Existe
uma impressão generalizada de que o filósofo se compraz no cultivo de um modo
de viver e de pensar exóticos, que é razão para que o julguemos vivendo um tipo
de vida incomum. Por isso consideramos sempre que há uma grande distância entre
o modo de viver e de pensar dos filósofos e o viver e o pensar dos homens em
geral. Na verdade, porém, os filósofos convivem conosco.
Assim
como a atmosfera em que vivemos está povoada de seres invisíveis, que aspiramos
em nossa respiração, sem o saber (p. ex: cada cm cúbico de ar tem milhões de
moléculas de ar), a atmosfera de nossa vida de pensamentos está povoada de
idéias de filósofos, que fazemos circular sem ter a menor consciência disto.
Propomos-nos,
assim, chamar a atenção para o que efetivamente acontece: os filósofos, que
julgamos muito distantes de nós, vivem conosco, ao nosso lado, e até em nós
mesmos, presentes em nossos próprios pensamentos. Nós o conduzimos conosco, sem
o saber.
Quantos
brasileiros ignoram que o lema “Ordem e
Progresso” inscrito em nossa bandeira foram tomados da filosofia
positivista de Augusto Comte (1798-1857). Da mesma forma, passou a ser um
ditado popular a expressão “Contra
fatos não há argumentos”.
É do próprio positivismo que retiramos este princípio.
Quando
encontramos, alguém que julga que a vida deva consistir no gozo dos prazeres
sensíveis, aí está, sem o saber, um epicurista. Por outro lado, se encontramos
alguém que afirma que cada um tem uma verdade para si mesmo, estamos diante de
um relativista.
Quando
alguém nos diz, por exemplo, que uma obra de arte não tem valor em si, mas vale
pela impressão causada no espectador, e admite que cada um possa ter uma
impressão completamente diversa sobre o mesmo objeto, ele está assumindo uma
posição que em filosofia, chama-se subjetivismo. Há os que julgam que a razão
tem um valor absoluto, e tudo pode ser explicado pela razão. Estes estão na
linha do racionalismo.
Poderíamos
alargar por muito tempo ainda à série de exemplos. Basta-nos, contudo, mostrar
que os homens carregam consigo posições filosóficas, assumidas sem saber. Os
filósofos não se afastam da vida. Eles convivem conosco, marcando a vida humana
com sua presença constante. Os homens que julgam não afastar-se da vida, estes,
por não se ocuparem da filosofia, estes sim podem estar afastados da realidade,
pois deixam, por deficiência de concepção, de viver como poderiam e deveriam
viver.
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