Este título foi extraído de
um texto publicado pelo filósofo e educador Régis de Morais (1940), que na verdade é
uma frase do escritor russo Leon Tolstói (1828-1910). Mas, muito apropriado
para essa nossa reflexão. Este místico que foi um gênio da literatura, homem
cheio de conflitos e contradições - como são a maioria dos escritores - no fim
de seus dias estava preocupado com o que haveria feito da sua vida, e alertava
a todos para que “construísse” bem o seu viver e o seu conviver com o outro. Um
dilema que abate a todos.
Nascemos no interior de uma
cultura, de uma sociedade; quando aprendemos a falar nossa língua, mal
percebemos que ela já nos transmite uma mentalidade, pois, os limites da nossa
língua são as fronteiras da nossa visão de mundo. Vamos crescendo no interior
de uma família, e esta nos passa inúmeros valores da sociedade, bem como
valores que são peculiarmente seus. Até que chega a época em que a convivência
se estende para fora do circulo familiar, nos defrontamos com uma estrutura
social que, através de pressões e condicionamentos às vezes pesados procura
impor-nos seus hábitos, códigos de leis e muitas das suas expectativas em
termos de moral.
A sociedade acaba usando a
família, as igrejas, as escolas e os locais de trabalho para tentar modelar-nos
ao seu gosto. Não podemos negar que consegue muito do seu intento e, em algumas
circunstâncias, pode até inibir nossas ações. Em razão de tudo isto, é
inevitável que incomodem nosso espírito algumas dessas questões. Afinal,
seremos apenas táxis nos quais viajam as vontades e os valores dos outros?
Seremos meros produto de uma melancólica fabricação em série? Haverá como negar
que, em muito boa medida, somos construídos pelo meio?
Entretanto, no exato momento
de nossa evolução em que adquirimos consciência de todas essas forças que agem
sobre nós, aí estaremos começando a olhá-las com senso crítico. Principiaremos
a praticar, para com as influências do meio, a arte da desconfiança – que é uma
coisa muito mais sutil do que a neurótica mania de desconfiança. Afinal, arte é
arte, mania é outra coisa de tom doentio.
Para o filósofo dinamarquês Soren
Kierkegaard (1813-1855), que depois de muita obediência sem discussão, surge um
momento na vida em que sentimos necessidade de dar um passo atrás e olhar
panoramicamente para o conjunto de valores que o meio nos incutiu, para que
então façamos deste nosso julgamento pessoal. Um momento que exige coragem para
separar o trigo do joio e, decididamente, amar o amável e rejeitar o
inaceitável. Uma vida só de cobranças e obrigações ninguém aguenta. É um camelo
atravessando o deserto.
Considerando isto,
finalmente, somos construídos ou construímos? Parodiando o título de um poema
de Cecília Meireles (1901-1964), não se trata de “ou isto ou aquilo”, neste assunto; trata-se de “isto e aquilo”. Na vida tanto somos
construídos quanto construímos, sendo que o necessário seria garantir a cada
individuo, a possibilidade de criticar as heranças que recebeu. Ao que parece, nem
todos tem esse espírito critico, infelizmente. O que vamos fazer de nossas
vidas? Em
condições normais, este é o único problema verdadeiramente sério que surge para
os seres humanos. Marcados por guerras intermináveis, cheios de explorações
econômicas criminosas dos fortes contra os fracos; época tumultuada desse
começo de século, em que parecem ter desabado de vez muitos valores da nossa
civilização.
Entretanto, por a culpa no
meio, algumas vezes está certo. Mas, por sempre a culpa no meio é negar que
somos pessoas, e não trastes que são jogados daqui para ali. De tudo o que
desabou, vamos reconstruir novamente a partir do que restou de nossas vidas. Quando
Tolstói disse que “a obra-prima de um homem é a sua vida”, pôs logo as pessoas
a se lembrarem de tantos seres humanos quase ou inteiramente anônimos, que
nunca escreveram um livro ou realizaram feitos considerados socialmente
importantes, mas que, em seu bairro ou cidade, lutou sem descanso para fazer de
sua vida uma obra-prima de humanidade. Está claro para o homem, que é o viver
que justifica o viver, caso contrario o condena.
Ninguém saberá ensinar o
outro como se realizar. Nenhum homem tem como ensinar o outro como enriquecer
sua trajetória de vida. O pouco que se pode dizer, neste terreno, resume-se em
quatro grandes questões: Primeiro, cabe a cada um escolher os valores pelos
quais queira viver. Segundo, cabe também a cada um ter claro que o trágico não
é ter escolhido valores equivocados; se um homem se equivocar, mantendo
sinceridade e fidelidade aos seus princípios, não terá mentido nem a si nem a ninguém. Terceiro, caberá a todo homem não
deixar seus valores se transformarem em teimosia preconceituosa, tendo para
isto que rever constantemente e criticar suas posições. E finalmente, que o
caminho que uma pessoa escolheu seja caminhado de forma sensível e inteligente,
tanto quanto as suas limitações o permitirem.
Agora que valores ter, como
não se equivocar, que caminho escolher? Estas são coisas que só alguns
fanáticos se metem a ensinar. A milenar sabedoria chinesa já disse e jamais
será demasiado repetir que, cada ser humano tem um caminho que é seu: "a sua vida". Que ninguém poderá caminhar
o caminho do outro por ele, da mesma forma porque nenhuma outra pessoa poderá
morrer por nós a nossa morte ou, antes, sofrer por nós as nossas dores.
Portanto, como
ensinava o filósofo grego Sócrates (469-399), o importante mesmo é que, ao
final da vida, cada um se pareça cada vez mais consigo mesmo. Afinal, o homem
autêntico é uma obra-prima. A vida
humana consciente é uma tentativa de navegar no oceano dos condicionamentos do
ambiente, evitando naufragar neles. Se você não descobrir
qual é sua missão no mundo, ela certamente ficará incompleta, porque ninguém
poderá concluí-la, cada pessoa é como uma peça de um quebra cabeça. Só ela pode
ocupar o espaço vazio e, se não ocupá-lo, ficará deslocada, e sua essência
incompleta. Contudo, "viver" e "amar" constitui-se para nós humanos um
mistério, que muitos transformam num problema.
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