Nasci num lugarejo onde o tempo
passa devagar. O passado não quer partir, teima em querer ficar. Criei esse
espaço de leitura, exatamente para dialogar com pessoas que amo e respeito.
Diante da circunstância dos fatos, não poderia deixar de registrar esse momento
histórico. Ao longo desses anos, postei no meu Blog centenas textos e tenho um
acervo fotográfico com mais de novecentas fotos e trinta horas de vídeos
gravados ao lado de pessoas queridas e especiais. São registros que contam a
história desse homem que tem um caso de amor com a vida, que teve o privilégio
de conviver com pessoas que marcaram profundamente com suas passagens pela
nossa vida. Para que a fotografia seja acima de tudo arte, ela precisa ser
eterna e só será eterna se falar ao coração, se vier de dentro e se instigar
nossas lembranças. Dessa forma, comunicar-se com a essência das pessoas de modo
silencioso reflete a nossa própria essência.
Fotografamos esse passado que
hoje não quer partir. É comum dizer, vamos tirar uma foto! Mas, está errado. O
olhar do fotografo não tira nada, ele põe. Descansando os meus olhos pelas
fotos das inúmeras viagens que fiz, lembrei-me de um verso que a Cecília
Meireles escreveu para seu avô, encantada: “Tudo
em ti era uma ausência que se demorava. Uma despedida pronta a cumprir-se”.
Foi o que eu disse baixinho para as fotografias em quanto olhava: “tudo em ti é ausência que se demora, uma
despedida pronta a cumprir-se”. Talvez quem gosta de fotografar não saiba,
pensa estar fotografando uma árvore, um rio ou uma paisagem qualquer, pode
estar fotografando um casal apaixonado ou uma igrejinha no alto do morro. Não
sabe que está fotografando a sua própria alma. Não fotografamos o que vemos,
mas, o que somos.
Toda fotografia é autorretrato,
pedaço do corpo do fotógrafo: “é assim
que eu sou”, a foto está dizendo. Ver fotografias é antropofagia, é
eucaristia, é escutar o que diz a alma. Os olhos fotografam o tempo que não
quer partir, esses olhos que sofrem a despedida. Olhos sobre os quais falou o
poeta alemão Rainer Maria Rilke (1875-1926): “Quem assim nos fascinou para que tivéssemos um olhar de despedida em
tudo o que fazemos”? Fotografias de um mundo que se despede. Fotografias
para quem sabe adiar a partida. Fotografias são como feitiçaria, usamos para
enganar o tempo, para imobilizar o tempo, para impedir que ele passe, para que
o momento se torne eternidade.
Entretanto, é impossível não
fazer pose sabendo-se objeto de uma câmara fotográfica. Sorri inocentemente.
Pensa que está sendo fotografado. Não sabe que ele é apenas um foco em torno do
qual gira o mundo invisível, um universo que se despede. O fotógrafo fotografa
a despedida. Em cada foto vejo a despedida. Há aqueles que veem o casal
sorrindo e feliz, assim como também vê o mundo invisível que gira em torno
deles. Olho e sei, porque já vi, quem sabe entende. Mas aqueles que nunca
viram, vê sem entender. Para ver o invisível é preciso ser poeta. Mas nem todos
o são. Poetas são fotógrafos do invisível. Fotografam o tempo que passa, para
que não passe. Poemas são encantações para agarrar o eterno que mora no tempo
que passa.
Na fotografia o que se vê não se
pode comparar aquilo que não se vê. O poeta invoca fantasmas. Esse espaço de
leitura está cheio de fantasmas, existe até um guardador de rebanhos. O cheiro
do mato, o barulho do vento soprando a mata, o cantar de um galo no quintal, a
musicalidade do canto dos passarinhos entre as árvores. O poeta fala no
silêncio do visível. Põe palavras nos seus interstícios. Faz o silêncio cantar:
para salvar do silêncio aqueles que nunca haviam visto, e para criar comunhão
entre aqueles que viram. As palavras do poeta fazem os que viram e os que não
viram cantar juntos, porque toda poesia produz música. O poeta disse: “As flores são sonhos do chão”. Quem
diria que na terra infértil vivem pétalas coloridas? Os lugares por onde
passamos, o chão sonha. Como diz a música “O
Sol” (banda Jota Quest): “E se quiser
saber pra onde eu vou. Pra onde tenha sol. É pra lá que eu vou”.
Portanto, poeta é aquela pessoa
que ouve o que as coisas dizem. Sua fala é a voz das coisas. E as coisas se
transformam em poesia. Entram em mim, fazem amor comigo, entram em minha carne,
e um novo evangelho se anuncia: e a fotografia se faz carne. Agora elas não
mais estão coladas às paginas do acervo. Estão vivas, moram dentro de mim. E a
prova de que se fizeram carne é que sinto saudade. Ah! Como eu gostaria de
voltar pra lá, para esse lugar onde as coisas são sempre assim, banhadas por
uma luz, antigas e ao mesmo tempo acabada de nascer. Sinto que sou de lá. Estou
encantado. Adivinho que sou de outro mundo. E a vida anterior que retoma. O
homem que sorri como tudo vai passar. O sorriso na foto não é mais real.
Verdadeiros só as árvores de ipês que continuam florescendo. Contudo, só
ficaram as fotografias como lembranças de um passado que não passou. É quando a
gente percebe que aquilo que temos para sempre, leva a eternidade para nos
deixar. E realmente, as fotografias vivem para além daquilo que podemos
enxergar.
“As flores são sonhos do chão”. Quem diria que na terra infértil vivem pétalas coloridas? Os lugares por onde passamos, o chão sonha. Como diz a música “O Sol” (banda Jota Quest): “E se quiser saber pra onde eu vou. Pra onde tenha sol. É pra lá que eu vou”.
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