28 de maio de 2014

A RAZÃO ENDEUSADA

René Descartes (1596-1650), considerado o pai da filosofia moderna, foi ele depois da Idade Média, o primeiro pensador europeu que situou a importância do conhecimento na vida do homem. É bom lembrar que Descartes não era cético; não recomendava a dúvida por causa da dúvida, mas sim, como meio preliminar para investigar a verdade. Descarte deu ao homem moderno uma base filosófica para livrar-se das crenças em feiticeiras, o que contribuiu consideravelmente para o desaparecimento da bruxaria no século XVIII. Ao mesmo tempo desaparecem as fadas, os demônios e todas as semicriaturas da terra e dos bosques.

Supõe-se, de modo geral, que isto tenha sido uma vantagem, uma vez que ajudou a varrer da mente humana a superstição e a magia. O resultado foi um semicaos no interior do qual o homem ficou entregue à perplexidade e à dúvida. Foi o momento de emergência da loucura, ou melhor, foi o momento em que a razão produziu a loucura. Mas a psicanálise veio em seguida e derrubou a razão e a consciência do lugar sagrado em que se encontravam. Tornava-se evidente que a raça humana não era tão racional o quanto se acreditava. Mostrou que o narcisismo é o polo da objetividade, da razão e do amor.

Uma das descobertas importantes e de maior alcance foi a de Sigmund Freud (1856-1939), o conceito do narcisismo. O amor próprio, o medo à castração, o ciúme, o sadismo. Freud chamava de “neurose narcisista”. No início da vida, a criança dirige sua libido para seu próprio corpo. Ela ama a si mesma. Suas reações emocionais dependem, principalmente, de seu bem-estar ou de seu mal-estar físico. É egocêntrica. Este período recebeu o nome de narcisista devido à lenda grega de um jovem chamado Narciso, que se apaixonou pela sua própria imagem refletida na água.

Para Freud não existe diferença entre o narcisismo e o egoísmo. No seu entender, em qualquer dos casos, há apenas a retirada do amor ao próximo, com a regressão da libido ao período narcisista fixado, isto é, seu comportamento emocional continua igual ao de uma criança de menos de três anos. Freud pensava assim porque via no amor a manifestação da libido (libido é uma palavra feminina que significa “prazer”).  Em geral são pessoas impossibilitadas de amar devido à introversão do ego, que não se deixa interessar pelo mundo exterior. Toda manifestação de altruísmo, humanidade, dedicação ao próximo, não passa de mera atitude. Aparências. No fundo, só amam a si mesmas. E a vaidade é tanta nessas pessoas, que se supervalorizam, não raro, preferem ouvir elogios, sabidamente falsos, porque isso faz bem à sua egolatria. O auto endeusamento é a tônica dos narcisistas. Olham sempre o mundo pela lente de suas qualidades pessoais.

Um exemplo particular de narcisismo que fica na fronteira entre saúde e insanidade pode ser encontrado em certos homens que alcançaram um grau extraordinário de poder como: Nero, Hitler, Stálin, os Bórgias, os faraós egípcios, os césares romanos, todos revelam certos aspectos similares. O autor francês contemporâneo Albert Camus (1913-1960), em seu drama: “Calígula” retratou essa loucura com enorme exatidão. Alcançaram o poder absoluto; sua palavra é o julgamento definitivo de tudo, inclusive de vida e morte; parece não haver limite para sua capacidade de fazer o que quiser. Tentam fingir não haver limite para seu desejo exagerado de prazeres e para seu poder, e por isso dormem com inúmeras mulheres, matam inúmeros homens, constroem castelos em toda parte, “querem a lua”, querem o impossível. Isto é loucura, ainda que seja uma tentativa para resolver o problema da existência fingindo que não tem sentimentos. É um sentimento que tende a crescer a cada dia esses grupos. “Quanto mais tenta ser um deus, tanto mais se isola da raça humana".

César o imperador romano usou do poder para dobrar a realidade a suas fantasias narcisistas. Obrigaram todos a concordarem que ele era o deus, o mais poderoso e mais sábio dos homens. Parece bastante razoável se tratar de um sentimento de megalomania. Por outro lado, ele sabia o quanto era odiado, e que poderiam derrubá-lo e matá-lo. Por isto suas desconfianças patológicas também podem ser perfeitamente compreendidas.

Portanto, quanto menos uma pessoa conhecer a respeito do seu passado e do seu presente, mais insegura terá de mostrar-se seu juízo sobre o futuro. Contudo, digo o que penso, com esperança. Penso no que faço com . Faço o que devo fazer, com amor. Esforço-me para ser cada dia melhor, pois bondade também se aprende. A vida é muito curta para se ter inimigos. Agradeço sempre pelo dom da vida e de poder amar mesmo sem ser compreendido. 

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