Durante
muito tempo acreditou-se que ser crítico significava ver o que estava errado a
partir de uma visão ocidental, moderna, cristã e marxista. Considerando certo,
como verdade já definida. Significava apropriar-se de uma teoria “crítica” sem, necessariamente, uma
atitude prática, uma mudança interior. Entre nós, geralmente, esta “teoria crítica” era sinônimo de teoria
marxista. Sendo esta teoria responsável por uma critica severa e uma alternativa
ao capitalismo, tanto na formação dos estados socialistas, como inspiração para
uma infinidade de movimentos e lutas sociais por direitos dos trabalhadores que são excluídos nos países
capitalistas.
No
entanto, ser crítico no contexto atual, numa sociedade de massa, onde os
indivíduos correm o risco de viver a vida toda sem ter sido “ninguém”, se torna bem mais exigente.
Mais ainda, ser crítico numa “sociedade
do espetáculo”, que segundo a filósofa e psicanalista Maria Rita Kehl
(1951), é a própria sociedade de consumo, onde: “a televisão representa a esperança de visibilidade para onde os
sujeitos dirigem suas escolhas de vida”, torna-se um desafio que perece
quase intransponível. Portanto, a situação atual exige que perguntemos o que
significa “ser crítico”. Antes não se
faria esta pergunta por que a resposta estava evidente. Ser crítico significava, inclusive, um
grande otimismo histórico coletivo e individual, pois já sabíamos muito antes
como o mundo deveria ser. Neste contexto, ser crítico se confundia com ver o
mal, a contradição fora de mim mesmo e fora da classe que julgava ser ou
representar.
Entretanto,
para o filósofo e educador Selvino Assmann, da Universidade Federal de Santa
Catarina, sugere a crítica como virtude intelectual e moral, referindo-se: “à urgente necessidade do individuo incluir a
si próprio naquilo que se critica, à urgente necessidade de trabalharmos com
maior otimismo no campo teórico e técnico, para podermos ser de novo um pouco
mais otimista na prática”. Para o filósofo e educador Michel Foucault (1926-1984),
intelectual francês, analisando o pensamento do filósofo alemão Imannuel Kant (1724-1804),
destaca a necessidade de uma atitude crítica, isto é, uma “ontologia
do presente e de nós mesmos”, onde nos perguntamos: o que está acontecendo hoje conosco? Foucault
conclui que: “ser crítico significa ser
mais rigoroso possível, o mais exigente possível em qualquer estudo, não
temendo por em xeque as próprias certezas previamente admitidas. Significa
pôr-se em jogo constantemente”.
A
crítica, portanto, se põe entre saber e o agir, entre a teoria e a prática,
como uma forma de viver, intensamente,
sob tensão consigo mesmo e com os outros. Tensão por renunciar à posse da verdade, sem nunca
renunciar ao desejo de possuí-la, como descreve o filósofo grego Sócrates
(469-399 a.C.) no diálogo platônico com o título de: “O Banquete”, onde o amor é desejar o que nos falta sem nunca podermos
realizar. Porque a perfeição
está no mundo das ideias platônica. Para o filósofo alemão Kant, a
crítica aparece como virtude. Mais ainda, é uma questão de atitude que se
justifica, por uma vontade decisória de não ser governado, atitude tanto individual
quanto coletiva, sobretudo,
para sair do senso comum. Todavia, significa ter coragem de pensar por conta própria e risco, deixando
de lado o comodismo e não
depender de ninguém para pensar por você. Como diz o filósofo e educador
Mario Sérgio Cortella (1954): “a vida é
muito curta para ser pequena”. Vou um pouco mais além: “a vida é muito curta para viver o que os
outros querem”.
Portanto,
o contexto atual em que vivemos uma espécie de mal-estar, de solidão, de
insegurança, de vida menos sólida, com menor grau de convicção, onde
desconfiamos de que as mudanças sejam possíveis, de que possamos unir forças
com outras pessoas para enfrentar as adversidades, talvez seja o ambiente
propício para algo novo. Para o filósofo e educador francês Edgar Morin (1921):
“o que morreu foi a ideia de um mundo
perfeito, sem classes sociais”.
Então, há que se inventar uma
sociedade um pouco melhor do que essa que existe, e não abandonar-nos ao
conformismo, tornando-nos conservadores do que já somos e temos. Contudo, neste
sentido, ser crítico é procurar entender a realidade sem termos uma verdade já
definida, a partir da qual analisamos o que está acontecendo. Para o filósofo e
sociólogo alemão Teodor Adorno (1903-1969), um dos expoentes da chamada Escola
de Frankfurt, afirmava: “elevar o
sofrimento humano ao plano teórico, para nos darmos de cara com o perigo e a
dramaticidade do que é viver”. Acreditar sempre, porque quando desistimos
de algo é porque estamos começando a deixar de amar e perdendo a esperança na
vida.
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