Dizem
que a filosofia é coisa de quem vive nas nuvens. Será mesmo a filosofia coisa
de pessoa desligada? Os italianos dizem que a filosofia é uma ciência com a
qual ou sem a qual o mundo continua tal e qual. Um conferencista brasileiro,
com ironia ainda mais agressiva, comentou: “eu
penso na filosofia como se esta fosse um homem, num quarto escuro, procurando
um chapéu preto que não está dentro desse quarto”. Isto é, a filosofia
seria uma loucura elegante, algo completamente sem utilidade? Mas, por que
tanto interesse em se falar mal de uma coisa supostamente insignificante? O que
está por trás dessas ironias?
No
meu curso de filosofia, certa vez numa aula de antropologia filosófica o
filósofo e educador Régis de Morais (1941), hoje meu orientador. Apresentou-nos
um texto seu “A Filosofia é Inútil?”.
O ensaio contava que certa vez houve, na praça pública de Atenas, um célebre
debate sobre a importância ou não da filosofia. Amigos deste tipo de saber e
adversários, reunidos publicamente, realizaram como que um julgamento da “ré filosofia”. Muitos sábios estavam
presentes ao debate; dentre estes, o grande filósofo Aristóteles. Pois bem,
todos os adversários da filosofia discursaram tentando demonstrar sua
inutilidade. De outro lado, todos os amigos da filosofia argumentaram como
podiam para conseguir provar a importância desta. Ao final, conta o cronista
antigo, que Aristóteles levantou-se para falar.
Fez-se
um enorme silêncio na praça, pois se respeitava muito aquele sábio. Talvez se
esperasse dele um longo e inflamado discurso. Mas, Aristóteles fez um
raciocínio extremamente simples que deixou a todos perplexos. Ponderou o
pensador: “Ouvi com máxima atenção a
todos. De tudo do que disseram tiro duas alternativas muito simples: ou nós
devemos filosofar ou nós não devemos filosofar. Pois bem, se devemos, vamos
filosofar. Se, porém não devemos filosofar, isto só em nome de uma filosofia”.
Como seria inevitável, o debate acabou aí. Afinal, até para não filosofar era
preciso dar razões e fundamentar, o que é a pratica filosófica.
Entretanto,
a sociedade industrialista e de consumo tem medo da filosofia. Aliás, todos os
movimentos de massificação social têm medo da filosofia, pois aquele que se
aproxima do estudo filosófico, de uma forma ou de outra desenvolve o seu “senso crítico”. Ora, no nosso mundo, em
que a tônica dos meios de comunicação e de muitos governos, é fazer a cabeça,
quem pensa incomoda, quem sabe criticar ideias e situações não se deixa levar,
não se deixa manipular. Esta é a razão pela qual todas as ditaduras do mundo,
quando se instalam no poder, saem a campo para caçar, prender e exilar os
filósofos; eles são caçados e depois cassados. Eis também a razão pela qual o
meios de comunicação ou fazem uma caricatura do filósofo ou se calam
ostensivamente a seu respeito. Sempre foi muito bom para a filosofia ser marginalizada
pelos ditadores políticos e pelos tiranos da economia, pois, só assim ela quase
nunca se assentou nos banquetes dos poderosos (como tão frequentemente têm
feito as ciências), e pode fortalecer sua têmpera nos calabouços da sociedade.
Segundo
o filósofo e educador Régis de Morais, ninguém pode ficar indiferente ante a
filosofia. Afinal, se nascemos seres pensantes, é natural que procuremos pensar.
Marginalizar a filosofia é uma forma de valorizá-la. Amar a filosofia é outra e
mais positiva maneira de valorizá-la. Vai-se sempre amar ou odiar a filosofia,
nunca dará para ficar-se indiferente. No dia em que o ser pensante desistir de
pensar, tudo estará acabado e o mundo se encherá de figuras idiotizadas
passando pela vida como quem passa por um delírio. Uma coisa é certa: nós nascemos
para levar a vida, não para sermos levado por ela feito folha seca que cai num
riacho e perde o governo de si mesma.
Acontece
que, quando a mentalidade consumista nos invade e nos domina, ela o faz de um
modo tão esperto que, embora presos e escravizados, sentimo-nos muito sabidos e
ousados. Esta mentalidade injeta um tão estranho veneno nas pessoas que estas
passam a detestar a única coisa que as distingue dos irracionais: “o desejo de buscar o sentido da sua vida”.
Ora, filosofar é não abrir mão de procurar o sentido da vida individual, da
vida social e da cultura. Podemos dizer que “a filosofia é a procura da face verdadeira do homem”. E isto não
pode ser buscando nas nuvens e nem entre os anjos. É fixando o olhar e a
inteligência nas alegrias e sofrimentos dos seres humanos, observando e
refletindo sobre os fatos e sentimentos do homem, que se constrói um edifício
filosófico. Antigamente pensava-se que havia lá em cima, um céu de ideias de
onde desciam luzes sobre a vida; hoje se sabe muito bem que as ideias nascem do
calor do viver ao rés do chão, entre pessoas, objetos, casas, cenários e nosso
olhar atento aos seres vivos que nos cercam com sua beleza.
Por
conseguinte, se a filosofia busca a verdadeira face do homem, ela não pode
fugir dos conflitos que marcam a vida humana. Já se disse que o conflito é a
morada da vida, portanto, não cabe ao fazer filosófico qualquer tipo de
alienação. Quando os filósofos e literatos (como um Dostoiévski, um Sartre ou
um Graciliano Ramos) questionam o sentido da vida, fazem-no para que os homens
cheguem a conduzir suas existências e não sejam levados pelos empurrões do
viver. Fazem-no para que as pessoas realmente participem do viver, não apenas o
tolerem. Contudo, acusam o projeto filosófico de ser muito pretensioso. E nisto
têm razão, pois a filosofia não pode querer pouco. Sua pretensão não é a de ter
status, riqueza ou de patrocinar exibicionismos. Aquele que pensa, não quer ser
manipulado por fama, riqueza ou exibicionismo. Aquele ser pensante que não abdicou
do pensar, ele deseja é viver com sentido e por um projeto válido de vida.
Desde uma modesta filosofia de vida até um sofisticado sistema filosófico, o
que se pretende é buscar o sentido de tudo e evitar o embotamento humano.
Enfim, ao que tudo indica, a filosofia nada tem de inútil.
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