Certa manhã estava
caminhando por uma trilha entre árvores nativas e observei o canto solitário do
pássaro João de barro, conhecido também como forneiro, pela característica do
seu ninho ser em forma de forno. É a ave símbolo da Argentina, onde é chamado
de “hornero” que quer dizer “Ave de
lá Pátria”, desde 1928. Notei que seu cantar era triste e solitário. Por algum
momento indaguei a sua solidão, talvez por conhecer um pouco dos hábitos desta
ave. Acredita-se que o João de barro não aceita traição, contudo, pode
acontecer que ele empareda dentro do ninho a fêmea que o tenha traído. Na
verdade, tudo não passa de um mito, que pode ter surgido de dois fatos
aleatórios.
O primeiro é de que alguns
ninhos abandonados de João de barro são aproveitados por abelhas indígenas como
a urucu-mirim, para fazerem sua colmeia. Elas fecham a entrada do ninho com
cera, dando a impressão de ter sido fechado pela ave, que logo é percebido o
engano. E a outra versão, que parece ser a verdadeira, foi contada por um amigo
biólogo e pesquisador, que uma desta ave foi acidentalmente pega em uma
ratoeira que lhe quebrou os dois pés. Após conseguir escapar, voou para o seu
ninho onde entrou e não foi mais vista, ali morrendo certamente. Sendo que o
outro membro do casal permaneceu por ali mais dois dias, chamando
insistentemente pela parceira. Passado os dois dias ele também desapareceu e
retornou dias depois com uma nova parceira e começaram a carregar barro para o
ninho, fechando a sua entrada, em seguida construíram outro ninho sobre o
primeiro e ali procriaram. Este fato demonstra uma qualidade do João de barro,
por ter tido o cuidado de sepultar sua parceira.
É possível que esta história
tenha muito de fantasia acabando muitas vezes com seu real sentido. Por outro
lado, o ponto de partida para a nossa reflexão seria as relações humanas
afetivas e amorosas, cuja metáfora é o casal de João de barro. Não pretendo
contar mais uma estória de amor entre outras tantas. Mas contar a estória do
nascimento e da vida do amor. Como diz os poetas e trovadores, o amor vive
neste sutil fio de conversação, balançando-se entre a boca e o ouvido. O
segredo do amor é a androgenia, como relata “O Banquete” de Platão, “somos
todos ao mesmo tempo, metades homens e mulheres, metades masculinos e femininos”.
É preciso muita percepção, saber ouvir e acolher. Deixar que o outro entre
dentro da gente. Ouvir em silêncio. Sem expulsa-lo por meio de argumentos e
contra razões. Nada mais fatal contra o amor que a resposta rápida. Há pessoas
muito velhas cujos ouvidos ainda são virgens, nunca foram penetrados. Assim
como também, é preciso saber falar. Há certas falas que é um verdadeiro
estupro. Somente sabem falar os que sabem fazer silêncio e ouvir.
Segundo a lendária rainha
persa e narradora dos contos de “As Mil e
Uma Noites”. Sherazade sabia que todo amor construído sobre as delícias do
corpo tem vida breve e a chama se apaga tão logo o corpo se tenha esvaziado do
seu fogo. Como conta a lenda persa, o seu triste destino é ser decapitado pela
madrugada, assim falou o poeta: “que não
seja eterno posto o que é chama”. Nos seus contos cada estória contém
outra, dentro de si, infinitamente. Não há um orgasmo que ponha fim ao desejo.
E cada estória lhe parece bela, como nenhuma outra. Porque uma pessoa é bela,
não pela beleza dela, mas pela beleza nossa que se reflete nela. É no olhar que
te vejo. E no olhar lhe transformo.
Para o filósofo e crítico
cultural alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), dizia ele: “ao pensar sobre a possibilidade do
casamento, cada um deveria se fazer a seguinte pergunta: você crê que seria
capaz de conversar com prazer com esta pessoa até o fim dos seus dias?”
Porque tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o
tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar. A melodia e sons das
palavras como diz o sábio tântrico, é a sexualidade sob a forma da eternidade.
É o amor que ressuscita sempre, depois de morrer. Há os carinhos que se fazem
com o corpo e há os carinhos que se fazem com as palavras. Ao contrario do que
pensam os amantes inexperientes, fazer carinho com as palavras não é ficar
repetindo o tempo todo: “eu te amo, eu te
amo”. Para o filósofo, sociólogo e escritor francês Roland Barthes
(1915-1980), advertia dizendo que passada a primeira confissão: “eu te amo”, não quer dizer mais nada. É
na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra, não em sua nudez anatômica,
mas em sua nudez poética. Aqui me recordo de uma frase da escritora Adélia
Prado (1935), diz ela: “erótica é a alma”.
Portanto, concluo esta
reflexão citando o teólogo, filósofo e educador Rubem Alves (1933-2014), que
dizia: “o sonho do outro é um brinquedo
que deve ser preservado, pois se sabe que se é sonho, é coisa delicada, do
coração”. O bom ouvinte é aquele que ao falar, abre espaço para que as
bolhas de sabão do outro voem livres. Ao comparar o casamento com o jogo de
tênis e o frescobol, contado no livro “Cantos
do Pássaro Encantado”, Rubem Alves nos mostra dois jogos, na verdade, são
dois jogadores de tênis que usam duas raquetes e uma bolinha de tênis, porém,
ao contrario do tênis, no frescobol nada muda, só não tem ganhador e nem
derrotado, a bola vai e vem, e assim cresce o amor. Ninguém ganha para que os
dois ganhem. Contudo, deseja-se então que o outro viva sempre, eternamente,
para que o jogo nunca tenha fim. Todavia, o ouvido é feminino, vazio que espera
e acolhe que se permite ser penetrado. A fala é masculina, algo que cresce e
penetra nos vazios da alma. Foi assim na antiga tradição mitológica que o “deus humano” foi concebido pelo sopro
poético do “verbo divino”, penetrando
os ouvidos encantados e acolhedores de uma “virgem”.
Sobretudo, os que se dedicam à difícil arte de adivinhar os mundos adormecidos
que habitam os vazios de cada um de nós.
Não pretendo contar mais uma estória de amor entre outras tantas. Mas contar a estória do nascimento e da vida do amor. Como diz os poetas e trovadores, o amor vive neste sutil fio de conversação, balançando-se entre a boca e o ouvido...hummmm lindo,verdade...mas o toque a pele, a presença o abraço isto faz se sentir viva, querida e amada e nos dar forças sem se saber..bjus em seu coração....
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