Só o amor constrói uma
pessoa, caso contrário não pode dizer que é amor. Em algum momento, no convívio
com tantos seres humanos, nos defrontamos com alguém, e de repente, temos a
mais profunda certeza de que precisamos inteiramente desse alguém para estar
sempre conosco. Numa rapidez mágica descobrimos que estamos amando. Dentro de
nós uma enorme e poderosa voz impulsiona na direção da pessoa amada. E ninguém
nunca saberá explicar o amor, pois, o amor é para ser vivido até os seus
últimos limites, e não para ser explicado. Súbito é a certeza de que nossa vida
só terá sentido vivendo aquele amor, e não sabemos porque.
Pois a vocação é alguma
coisa muito semelhante ao amor. As pessoas vêm a este mundo, convivem com
muitas situações diferentes, com vasto número de pessoas diversas, passam por
momentos variados dos mais alegres aos mais aflitivos. Descobrem, porém, um dia
que a vida só terá sentido e beleza caso se dedique a um tipo de atividade que exerce
sobre elas a mais definitiva e agradável atração. Novamente é uma forte, uma
irresistível voz interior que impulsiona vidas na direção de uma profissão, de
um ideal ou de uma tarefa específica. Isto porque somos vocacionados: somos
chamados. E a vocação não está só no chamado que vem do mundo exterior, nem só
na nossa interioridade. No passar da vida, alguma coisa do mundo desperta em
nosso mundo interior uma força, uma energia, uma certeza de que estamos sendo
chamados para realizarmo-nos numa dada atividade.
No mundo ácido e
desrespeitoso do industrialismo consumista costuma-se dizer que “não há ninguém
que seja insubstituível”. Pois nesta frase está uma impostura. Basta que nos
lembremos do fato de que inexistem no mundo duas pessoas que sejam iguais,
basta nos lembrar de que cada ser humano é um fato único e irrepetível em toda
história da humanidade, para termos certeza de que toda pessoa é
insubstituível. Claro que, quando se perde um trabalhador, sempre é possível
remediar com o auxílio de outro. Mas, o trabalho deste outro nunca será
idêntico ao que faria o primeiro. Esta a razão porque precisamos nos situar em
nossa sociedade de uma forma responsável. Responsável significa: aquilo que dá
a resposta adequada e necessária. Que tragédia quando os cidadãos de um país
procuram cargos e benefícios em lugar de vocações!
Não somos pedras, ou
ervilhas ou moscas. Somos seres humanos com um caminho a caminhar e com
realizações a cumprir. Na verdade, caminhamos no incerto e idolatramos a
dúvida. O sábio chinês Lao Tse (viveu entre o século VI e V a.C.), dizia que
todo homem tem um caminho: a sua vida; ninguém poderá caminhar seu caminho por
ele, da mesma maneira que ninguém poderá morrer a sua morte por ele. Será
possível caminhar com ele, partilhando a estrada como um companheiro, mas ninguém está dispensado das suas tarefas.
Somos chamados a ir até o
final de nós mesmos, a cumprirmo-nos. Na verdade, parece que todas as pessoas
principiam a vida querendo descobrir sua vocação; e toda sociedade tem a
obrigação moral de proporcionar aos seus filhos oportunidades para eles
descobrirem suas aptidões e cumprirem sua vocação. Mas o que vemos em nosso
tipo de sociedade é a criação de uma trama que desnorteia o jovem que busca
saber qual a sua vocação. Quando ouvimos isto, percebemos que aquela vida
promissora está tristemente caindo na armadilha terrível do nosso tempo:
trocando sua oportunidade de "Ser" pela fome de "Ter". Isto porque toda uma
sociedade está desnorteada pelos valores imediatistas do chamado industrialismo
e se volta para algo como uma produção industrial de personalidades que pode
levar ao desastre.
É verdade que nem todos
estão vocacionados para o estudo e as famílias forçam, às vezes, a barra. Mas
os que podem buscar seu caminho têm a responsabilidade de buscá-lo. Isto é:
quantos tantos e tantos não podem escolher e são obrigados a fazer trabalhos
que o tornam infelizes, fica maior a responsabilidade daqueles que podem
procurar sua vocação e dedicar-se a atividades que os realizem. A sociedade
precisa de bons profissionais que façam com amor seu trabalho, e não há
qualquer razão para que um bom profissional seja tido como inferior a um médico
medíocre ou um advogado duvidoso. Toda pessoa está chamada a ir até o limite de
si mesma, a realizar-se. E, quando uma pessoa vai-se realizando, seus atos se
dirigem aos seus semelhantes, levando a estes benefícios imediatos
(contribuições objetivas) e benefícios latentes, como a coisa agradável e
enriquecedora de conviver com os que sabem quem são e o que desejam da vida.
Portanto, não é preciso ser
religioso para acreditar em vocação. Se assim fosse, Karl Marx, Sigmund Freud,
Graciliano Ramos ou Pablo Neruda nunca teriam ouvido o chamamento que fez deles
luminares, acendendo em seus corações o fogo de um ideal que vem modificando a
humanidade. Basta que esteja atento à vida para, cedo ou tarde, defrontar-se
com algo que fascina definitivamente. Assim como na descoberta do amor, a
descoberta da vocação é a hora em que nascemos socialmente. Nossa vocação nos
liga ao nosso tempo e faz crescer em nós capacidades das quais nem
suspeitávamos. Sentimo-nos construídos como pessoas. Por esta razão há enorme
sabedoria em Dom Quixote de La Mancha, quanto este velho retorna a sua casa
faminto e maltrapilho, mas, com um olhar misteriosamente alegre, diz a um
amigo: “Eu sei quem sou Eduardo. E sei o que posso ser”. Manifestava alegria de
um velho que descobriu o seu caminho.
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