Pois a vocação é alguma coisa
muito semelhante ao amor. As pessoas vêm a este mundo, convivem com muitas
situações diferentes, com vasto número de pessoas diversas, passam por momentos
variados dos mais alegres aos mais conflitantes. Descobrem, porém, um dia que a
vida só terá sentido e beleza, caso se dedique a algum tipo de atividade que
exerce sobre elas a mais definitiva e agradável atração. Naturalmente é uma
força, uma irresistível voz interior, que impulsiona vidas na direção de uma
profissão, de um ideal ou de uma tarefa específica. Isto porque somos
vocacionados: somos chamados. E a vocação não está só no chamado que vem do
mundo exterior, nem só na nossa interioridade. No passar da vida, alguma coisa
do mundo desperta em nosso mundo interior uma força, uma energia, uma certeza
de que estamos sendo chamados, para realizarmo-nos numa dada atividade.
No mundo ácido e desrespeitoso do
industrialismo consumista, costuma-se dizer que “não há ninguém que seja insubstituível”. Pois nesta frase está uma
impostura. Basta que nos lembremos do fato de que inexistem no mundo duas
pessoas que sejam iguais, basta nos lembrar de que cada ser humano é um fato
único e irrepetível em toda história da humanidade, para termos certeza de que
toda pessoa é insubstituível. Claro que, quando se perde um trabalhador, sempre
é possível remediar com o auxílio de outro. Mas, o trabalho deste outro nunca
será idêntico ao que faria o primeiro. Esta a razão porque precisamos nos
situar em nossa sociedade de uma forma responsável. Responsável significa:
aquilo que dá a resposta adequada e necessária. Que tragédia quando os cidadãos
de um país procuram cargos e benefícios em lugar de vocações!
Não somos pedras, ou ervilhas ou
moscas. Somos seres humanos com um caminho a caminhar e com realizações a
cumprir. Na verdade, caminhamos no incerto e idolatramos a dúvida. O sábio
chinês Lao Tse (viveu entre o século VI e V a.C.), dizia que todo homem tem um
caminho: a sua vida; ninguém poderá caminhar seu caminho por ele, da mesma
maneira que ninguém poderá morrer a sua morte por ele. Será possível caminhar
com ele, partilhando a estrada como um companheiro, mas ninguém está
dispensado das suas tarefas. Só o amor constrói as pessoas, caso contrário não
pode dizer que amor faz morada neste coração. Em algum momento, no convívio com
tantos humanos, nos defrontamos com alguém, e de repente, temos a mais profunda
certeza de que precisamos inteiramente dessa pessoa, para estar sempre conosco.
Somos chamados a ir até o final
de nós mesmos, a cumprirmo-nos. Na verdade, parece que todas as pessoas
principiam a vida querendo descobrir sua vocação; e toda sociedade tem a
obrigação moral de proporcionar aos seus filhos, oportunidades para eles
descobrirem suas aptidões e cumprirem sua vocação. Mas o que vemos em nosso
tipo de sociedade é a criação de uma trama, que desnorteia o jovem que busca
saber qual a sua vocação. Quando ouvimos isto, percebemos que aquela vida
promissora, está tristemente caindo na armadilha terrível do nosso tempo:
trocando sua oportunidade de "Ser" pela
fome do "Ter". Isto porque
toda uma sociedade está desnorteada pelos valores imediatistas, do chamado
industrialismo e se volta para algo como uma produção industrial de
personalidades, que pode levar ao desastre.
É verdade que nem todos estão
vocacionados para o estudo e as famílias forçam, às vezes, a barra. Mas os que
podem buscar seu caminho têm a responsabilidade de buscá-lo. Isto é: quantos
tantos e tantos não podem escolher e são obrigados a fazer trabalhos que o
tornam infelizes, fica maior a responsabilidade daqueles que podem procurar sua
vocação e dedicar-se a atividades que os realizem. A sociedade precisa de bons
profissionais que façam com amor seu trabalho, e não há qualquer razão para que
um bom profissional seja tido como inferior a um médico medíocre ou um advogado
duvidoso. Toda pessoa está chamada a ir até o limite de si mesma, a
realizar-se. E, quando uma pessoa vai-se realizando, seus atos se dirigem aos
seus semelhantes, levando a estes benefícios imediatos (contribuições
objetivas) e benefícios latentes, como a coisa agradável e enriquecedora de
conviver com os que sabem quem são e os que desejam da vida.
Portanto, não é preciso ser
religioso para acreditar em vocação. Se assim fosse, Karl Marx, Sigmund Freud,
Graciliano Ramos, José Saramago ou Pablo Neruda, nunca teriam ouvido o
chamamento que fez deles luminares, acendendo em seus corações o fogo de um
ideal que vem modificando a humanidade. Basta que esteja atento à vida para,
cedo ou tarde, defrontar-se com algo que fascina definitivamente. Assim como na
descoberta do amor, a descoberta da vocação é a hora em que nascemos
socialmente. Nossa vocação nos liga ao nosso tempo e faz crescer em nós
capacidades das quais nem suspeitávamos. Sentimo-nos fortalecidos como pessoas.
Por esta razão há enorme sabedoria em Dom Quixote de La Mancha, quanto este
velho retorna a sua casa faminto e maltrapilho. Porém, com um olhar
misteriosamente alegre, diz a um amigo: “Eu
sei quem sou caro Eduardo. E sei o que posso ser”. Manifestava alegria de
um velho que descobriu a sua vocação e o caminho para evoluir com amor.
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