Dizemos
comumente: “o tempo passa”, quando na
verdade, o que é o tempo? Por que ele passa? Como ele passa? Passa para onde?
Talvez para fugir da ideia de que nós passamos, envelhecemos e morremos,
despistamos nossa consciência para a ideia de que é o tempo que passa.
Comemoram-se aniversários, natais e passagens de ano, fazendo-se barulhentas festas
como que para exorcizar de nós a ideia da enfermidade da vida; como que para
enganar-nos com a ideia de que é o tempo (dias, meses, anos) que está passando.
Quando na verdade, somos nós que passamos pelo tempo. A única certeza da
existência do tempo são suas marcas que carimbam os nossos corpos, fazendo com
que envelheçam até morrer.
Há
um momento especialmente comovente no livro “Confissões” do teólogo e filósofo bispo de Hipona Santo Agostinho
(354-430), em que ele escreve sobre o que é o tempo e argumenta: “Se ninguém me pergunta o que é o tempo, eu
sei o que ele é. Mas, se me fizerem a pergunta e eu quiser explicar o que é o
tempo, já não saberei o que dizer. Porque, segundo eu posso pensar que o tempo
divino, não é o tempo humano. O tempo divino seria a duração pura, eterna,
infinita, portanto, sem passado, presente e futuro. Ao passo que a primeira
percepção que o ser humano tem do tempo, é de passado, presente e futuro”.
E Santo Agostinho continua sua reflexão dizendo: “Mas é estranho nós pensarmos que o passado passou, não existe mais e
que o futuro ainda não existe e que o momento presente é um movimento para o
passado. Daqui a um minuto de ter afirmado o que estou dizendo agora, já será
passado”.
Mais
adiante continua Santo Agostinho: “no
palácio da memória o homem fica maravilhado de perceber, o que existe é o
presente das coisas passadas, o presente das coisas futuras e o presente das
coisas presentes”. Isto ele falou a quatorze século antes de Sigmund Freud
(1856-1939), no sentido de que é o passado que permanece na estrutura psíquica,
na estrutura de alma, na estrutura de vida do ser humano. Esse é o presente das
coisas passadas. No entanto, o futuro é projeto, desejo, planejamento, ou seja,
é o presente das coisas futuras. Sendo assim, o presente das coisas presente é
quando estou respondendo à paixão de viver em harmonia a vida que me foi
confiada.
Prossegue
o filósofo cristão os seus pensamentos sobre temporalidade, considerando esta
última de um ponto de vista psicológico. Argumenta Santo Agostinho que tempo
longo ou breve só o podemos afirmar do futuro ou do passado. Chamamos longo ao
tempo passado, se é anterior ao presente. Por exemplo, como era a organização
social há cem anos? Do mesmo modo dizemos que o tempo futuro é longo se é
posterior ao presente. Por exemplo, como estará o mundo daqui a cem anos?
Chamamos breve ao passado, se dizemos já faz dez dias, e ao futuro se dizemos,
daqui a dez dias. Mas, como pode ser breve ou longo o que não existe? Com
efeito, o passado já não existe mais e o futuro ainda não existe. Por isso que
só podemos estudar o tempo do ponto de vista psicológico, isto é, o tempo tal
como é dado ao ser humano percebê-lo com suas possibilidades mentais.
Por
conseguinte, esta realidade complexa chamada tempo, uma vez considerada na teia
das nossas maquinações mentais, é da maior importância para a compreensão da
vida e da historicidade da vida humana. Segundo o filósofo alemão Martin
Heidegger (1889-1976), argumenta: “O
tempo é o próprio tecido da existência”, pois, o “Ser” ocupa um lugar no espaço e define sua realidade no fluir do
tempo. Eis porque o tema da temporalidade se constitui em um dos pilares de
sustentação da teoria da historicidade humana. E assim sendo, torna-se de todo
indispensável que examinemos as
modalidades que a realidade tempo assume nas construções praxiológicas e
metas-reflexivas do ser humano. Para nós seres humanos o tempo não pode ser
mais do que aquilo que nos é dado apreender de sua existência.
Portanto,
encerro essa reflexão, usando a metáfora “o
tempo como senhor da razão”. Havia uma ilha habitada por todos os
sentimentos, entre eles estava o Amor. Certo dia foi avisado que a ilha iria se
afundar. Todos se apresaram em sair da ilha. Ninguém quis levar o Amor, exceto
um velhinho que ofereceu o seu barco para o Amor que já estava desesperado e em
prantos. O Amor ficou tão feliz que se esqueceu de perguntar qual o nome
daquele senhor. Chegando a terras firmes, o Amor perguntou a Sabedoria: “quem era aquele velhinho tão gentil que me
trouxe até a praia”. “Era o tempo”,
respondeu a Sabedoria. Indagou o Amor: “o
tempo”? “Mas, por que só o tempo me trouxe
até aqui”? Com toda a serenidade que lhe é peculiar, respondeu a Sabedoria:
“Porque somente o tempo é capaz de
entender um grande o Amor”.