Hoje, quero me dedicar a um aspecto essencial das
boas relações amorosas que é o desenvolvimento da confiança recíproca e que
muito tem deixado a desejar. Amar implica depender, estar nas mãos de outra
pessoa. Ela tem, mais do que ninguém, o poder de nos fazer feliz ou sofrer.
Basta querer nos magoar que conseguirá isso, com uma simples palavra num tom
mais agressivo ou um gesto de indiferença. Se quiser nos fazer sentir
insegurança, não terá problema algum. Fica mais do que evidente que, quando uma
pessoa ama alguém que não se empenha em despertar a sensação de confiança e de
lealdade, ela irá padecer muito.
Irá se sentir permanentemente ameaçada, terá ciúme
de tudo e de todos. Amar alguém que não nos passa confiança é, pois, uma
irresponsabilidade para consigo mesmo. É uma ousadia, uma ingenuidade e uma
grande demonstração de imaturidade emocional. Em geral as pessoas se colocam
nessa condição em virtude de terem se encantado com alguém que, de fato, não dá
sinais de confiabilidade. Aceitam essa atitude egoísta do amado imaginando que
seja uma fase, um período doloroso que irá passar com o tempo. Fazem tudo para
demonstrar o seu amor, para cativar o outro e esperam que isso faça com que,
finalmente, ele se renda, e também se entregue de corpo e alma à relação
afetiva.
Acaba se compondo uma espécie de desafio, em que
aquele que não é confiável percebe que recebe mais atenção e carinho exatamente
por agir dessa forma. Com isso se perpetua a situação e me parece bobagem achar
que o futuro será diferente do presente. Quando a “mágica do encantamento” amoroso não vem acompanhada da “mágica da confiança” a pessoa está posta
numa situação muito difícil, na qual o sofrimento e insegurança serão as emoções
mais constantes. E o que é preciso para se ter essa mágica da confiança?
Pois, essa confiança vem de vários fatores a
principio, sendo que o primeiro deles depende do comportamento da pessoa amada.
Não é possível confiarmos numa pessoa que mente, a não ser que queiramos nos
iludir e tentemos achar desculpas para não perder o encantamento por ela. Não é
possível confiarmos em pessoas cujo comportamento não está de acordo com suas
palavras e suas afirmações. Assim como não é possível confiar numa pessoa que
grita conosco numa atitude de desrespeito, no momento em que mais precisamos
dela.
Aliás, quando o discurso não combina com as
atitudes, penso que devemos tomar essas últimas como expressão da verdadeira
natureza da pessoa. Não é possível confiarmos em pessoas que mudam de opinião
com a mesma velocidade com que mudamos de roupa. É evidente que todos nós, ao
longo dos anos, atualizamos nossos pontos de vista. Porém, acreditar em certos
conceitos num dia – na frente de certas pessoas – e defender conceitos opostos
no outro – diante de outras pessoas – significa que não se tem opinião firme
sobre nada e que se quer apenas estar de bem com todo mundo. Amar uma pessoa
assim é, do ponto de vista da autopreservação, uma temeridade e um total
desrespeito consigo mesmo.
Como dizia o psiquiatra, psicoterapeuta e escritor
Flávio Gikovate (1943-2016): “a
capacidade de confiar depende também de como funciona o mundo interior daquele
que ama e não apenas da forma de ser e de agir do amado”. Não são raras as
pessoas que não conseguem desenvolver a sensação de confiança em virtude de uma
auto-estima muito baixa. Desconfiam da capacidade que têm de despertar e
conservar o amor da outra pessoa; se sentem inseguras, acham que a qualquer
momento podem ser trocadas por criaturas mais atraentes e ricas de encantos. E,
o que é mais grave, se sentem assim mesmo quando recebem, sinais constantes,
coerentes e persistentes de lealdade por parte da pessoa amada.
Finalmente, para uma pessoa desenvolver a capacidade
de confiar é necessário que ela seja uma criatura confiável. Costumamos avaliar
as outras pessoas tomando por base nossa própria maneira de ser. Se nos sabemos
mentirosos, capazes de deslealdade e de desrespeito aos outros, como ter
certeza de que as outras pessoas não farão o mesmo conosco? Só aquele que tem
firmeza interior, que tem confiança em si mesmo no sentido de respeitar as
regras de conduta nas quais acredita, pode imaginar que existam pessoa em
condições de agir da mesma forma. Se a felicidade sentimental depende do
estabelecimento da confiança recíproca, ela será, pois, um privilégio das
pessoas íntegras e de caráter. Contudo, são poucos os casais que vivem em
concórdia, num relacionamento que crie condições para que ambos cresçam
emocional e intelectualmente.
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