedi. O que
está a desenhar?” Prontamente respondeu a menina: “Deus”. Indagou a professora quase sem paciência: “mas ninguém conhece Deus pessoalmente”.
Tranquilamente respondeu a menina: “espera
um pouco que a senhora vai conhecer”. Não precisa dizer que se trata de uma
criança criativa. Uma menina que com uma folha de papel e um lápis foi capaz de
materializar um sonho. Esse é o momento criativo da criança, que está propondo
a dança das fantasias. É nesse universo fértil que constrói o saber com prova.
Lembrando que fantasia é diferente de sonhos.
As
crianças são os melhores filósofos, porque sabem perguntar e interpretar.
Alguns anos atrás uma amiga supervisora de ensino, contou-me sobre sua visita
numa escola rural, localizada no interior do estado de São Paulo, no meio de um
canavial. A professora da classe ficou um pouco constrangida e até assustada,
pois fazia uns quatro anos que a escola não recebia a visita de um Supervisor
de Ensino. Por conta da surpresa, foi logo mostrando os cadernos dos alunos e o
quanto eles já sabiam ler e escrever (ensino fundamental). Para exemplificar a
sua afirmação a professora escreveu na lousa: “A asa é da caneca”. Imediatamente, um pequenino (não tinha mais que
sente anos), disse que a frase estava errada. A professora disfarçou a conversa
e pediu para um segundo aluno ler. Este leu “a asa da caneca”. Foi elogiado pela supervisora, mas ela dirigiu-se
ao primeiro aluno e lhe perguntou: “porque
a frase está errada?”. Respondeu o menino: “porque a asa é do passarinho”. A supervisora perguntou: “e a caneca, o que é que tem?” Ele
respondeu: “a caneca tem cabo”. Evidentemente que o segundo aluno fez uma
leitura mecânica, mas o primeiro aluno, interpretou, analisou e concluiu. Isso
é alfabetização.
No
entanto, se a sua constatação (a frase está errada) não tivesse sido
explicitada, tanto a supervisora como a professora perderiam a chance de
compreender a sua aprendizagem na leitura e, certamente esse aluno seria avaliado
como indisciplinado e burro. Porém, a escola nos oferece propostas simples para
um mundo complexo. As crianças na sua maioria pobres, elas só têm sonhos e
esperanças de que um dia melhore. Todavia, o ofício de ensinar e despertar nas
crianças o encanto pelas letras, não é para aventureiros. Apropriar-se do
conhecimento nos faz mais humano, nos faz ver a criança como alguém que sonha.
É olhar para criança e pensar: “posso
fazer desta pessoinha, melhor que eu. Talvez
eu não tivesse um professor tão bom quanto posso ser para esta criança que
coleciona sonhos”. Como educador não posso fazer nada que venha a
envergonhar a criança que já fui um dia. O papel do professor é formar bons
profissionais, mas a nossa maior dificuldade é formar cidadãos conscientes e
mais humanos.
Nobres
professores não vão deixar morrer a capacidade que a criança tem de sonhar. A
lógica da vida não é mecânica e sim orgânica. O papel da escola é ampliar o
conhecimento elevando o horizonte de sonhos da criança. Resolver mecanicamente
não funciona. Um livro que não toca e nem encanta a criança não serve para
nada. Vamos tirar a ideia de ensinar a criança e colocar a ideia de compreender
o seu universo simbólico. Porque todo conhecimento começa com um sonho. O
conhecimento nada mais é que a aventura pelo mar desconhecido, em busca da
terra sonhada. Mas, sonhar é coisa que não se ensina na escola. Brota das
profundezas do corpo, como a água brota das profundezas da terra. Com
sabedoria, cabe ao professor olhar para os olhos da criança e dizer: Conte-me
os seus sonhos, para que sonhemos juntos. Vamos tornar a criança suportável, a
fazer amigos, a lapidar sua agressividade e aprender a conviver com os iguais.
Para o filósofo e educador francês Olivier Reboul (1925-1992), esta pedagogia
chama-se “educação dos sentimentos”.
Se a educação não pode tudo, não se pode nada sem ela.
Portanto,
através dos pais e educadores as crianças aprendem o que é ser gente grande.
Aprendem a brincar, a estudar, a trabalhar, a amar e nunca desistirem de
sonhar. A criança forma na infância a imagem do que é ser adulto responsável.
De modo que, pais e professores querem exercer sua missão com o máximo de
perfeição e nem sempre conseguem. Sendo que na vida nada é absoluto. Sempre há
margem para o aperfeiçoamento, uma vez que a perfeição não é um atributo
humano. O que a criança espera dos pais e dos professores é que fiquem do seu
lado, não acima da criança. Eles querem sentir que não estão sozinhos no mundo.
Contudo, filho é um envelope gigante que os pais e professores mandam para o
futuro. Sendo que pai e professor são apenas dois selinhos pequenos, que sem
esses dois selinhos esse envelope gigante não vai a lugar nenhum. Concluo essa
reflexão citando o filósofo e educador Rubem Alves (1933-2014), que dizia: “Senhores educadores, antes de serem
especialistas em ferramentas do saber, sejam especialistas em amor: intérprete
de sonhos. O menininho sonhava. Como Deus, que do nada criou tudo, ele tomou o
nada em suas mãos, e com o nada fez o seu carrinho. Imagino que, também como
Deus, ele deve ter sorrido de felicidade ao contemplar a obra de suas mãos”.
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