Afetividade
vem de afetar alguém, porém, quem tem o dom do afeto, cativa e cria vínculo
duradouro. Guimarães Rosa (1908-1967) diz que as pessoas não morrem, ficam
encantadas. Nós humanos somos felizes por termos essa possibilidade de nos
maravilharmos pelas pessoas e pelo criador. Muitas vezes, temos medo de uma
relação mais profunda, por saber que tudo na vida é efêmero. Segundo o filósofo
alemão Martin Heidegger (1889-1976), somos seres voltados para a morte, e essa
certeza torna angustiante, os nossos projetos e relacionamentos. É difícil uma
atitude de desapego. Para o outro filósofo alemão Schopenhauer (1788-1860),
viver é sofrer. Posso afirmar essa premissa.
Entretanto,
mesmo que não consideremos a presença de Deus, parto em busca de uma atitude
que eternize os seres ao meu redor. No filme de Hal Ashby: “Ensina-me a Viver”, o rapaz de vinte
anos apaixona-se por uma senhora de setenta e nove anos. Quando o jovem a
presenteia com um colar de prata, ela fica vislumbrada com o presente, beija,
aperta junto ao peito, beija de novo e depois lança ao rio. Sem entender, o
jovem pergunta se ela não tinha gostado do presente. Ela diz que, ao contrário,
gostou muito, mas se ficasse com ele guardado, com o tempo perderia. Agora
daquele jeito nunca mais ficaria sem ele, pois sempre saberia que estava
naquele rio.
Não
precisamos explicar o que é uma rosa, ela simplesmente é. Assim acontece com o
amor, não se explica ele é. Alguns filósofos tentam explicar o amor, outros se
convenceram de que o amor se intui. Que o amor é a medida de todas as coisas. É
bem na verdade, que o plano do sentimento não se contrapõe à realidade, não nos
remete, necessariamente, ao mundo da lua. Mostra que, diferente dos outros
animais, só a nós o criador deu o poder de amar. Para ilustrar trago a fábula
do escritor francês Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944), que no Pequeno
Príncipe e a Raposa. Ele conta que quando apareceu à raposa, começa um diálogo
com o principezinho:
Bom
dia, disse a raposa. Bom dia, respondeu palidamente o principezinho que se
voltou, mas não viu nada. Eu estou aqui, disse a voz, debaixo da macieira. Quem
és tu? Perguntou o principezinho. Tu és bem bonita. Sou uma raposa. Então
propôs o principezinho; vem brincar comigo, estou tão triste. Não posso brincar
contigo, disse a raposa. Não me cativaram ainda. Ah! Desculpa, disse o principezinho.
Após uma reflexão, perguntou: O que quer dizer cativar? É uma coisa muito
esquecida, que significa criar laços, disse a raposa. Criar laços? Exatamente,
tu não és para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos.
E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim. Mas, se tu
me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Será para mim o único no
mundo. E eu serei para ti a única no mundo.
Disse
a raposa: minha vida é monótona. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas, se tu
me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei o barulho de
passos que será diferente dos outros. Os outros me fazem entrar debaixo da
terra. O teu me chamará para fora como música. E depois, olha! Vês, lá longe, o
campo de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo
não me lembram de coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelo cor de
ouro. E então serás maravilhoso quando me tiverdes cativado. O trigo que é
dourado fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo. Depois
deste argumento, a raposa calou-se e considerou por algum momento o príncipe.
Dizendo: por favor, cative-me! Bem quisera disse o príncipe, mas eu não tenho
tempo. Tenho amigos a descobrir e mundos a conhecer.
A
gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. E continua
argumentando a raposa: os homens não têm tempo de conhecer coisa alguma.
Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os
homens não têm mais amigos. Se tu queres uma amiga, cativa-me! E então conclui
a raposa: os homens esqueceram o valor de um amigo, mas tu não o deves
esquecer. E lembre-se: tu te tornas eternamente responsável por aquilo que
cativas. Portanto, com a minha experiência e a consciência que tenho da vida,
hoje entendo que somos instantes e num instante não somos mais nada.
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