“Só o que for capaz de se converter
tornar-se-á sábio. O que se endurece permanecerá eternamente errado.” Abro
esta reflexão citando a epigrafe do poeta inglês William Blake (1757-1827),
para fundamentar a insatisfação humana em pleno apogeu da tecnologia que tanto
a endeusamos que foi planejada e programada para mecanização humana. Não
sabemos mais quem somos. Há uma insatisfação coletiva. Justamente o homem de
hoje, muitas vezes excluído da ordem divina orientadora, se acha exposto ao
perigo de sucumbir ante a problemática da sua existência. Apesar de todos os
esforços do conhecimento racional, como argumenta o filósofo francês René Descartes
(1596-1650): “Muitas coisas que eu achava
que fossem verdadeiras, descubro hoje que são falsas. Não me acho, portanto, em
condições de admitir mais alguma coisa como certa. Talvez tudo aquilo que
apreendo e creio seja falso. O que é verdadeiro? O que é certo?”
Pautamos
nossas vidas em opiniões, julgamos e condenamos tudo que achamos ser errado e
falso. Não paramos para ouvir a voz da consciência. Agimos como se fosse
acéfalo. Eis a confissão de Santo Agostinho (354-430) diante dessa pergunta de
Pilatos: “Perambulei pelas ruas e praças
deste mundo, à tua procura, e não te encontrei. Procurei em vão, pois estavas
dentro de mim mesmo.” É a exigência da inscrição do Oráculo de Delfos que
se apresenta ante os nossos olhos: “Conhece-te
a ti mesmo”! Isso exprime a possibilidade de atingirmos por esse caminho o
mistério da vida, mostrando da mesma forma que a nova ordem vital deve começar
na própria pessoa.
Nada
mais estranho que um mandamento que obrigue a amar. A sua característica não é
do dever, mas a da virtude. Amar é um dom que poucos conhecem. A racionalidade
da justiça é insuficiente e o que parece suficiente não pode ser posto como
imperativo. Temos continuamente, diante dos olhos a miséria do nosso tempo. Ela
agarra o homem por fora, aninha-se no seu interior e procura envenenar-lhe o
coração. Miséria habitacional e desemprego, encarecimento do pão nosso de cada
dia e cuidado relativo a ele, condições insalubres de vida e doença, tudo isso
se lança como demônios sobre cada um e sobre as famílias, sendo, muitas vezes,
baldados todos os esforços para se livrar de semelhante condição. Temos
deveres, mas, ninguém lembra que temos direitos.
Portanto,
pior que tudo isso, é a falta de amor do homem, o qual se encontra por toda
parte. Ele congela os corações e promove a dúvida. Ante um mundo tão hostil,
muitos se voltam para si mesmos e se consomem numa solidão infinita. Eles se
fecham contra essa falta de amor e erguem um muro ao seu redor; muro de
isolamento, atrás do qual mora o desespero que vai lhe consumindo. Olhamos o
mundo através das viseiras do medo e das grades da desconfiança. Toda
comunidade está fadada a se converter num cárcere ou num inferno, se todos os
seus membros não estiverem dispostos a colocar o seu “Eu” no estandarte da compaixão. Contudo, está decretada a
decadência e a falência humana do chamado mundo moderno da tecnologia.
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