Para compreender com
maior profundidade a condição humana, retomo o terceiro e quarto capítulo do
livro “Mito e Sexualidade”, do
escritor e jornalista americano Jamake Highwater (1942-2001), para melhor
compreensão, analiso esses dois capítulo. Para uma organização lógica do
pensamento, vou usar um título: “A Visão
Mítica da Sexualidade”. Analisando a suas interpretações fenomenológica e
hermenêutica, percebe-se que ele nos concede importantes elementos que
possibilitam a construção de novos significados para a sexualidade humana.
Pois bem,
o terceiro capítulo, que inicia nossa incursão pelo tempo, intitula-se: o
corpo como mulher. Na verdade, o que tem importância para o autor
são “os aspectos primordiais da sacralidade que cercavam o poder da fecundidade
da mulher”, pois deriva justamente desta mitologia “primitiva” a primeira
concepção da sexualidade humana.
A
problemática inicia-se com a defesa da existência de uma sociedade matricêntrica
no período neolítico, onde se poderia dizer “que Deus era mulher”. Para
sustentar tal tese, Jamake Highwater, mantêm constantes e insistentes diálogos
com cientistas sociais, antropólogos, biólogos e historiadores que cerram
fileira com esta mesma ideia, de braços dados com a ciência.
Na
sociedade matricêntrica, segundo Erich Fromm (1900-1980), e Bachofen
(1815-1887), os indícios de violência praticamente não existiam, pois
organizavam-se relativamente de maneira igualitária e coletivista. Enquanto os homens
uniam-se e dedicavam-se à caça, as mulheres responsabilizavam-se pela
alimentação e manutenção da grande
família e neste processo, acabaram tornando-se as pioneiras no
manejo da farmácia, da agricultura, da astrologia, da medicina, da pecuária, do
feitio de utensílios domésticos e etc. Além de todos estes domínios sobre a
natureza, coube também as mulheres, segundo Jamake Highwater, o primeiro passo
no processo de hominização dos
primatas. Afastando-se do cio, e não limitando o sexo à procriação como fazem
os animais, as mulheres transformaram a sexualidade em um aspecto da cultura, ou
seja, “foram elas que humanizaram a sexualidade animal” (p. 54-56). Sendo
assim:
“A religião dos chimpanzés é
animista e a dos humanos é sexual, mas sem associar a sexualidade às forças da
natureza, as mulheres viriam a criar a nossa primeira religião – a religião da
menstruação, dos mistérios do parto e das fases da lua”, (p.54-55).
Através
da vasta releitura mitológica realizada por Jamake Highwater junto aos seus interlocutores,
defensores de uma sociedade matricêntrica – que outrora estivera somente sob o
foco de leituras e interpretações patriarcais, ou leituras resenha machistas –
é possível perceber com clareza que de cada organização social deriva uma
sexualidade distinta, que por sua vez, implica numa metáfora subjacentes de
nossa corporeidade. A exemplo desta afirmação, o autor demonstra que a virgindade
na sociedade patriarcal, ocidental e de parentesco relaciona-se diretamente com
o controle da mulher, sua posse pelo pai ou pelo marido, enquanto que em uma
sociedade matriarcal ela estaria relacionada unicamente a seu autodomínio.
Entretanto,
a questão que deriva desta discussão e que pode nos servir de horizonte
político é que se cada organização social engendra uma consciência e uma
sexualidade característica, como ficou provada com explanação sobre alguns
aspectos das sociedades matricêntricas, outras formas de organização social
podem ser construídas, uma vez que não são imutáveis ou naturais, mas antes e,
sobretudo, construções humanas. Assim, outras significações podem ser aferidas
à nossa sexualidade dando continuidade ao constante e inexorável processo de
hominização que nos condiciona. Diante desta discussão cabe nos perguntar: que
tipo de organização social queremos e devemos construir para engendrar sujeitos conscientes de sua própria sexualidade? Sujeitos capazes de livrarem-se dos
mitos repressores, maniqueístas e preconceituosos que extirpam silenciosamente
as mais importantes potencialidades que podem levar o homem à emancipação?
Porém, é no quarto capítulo: “O corpo como homem” (p. 57-91), que
nele a principal discussão centra-se na demonstração da batalha entre a antiga mentalidade
matricêntrica e a nova mentalidade patricêntrica que travou-se no mundo dos
mitos. E como por fim, os novos deuses nascidos da sociedade patricêntrica,
arrebataram o poder das mulheres desta nova organização social (p. 58-59).
Contrapõe criticamente o tipo de consciência nascida desta mitologia
patricêntrica e sua respectiva concepção de sexualidade, àquela discutida no
capítulo anterior. Ou seja, enquanto nas sociedades matriarcais a sexualidade
era polimorfa, unilateral, sensual e pacífica, nas sociedades ocidentais,
patriarcais, a sexualidade - por temer o poder feminino – engendrou uma
adoração exacerbada do homem pelo próprio homem (p. 77-78), calcada no desprezo
pelas mulheres. Engendrou também a sexualidade violenta, repressora e a
diferenciação acentuada entre os sexos masculino e feminino – tão comum ao
nosso pensamento.
A
releitura elaborada por Jamake Highwater das importantes obras de Homero, Hesíodo,
Ésquilo e Sófocles, entre outras, demonstra que elas escondem verdadeiros
insultos sobre as mulheres (p. 66) e que esta mitologia solidificou a ideia ocidental atual de que as mulheres personificam a natureza bruta, o caos e a
desordem, enquanto os homens personificam a sabedoria, a ordem e a razão (p.
65). Desta consciência ambivalente nascida do patriarcalismo derivam o
homoerotismo e a noção da paixão como inimiga da razão, o que mais adiante se
transmuta na ideia ocidental das pulsões sexuais relacionadas a atos
animalescos (p. 90). Segundo o Professor Pat Caplan:
“Para os gregos, assim como para nós, o sexo
ameaça o senso de autodomínio que define a racionalidade masculina, e a
existência da civilização. Se lhes fosse dada a oportunidade, talvez os homens
tivessem erradicado por completo o desejo sexual, se não fosse a necessidade de
ter filhos que perpetuem a identidade masculina e alimentem o sonho da
imortalidade do homem”, (p.41).
Portanto,
assim sendo, com o patriarcalismo, o substrato simbólico necessário para
colocar em prática a nova ordem moral, estética e política estava pronto.
Contudo, é nesse terreno fertilizado pelo machismo que se sustenta ainda hoje a
nossa sociedade ocidental. Enfim, este será o tema da nossa próxima discussão, o
quinto e o sexto capítulo, que trazem como título: “O sexo como pecado” e “O
corpo como amante”.
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