No dicionário encontramos
uma curiosa palavra: “nefelibata”.
Qual o significado desses sons tão estranhos à linguagem do dia a dia? Pois é,
nefelibata significa “aquele que vive nas nuvens, cujo espírito vagueia por um
mundo ideal e sonhado”. Tanto no passado como no presente, fomos ensinados a
imaginar que o filósofo é um sujeito que vive nas nuvens, desligado das coisas
concretas, vagueando. Por isso consideramos sempre que há uma grande distância
entre o modo de viver e de pensar dos filósofos e o viver e o pensar dos homens
comum. No passado, ensinava-se tal coisa porque o ensino era muito mais
elitista do que hoje, aqueles que se dedicavam a estudar algo mais
especializado, acabavam distanciando-se muito das demais pessoas cujas vidas
estavam presas a trabalhos braçais ou burocráticos.
Numa hora de extrema
necessidade de produção de bens matérias, era difícil compreender alguém que se
dedicasse ao pensamento e, hoje em dia, ainda se dá ao filósofo uma certa
imagem de “nefelibata”, mas agora para descriminá-lo mesmo e evitar que essa
pessoa que aprendeu a pensar, avaliar e criticar situações venha a incomodar os
sistemas políticos e as linhas de montagem das fabricas desumanizantes.
Diante dessas ideias e
imagens lançadas sobre a filosofia e os filósofos, cabe-nos, porém, fazer
algumas considerações inadiáveis. Será mesmo, a filosofia, uma tarefa de
sonhadores? Serão, os filósofos, homens que escolheram habitar as nuvens e se
desinteressaram pela realidade? Que utilidade poderia, então, ter a prática
filosófica em nossa sociedade que está cada vez mais técnica?
Entretanto, não podemos
negar os fatos. Assim como existem matemáticos que se divertem com exercícios
de raciocínio sem nem saberem para o que servem, há também filósofos que
praticam um pensamento que pode ser interessante (para ele) como um jogo de
xadrez. Há maus médicos, maus físicos, tanto quanto há maus filósofos. Alguns
professores de filosofia conseguem a façanha de “vacinar” seus alunos definitivamente contra a filosofia; o que
também ocorre com certos professores de matemática, de química ou de história.
Onde há um profissional que não procure ter perfeita noção do que ensina,
haverá uma fonte de equívocos e desestímulos.
Outra coisa inegável é que,
quando se pratica uma filosofia apenas voltada para interesses estrangeiros e
que lida com ideias que não são de nossa realidade cultural, as coisas acabam
ficando mesmo um pouco sonambúlicas. Devemos e precisamos aceitar as
contribuições dos países mais velhos e que tem mais vasta tradição do que o
nosso; mas se ficarmos nessa passividade, repetindo coisas europeias, asiáticas
ou norte-americanas que nem sempre fazem sentido para a nossa vida no trópico,
então bancamos papagaios elegantes posando de importantes no poleiro dos outros.
O antropólogo e escritor Darci Ribeiro (1922-1997), diz num dos seus ensaios,
que há professores que sabem misturar o saber alheio com o nosso, dando um novo
e positivo sentido para a realidade, bem como há outros que se comportam como “cavalos de santo” (figura da Umbanda
que só recebe espírito alheio, sem intervir).
A filosofia, desde que
passou a existir sobre a face da terra, trata de problemas humanos. Se ela
pergunta: “do que é feita a natureza?” É para que o homem saiba do que esta é
feita e possa melhor conviver com ela. Se a filosofia quer saber: “que condutas
são boas e justas?” É para que o ser humano tenha um comportamento (uma ética)
que faça do seu mundo um lugar amigo e justo. Se ela questiona quais princípios
fundamentais da matemática não continue sendo uma mecânica de cálculos sem alma
ou razão, uma prática que não se sabe para que serve claramente. É para que
tenhamos consciência. A filosofia investiga a política, a religião, investiga a
si mesma (uma filosofia da filosofia), à ciência de um modo geral. Ela
investiga as razões da violência nas grandes cidades e no mundo, bem como
pesquisa o sentido e a beleza da sexualidade e do amor. Por esta razão o
pensamento filosófico é considerado o pai de todos os demais saberes. Partindo
do fato de que somos seres pensantes, podemos afirmar que todos os homens são
pensadores; apenas nem todos assumem a função social de pensadores. Isto é, ninguém
vive sem uma filosofia de vida, mas nem todos se dedicam profissionalmente a um
estudo global da filosofia ou à criação filosóficas.
É sabido que, no ser humano,
pensamento e linguagem nascem juntos. Ora, a linguagem fala daquilo que é o
mundo à nossa volta e daquilo que nós somos; ela exprime nossos desejos e
nossas angústias; a linguagem é a nossa forma de receber o mundo e criá-lo de
novo dentro do nosso espírito. Portanto, não se pode dizer que a linguagem caia
das nuvens. Muito pelo contrário, ela sobe do mundo e da vida.
Porém, o pensamento é uma
forma mais sofisticada de usar-se a linguagem. Porque não existe pensamento que
pertença às nuvens, ainda quando pensamos sobre o que sonhamos. Afinal, os
sonhos não fazem parte da vida? Não traduz de uma forma enigmática, nosso mundo
interior? Haverá algo mais concreto do que nossas angústias, alegrias e
conflitos? Se prestarmos bem atenção, vamos ter certeza de que pensar é estar
duplamente ligado na realidade pelas mensagens que os sentidos levam à nossa
mente, e pelo trabalho de reflexão que nossa inteligência exerce sobre o que é
trazido pelos sentidos.
Conta-se que o genial
escritor e romancista russo Fiódor Dostoievski (1821-1881) andava por uma rua
quando, distraidamente, deu uma peitada em alguém que veio pelo passeio. De
imediato esse alguém deu lhe um sonoro tapa no rosto. O escritor olhou
firmemente para quem o agrediu e disse: “Como você deve ser infeliz para
esbofetear um desconhecido! Que pobre mundo restou para você”!
Portanto, isto é o que
chamamos estar duplamente ligado à vida. O escritor poderia ter revidado
simplesmente. Mas, em segundos, refletiu sobre a condição miserável de quem
agride a alguém que nem conhece. Mesmo que seja através de palavras. Sobretudo,
quando o tom é de fofoca, que destrói relações e pode acabar com os sonhos de
muitas pessoas. Na verdade, o que há é a árvore do viver, isto é, a nossa
frondosa árvore, o fruto do pensamento. Contudo, ainda permitimos que pessoas
interfiram nos nossos pensamentos e destruam nossas esperanças. Enfim, dessa
majestosa árvore, colhemos os pensamentos que é fruto do nosso amadurecimento.
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