Minha convivência com a
natureza trouxe-me outra realidade, que passei a vivenciar com profundidade, ou
seja, enxergar a natureza como a maior pedagogia da vida, porque ela é sábia. A
natureza tem muito a nos ensinar. Por exemplo, veja esse poema: “Da minha aldeia vejo o quanto da terra se
pode ver no universo. Por isso a minha aldeia é grande como outra qualquer,
porque sou do tamanho do que vejo não do tamanho da minha altura. Nas cidades a
vida é mais pequena que na minha casa no cimo deste outeiro. Na cidade as
grandes casas fecham a vista à chave. Escondem o horizonte, empurram o nosso
olhar para longe de todo o céu. Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os
nossos olhos nos podem dar e tornam-nos pobres, porque a única riqueza é ver.”
(extraído do poema “O Guardador de
Rebanhos” de Alberto Caeiro).
“O Guardador de Rebanhos” é uma obra composta de 49 poemas ou
partes, que começaram a ser datados em 08 de março de 1914. O livro é
assinado por Alberto Caeiro, um dos “heterônimos”
do poeta Fernando Pessoa (1888-1935). (heterônimo é um personagem fictício
criado pelo escritor com caráter próprio). Alberto Caeiro possui a mansidão e a
sabedoria que nos comove. Aproxima-se da postura do Zen Budismo. Para Caeiro, o
importante é ver e ouvir: “A sensação é
tudo, e o pensamento é uma doença”. No entanto, dizia Caeiro no poema O
Guardador de Rebanhos: “nunca guardei
rebanhos, mas é como se os guardasse. Minha alma é como um pastor. Conhece o
vento e o sol e anda pela mão das estações a seguir e a olhar. Toda a paz da
natureza sem gente”.
Por que escolhi este poema? Ocorreu-me
que o mês de março é muito especial para mim. Pois lembra o aniversário de duas
grandes mulheres da minha vida. Uma é a minha saudosa mãezinha, que hoje
alimento das suas lembranças e a saudade que ela deixou. A outra grande mulher.
Bem! Esta continua ao meu lado e também é aniversariante do mês. Para falar dela
em particular, permita-me usar como ponto de partida o poema escolhido “O Guardador de Rebanhos”. Talvez por ser
o guardador do seu coração. Neste momento que escrevo em versos simples e
direto, próximo do livre andamento da nossa conversa, tenho a sensação das
coisas tais como são. Como seu guardador faço o seguinte convite: “vem sentar-se ao meu lado nessa viagem
imaginária, como nas nossas caminhadas e longas conversas noites adentro”. “Venha ver comigo o findar do pôr do sol”.
Lembro o quanto isto tem de significado para nós. “A minha alma é o seu pastor”. Olhando para o meu rebanho e ouvindo
as minhas ideias, sem pestanejar aparece ela no meio deste turbilhão de
pensamentos. Sou impulsionado imperativamente por esse sentimento que move na
sua direção. Já não sei mais andar a sós por este caminho.
Aprendi que o amor é aquele
companheiro que gosta de conversar. Talvez um pensamento visível faz-me andar
mais depressa na direção dessa deusa grega. Mesmo a ausência dela é uma coisa que
está comigo. Gosto tanto que não sei mais desejá-la, sinto-me encarnado no seu
ser. Se não a vejo, imagino-a e sou forte como as árvores que encontro pelo
caminho. Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência
dela. Como diz o poeta: “toda a realidade
olha para mim como um girassol com o rosto dela no meio”. Minha alma quer
ser seu guardião, para cuidar desse rebanho de emoções. O espaço entre a cama e
o nossos corpos onde deposita certa porção de silêncio, no aconchego de
conchinha que nos leva ao paraíso e insiste que assim ficamos. Aqui o tempo não
existe. O espaço é transformado pela nossa experiência, assim como o espaço
transforma a nossa experiência. Nós não habitamos o nosso corpo, nós somos o
nosso corpo.
Portanto, na vida só
conhecemos o valor da felicidade quando a temos e o valor de um amor quando o
perdemos. De coração agradeço o dom da minha vida e junto agradeço a presença
de tantas pessoas que fizeram e fazem viver com alegria a vida. Na verdade, o
viver é uma graça que temos que cultivar todos os dias. A consciência do
existir faz com que a gente assuma a responsabilidade de amar a todos os
momentos e muito mais, amar todas as pessoas. Contudo, a vida não consiste em
fazer anos, mas viver através de todos os anos a vocação que Deus deu a cada um
de nós. Pois da vida nada se leva a não ser a vida que se leva. Desejo o melhor
em saúde, sabedoria, serenidade, alegria, coragem e paz. O tempo não existe
quando a gente sabe o que quer da vida.
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