Para o filósofo e teólogo
judeus Martin Buber (1878-1965) dividiu as relações humanas em dois tipos: O eu-você e eu-isso. O primeiro representa as relações amorosas, à troca e a
reciprocidade. Enquanto no segundo é marcado por relações possessivas e
manipuladoras, isto é, pessoas que se relacionam com o outro como se este fosse
um objeto. Todavia, uma relação saudável precisa principalmente de interação eu-você, mas frequentemente cometemos o
erro de tratar as outras pessoas como coisas, criando uma dinâmica eu-isso. Uma maneira ante social e desrespeitosa
que denota poder e que certamente resultará em rivalidade. Como dizia Platão: “só te ama aquele que ama a tua alma”. Na
nossa definição o amor é completamente diferente do sexo. Amor é paz e
aconchego. Na verdade, amor é o sentimento que tenho pela pessoa, cuja presença
provoca em mim sensações agradáveis. Não sei explicar, mas, sei sentir.
No entanto, o nosso primeiro
objeto de amor seria a mãe que provoca desde o nascimento essa sensação de paz
e aconchego. Quando nos pegava no colo. Este aconchego não tem nada a ver com a
estimulação erótica. Talvez por isso mesmo que Sigmund Freud (1856-1939), tenha tão
insistentemente falado na ideia de sexo como impulso vital por excelência. Para
o psiquiatra Flávio Gikovate (1943), o amor é um impulso que surge desde os primórdios
da vida, ou seja, com o nascimento. É responsável pela paz e harmonia que a
criança sentiu de alguma maneira durante o período uterino, isto é, o amor como
busca de harmonia através da aproximação física e espiritual com o outro. As
manifestações da sexualidade surgem pela primeira vez no fim do primeiro ano de
vida, quando a criança começa a se reconhecer como entidade autônoma, como
independente da mãe e começa pesquisar o próprio corpo. Com o passar dos anos,
nos desligamos dela e buscamos outra pessoa para ser o nosso par na aventura
romântica. Uma vez escolhido, só serve aquele parceiro. Sua substituição é
possível, mas, lenta e dolorosa.
Entretanto, o sexo é um
fenômeno de desequilíbrio, ao contrário do que acontece com o amor, que é um
fenômeno de equilíbrio e aconchego. O sexo é um impulso que se manifesta pela
primeira vez no fim do primeiro ano de vida. É o momento em que a criança
começa a perceber com mais clareza que não está grudada na sua mãe, que não é uma
parte dela. Começa a perceber a sua individualidade, e passa a pesquisar-se. É
o período em que a criança, ao se tocar inteira, percebe que as sensações
variam conforme a parte do corpo que é tocada. Percebe bem claramente que a
região correspondente aos órgãos genitais provoca uma sensação muito especial,
uma inquietação agradável, à qual chamamos de excitação sexual. É muito
importante perceber que as primeiras sensações de natureza sexual se dão quando
a criança, sozinha está pesquisando o seu corpo. Trata-se de um fenômeno
pessoal, individual e que foi denominado autoerótico por essa razão. Porém,
diferentemente do amor, que sempre envolve outra pessoa, o sexo é, nas
primeiras descobertas infantis, uma manifestação individual.
A diferença é que a paz derivada
do amor depende sempre da existência de outra pessoa, o objeto específico do
nosso sentimento; por sua vez, o sexo é um processo pessoal, autoerótico e, ao
menos na infância, totalmente independente de um objeto específico. Sigmund
Freud acreditava que o amor era uma manifestação sofisticada, mais
intelectualizada, do impulso sexual. Ele chamava esse processo de sublimação,
ou seja, a transformação de um impulso mais grosseiro em algo mais sublime,
mais especial. Essa transformação é o efeito da nossa razão sobre o fenômeno
mais físico, mais animal, da sexualidade. Transformamo-nos em produtos
sublimados. A verdadeira história da evolução da nossa espécie e a passagem de
um modo de vida primitivo, nômade, para as organizações sociais complexas em que
vivemos hoje, ainda estão longe de ser conhecidas. A verdade é que foi uma
história difícil, cheia de sofrimentos internos e externos. Os sofrimentos
externos derivaram do fato de que a terra não era um local tão apropriado para
a nossa espécie. Tivemos de aprender a nos defender dos outros animais, do frio
rigoroso, da escassez de alimentos.
Se hoje temos casas
confortáveis, alimentos preservados para consumo durante o inverno e condições
objetivas de combate às doenças e às dores, essas são as conquistas da quais
podemos nos orgulhar. O planeta está muito mais adequado às necessidades
humanas do que a selva original que aqui encontramos. Para conseguirmos avançar
na conquista do meio externo, tivemos de nos agrupar em núcleos sociais cada
vez mais complexos e organizados. Esses grupos impuseram severas limitações à
expressão da nossa natureza instintiva, ou seja, nossa natureza mais animal.
Muitos dos desejos que surgiram e ainda surgem espontaneamente, graças à nossa
biologia, tiveram de ser proibidos. A palavra que se usa em psicologia para
isso é repressão. A repressão, quando muito forte, tira o desejo até da nossa
consciência e cria assim outra parte da nossa subjetividade, que é chamada de
inconsciente. Este por sua vez contém os desejos que a nossa razão consciente
não aceita. E não aceita por causa da repressão, que inicialmente é externa,
isto é, social e depois se transforma em interna, pessoal.
Portanto, a fantasia do amor
romântico, exaustivamente declamado por trovadores e poetas, baseava-se na dependência
dos amantes. Por essa razão a fantasia não consegue satisfazer os anseios
daqueles que pretendem se relacionar com seus parceiros de maneira autêntica e
viver de forma mais independente. A tendência hoje é o desejo de viver um amor
baseado na amizade. Para isso, são necessárias novas estratégias, novas táticas
por meio de experiências nunca antes tentadas. Para conhecer o outro, é preciso
um encontro sem idealização, reproduzir o passado não é mais suficiente. Muitos
gostariam de inventar uma nova arte de amar, e pela história fica claro que
existem precedentes, portanto, é possível fazê-lo. Como diz a psiquiatra e
educadora Regina Navarro Lins (1948), o amor romântico começa a sair de cena, levando
com ele a idealização do par romântico, com aquela ideia de que os dois se
transformem num só e, consequentemente, a ideia de exclusividade. Contudo, abre-se
a possibilidade de se amar e de se relacionar sexualmente com mais de uma
pessoa ao mesmo tempo. Essa nova forma de amar, diferente da expectativa do
amor romântico, de sermos a única pessoa importante para o outro, que terá como
ingrediente principal o companheirismo e a solidariedade. Aquele amor que
nascia de um simples olhar está com os dias contados. O amor romântico está
morrendo na sua origem e deixando como seu precursor o sexo, tendo em vista,
que o amor romântico é uma invenção social e cultural.
O amor romântico está morrendo na sua origem e deixando como seu precursor o sexo, tendo em vista, que o amor romântico é uma invenção social e cultural. Acredito que enquanto tivermos, pessoas como você, poetas,e humanistas, este sentimento chamado amor, sobreviverá.
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