Certa vez lendo um livro que
trazia o seguinte título: “Quando coisas
ruins acontecem a Pessoas Boas?” Escrito por um rabino Harold Kushner. No
entanto, toda a discussão tratada nesse livro com algum sentido, falava sobre
Deus e a religião e começava com essa pergunta ou passou a girar em torno dela
logo em seguida. Contrariava toda e qualquer filosofia religiosa. O livro
mostra a dor e o sofrimento de pessoas boas. Não mostrava só aquela mãe
desesperada que acabará de receber um diagnóstico desanimador no consultório
médico sobre um problema congênito no coração de sua filhinha de cinco anos,
mas, também daquele estudante que afirmava ter decidido que Deus não existe. O
que ficou claro nessa reflexão, que é o meu ponto de partida. As desgraças que
atingem as pessoas boas e inocentes, não são um problema apenas para as
próprias vítimas e para suas famílias. Passam a ser problema para todos os que
desejam acreditar em um mundo justo, razoável e suportável. Estes inevitáveis
acontecimentos levantam questões quanto à bondade, à amabilidade e até mesmo à
existência de Deus.
Frequentemente ouço história
de maridos ou esposas que a morte levou sua única referência de companheirismo.
Pessoas idosas para as quais a vida longa é mais uma maldição que uma benção,
de pessoas com seus entes amados contorcidos pela dor ou prostrados sob a
frustração. Tenho muita dificuldade em dizer-lhes que a vida é bela e que cada
um tem o que merece e precisa. Inúmeras vezes deparei-me com famílias e até
mesmo comunidades inteiras unidas em oração pela cura de um enfermo. Mais que
isso, vi suas esperanças e orações serem desprezadas. Vi pessoas erradas
adoecerem, pessoas erradas serem brutalmente golpeadas pelo destino, jovens
errados morrerem. Quando pego um jornal, as notícias que leio são renovados
desafios à ideia de um mundo bom. Onde
existe esse mundo? Assassinatos sem sentido, brincadeiras fatais, jovens mortos
em acidentes automobilísticos em viagens de núpcias ou retornando para casa
após a colação de um grau acadêmico. Então, pergunto-me: “Posso, em boa fé,
continuar acreditando que o mundo é bom e que um Deus bom e amoroso é
responsável pelo que nos acontece na vida?”
Não é necessário ser santo
ou alguém excepcionalmente dotado para que se sinta o problema. Se não nos
perguntamos com frequência “por que pessoas totalmente dedicadas sofrem pessoas
que nunca fazem nada de errado?” Mas frequentemente indagamos por que seres
comuns, vizinhos amáveis, nem extraordinariamente bons nem extraordinariamente
maus, são de repente envolvidos pela agonia do sofrimento e da tragédia. Se
houvesse equidade no mundo, eles certamente não mereceriam aquilo. Não são nem
melhores nem piores do que a maioria de nossos conhecidos: por que então suas
vidas devem ser mais castigadas? Perguntar por que os Justos sofrem? Ou, por que
coisas ruins acontecem a pessoas boas, não significa limitar nosso interesse
pelo martírio de santos e sábios, mas tentar entender por que indivíduos comuns
– nós mesmos e as pessoas ao redor de nós – devem suportar cargas
extraordinárias de aflição e dor. Por que essas coisas ruins acontecem?
Uma das maneiras encontradas
a cada geração para dar sentido ao sofrimento humano é supor que somos
merecedores do que nos acontece, que de algum modo as desgraças sobrevêm como
punição para nossos pecados. A ideia de que Deus da às pessoas o que elas
merecem, de que nossos desmandos causam nossas desgraças, de certa forma é uma
solução tranquila e atraente para o problema, mas tem numerosas e sérias
limitações. Como vimos, o sofrimento ensina as pessoas a se censurarem. Cria
culpa mesmo onde não há razão para culpa. Faz as pessoas odiarem Deus, embora
odiando-se também a si mesmos. E, o mais perturbador de tudo, é que nem sequer
se adapta aos fatos. A religião sempre desempenhou o papel fundamental na
história do homem. A filosofia não tem a função de negar ou ridicularizar esse
grande fato humano que é a religião. Na verdade, as pessoas põem as suas
qualidades, as suas aspirações e os seus desejos fora de si, afasta-se,
aliena-se e constrói a sua divindade aleatoriamente. Portanto, a religião está
no relacionar-se da pessoa com sua própria essência. Ela é a projeção da
essência humana. Mas, por que as pessoas constróem a divindade sem se reconhecer
nela?
