Começo
essa reflexão citando o escritor tcheco Franz Kafka (1883-1924): “escrever significa abrir-se em demasia. Por
isso, não há nunca suficiente solidão ao redor de quem escreve; jamais o
silêncio em torno de quem escreve será excessivo, e a própria noite não tem
bastante duração”. Sendo assim, escrever é um trabalho dos mais difíceis,
não são todas as pessoas que têm coragem suficiente para enfrentar esse tipo de
empreitada prazerosa, o gosto pela escrita. No entanto, a escrita reflete a
personalidade de quem escreve. Pessoas que escrevem bem têm algo de diferente
no brilho pessoal. Abusando um pouco das metáforas, elas são charmosas e
possuem um dom que quase da para ouvir o que escrevem. Somos parte de tudo o
que existe no mundo. Quando conseguimos compreender esse fato, veremos que não
estamos escrevendo, e sim deixando que todas as coisas escrevam através de nós.
Escrever
é uma ocupação bastante absorvente e, não raro, exaustiva. Mas sempre me
considerei muito feliz por poder levar a vida entregando-me a algo que da
prazer. Pouquíssimas pessoas podem fazê-lo. O meu estilo é mostrar a fisionomia
da alma. Ela é menos enganosa do que o corpo que mostramos. Imitar o estilo
alheio significa usar uma máscara. Por mais bela que esta seja, torna-se logo
insípida e insuportável porque não tem vida, de modo que mesmo o rosto vivo
mais feio é melhor do que a máscara. Sou o que escrevo e do jeito que escrevo.
Só tenho certeza de uma coisa, o que escrevo é melhor do que eu. O que escrevo
quero que some de alguma forma na vida de quem lê. Tranquilizar-me talvez seja
a principal razão porque escrevo. É quase inacreditável o quanto a frase
escrita pode acalmar e domar o ser humano. Um texto sem alma não se sustenta,
não sobrevive. Não pode comover e, portanto, não pode criar nenhum laço
minimamente catártico com o leitor. Um bom diálogo através da linguagem escrita
é como fazer sexo; tem que ter ritmo, sedução e ser envolvente.
Entretanto,
o trabalho do escritor é oferecer uma história que envolve, fascina, provoque
e, acima de tudo registra-se como única e absoluta. Tendo em vista, que
escrever é prolongar o tempo, é dividi-lo em partículas de segundos, dando a
cada uma delas uma vida insubstituível. Nesse sentido, a história e o romance,
a ideia e a forma, são como a agulha e o fio, e não existe alfaiate que
recomende o uso do fio sem a agulha, ou da agulha sem o fio. Um bom texto parte
como uma onda, movendo-se pela superfície do mar. As ideias irradiam da mente
do autor e colidem com outras mentes, desencadeando novas ondas que retornam ao
autor. Estas geram outras reflexões e emanações e assim por diante. O talento é
algo maravilhoso, mas não é capaz de carregar quem dele desistir. Por acaso,
não seremos nós aquela folha de papel em branco de que fala o filósofo e
empirista inglês John Locke (1632-1704), que um dia alguém vai nos ler?
Portanto,
a literatura é para mim uma mimese da vida, com contornos de todos os valores e
temas que rodeiam a nossa realidade. É uma forma de tentar entender o processo
de formação do ser humano, único capaz de empreender raciocínios imaginativos.
Foi através da literatura que brotou em mim o amor por uma mulher e transformou
a nossa vida num poema. Hoje podemos dizer que, realmente, vivemos uma história
de amor. Olhando para trás sinto que algumas fontes começam a jorrar apenas
quando estamos sós. O artista precisa ficar só para criar; o escritor para
elaborar os seus pensamentos; o músico para compor; o cristão para rezar e o
poeta para escrever nossa história de amor. Só escrevo porque me sinto
compelido a botar para fora o que penso e sinto. Durante muitos anos a solidão
foi minha mola propulsora. Concluo essa reflexão citando o escritor José
Saramago (1922-2010) que diz: “ser
escritor não é apenas escrever textos ou livros, é muito mais uma atitude
perante a vida, uma exigência e uma intervenção”. A minha exigência é o amor
que trago no meu coração e a intervenção é essa paixão louca que me leva feito
vento na sua direção.
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