Segundo o filósofo e antropólogo alemão Ludwing Feuerbach (1804-1872), diz que o homem encontra uma natureza insensível aos seus sofrimentos, porque tem segredos que o sufocam; e, na religião, alivia o seu próprio coração oprimido. Por isso o homem foge da natureza, das coisas visíveis, refugiando-se no seu próprio intimo, para encontrar quem escute o seu próprio sofrimento. É aqui que ele expressa os segredos que o sufocam, é aqui que ele alivia o seu próprio coração oprimido. Isto é Deus. Deus é uma lágrima de amor derramada no mais profundo segredo sobre a miséria humana. Parece que a intenção humanista de Feuerbach é de transformar os homens de amigos de Deus em amigos dos homens. Homens que crêem no pensamento humano e no amor como o único meio de salvação da humanidade. Na verdade, as pessoas de um modo geral desejam acreditar em Deus, conforme-lhes foi ensinado. Desejam acreditar que Deus é bom e que esta no controle das coisas. E quando acontece algum mal, logo vem a pergunta: “Deus, por que fizeste isso comigo?” Ludwig Feuerbach, tem uma explicação para os dogmas cristãos do Deus encarnado: “Não é Deus que cria o homem, mas sim o homem que cria Deus. Portanto, Deus é a mais alta subjetividade do ser humano, abstraída de si mesmo.
Existe muitas
sugestões comovedora para justificar o porque sofremos, imagino que muitas
pessoas recorrem algumas delas. Sofrimento sem sentido, sofrimento como punição
para um pecado não especificado é duro de aceitar. Mas sofrimento como uma
contribuição para uma grande obra de arte projetada por Deus não é apenas um
fardo intolerável, pode até ser visto como um privilégio. Contudo, um exame
mais profundo, essa abordagem deixa muito a desejar. Apesar de toda sua
compaixão, também ela se baseia em larga escala naquilo que gostaríamos que
fosse verdade. Seria mais fácil acreditar que a gente passa por uma tragédia ou
sofrimento para reparar falhas de personalidade se houvesse alguma ligação clara
entre a falha e a punição. Por exemplo, o pai que castiga o filho que cometeu
um erro, mas não lhe diz por que está punindo, dificilmente pode ser considerado
como um modelo de paternidade responsável. No entanto, aqueles que explicam o
sofrimento como uma maneira de Deus nos ensinar a mudar ficam deveras
embaraçados quando devem mostrar o que é que precisa ser mudado.
A crença em um mundo
futuro, onde os inocentes são compensados por seu sofrimento, pode ajudar as
pessoas a suportar as injustiças deste mundo sem perder a fé. Mas pode também
servir de desculpa para não nos sentirmos perturbados e ultrajados pela
injustiça que nos rodeia e, assim, não usarmos a inteligência que Deus nos deu
para agir contra essa situação. A sabedoria prática indica que as pessoas em
semelhantes condições devem ficar atentas à possibilidade de que nossas vidas
continuem de alguma forma depois da morte, talvez de uma forma que a imaginação
terrena não pode conceber. Ao mesmo tempo, como não podemos ter certeza, é
aconselhável encararmos este mundo com a maior seriedade possível, para o caso
de não existir nenhum outro, buscando sentido e justiça aqui mesmo.
Portanto, todas as
respostas à tragédia que consideramos acima têm pelo menos uma coisa em comum.
Todas elas pressupõem que Deus é a causa de nosso sofrimento e tentam fazer-nos
entender por que Deus deseja que soframos. É para o nosso bem ou é uma punição
que merecemos, quem sabe Deus pouco se importa com o que nos acontece? Muitas
das respostas são inteligentes e imaginativas, porém nenhuma é totalmente
satisfatória. Algumas nos levam a criticar-nos para salvar a reputação de Deus.
Outras pedem que neguemos a realidade ou reprimamos nossos próprios
sentimentos. Acabamos odiando-nos a nós mesmos por merecermos tal destino ou
odiamos a Deus por nos enviar quando não o merecemos. Mas, é possível que Deus
não seja a causa de nosso sofrimento. Viriam mesmo de Deus as coisas ruins que
nos afligem? Será que é Deus quem decide quais as famílias que terão uma
criança deficiente ou que haveria de se tornar paralítica por conta de uma bala
perdida aos 15 anos. Ou ainda, como algumas pessoas que estão definhando com
uma doença degenerativa? Ou quem sabe, Deus não fica ao nosso lado pronto para nos
ajudar a enfrentar nossas tragédias, sob a única condição de que consigamos
repelir os sentimentos de culpa e de raiva que nos separam de Deus? Contudo, a
mais profunda e completa reflexão sobre o sofrimento na Bíblia, e talvez em
toda literatura, é o Livro de Jó. Deixo como mensagem para aquelas pessoas
rancorosa e que guardam mágoas, aproveitem esse final de ano e leiam a História
de Jó. Certamente vão encontrar respostas para esse orgulho bobo. Que Deus
proteja a todos. Que os anjos digam Amem.
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