Segundo Platão (427-347 a.C.), o amor é a busca da beleza, da elevação em
todos os níveis, o que não exclui a dimensão do corpo, onde habita o prazer. No
entanto, será que essa concepção ainda faz sentido em tempos de exagerado culto
ao corpo e à coisificação do prazer? Parece estranho e contraditório falar do
amor romântico em uma época desapaixonada, como esta em que vivemos. Na
verdade, esta nossa época carece tanto de sentimento quanto de razão, pois ela
pretende ser apenas a encarnação de um tempo hedonista, extravagante, dominado
pelos sentidos, num mundo de imagens audiovisuais.
Conforme Platão nos mostra em seu diálogo, como o amor resgata coisas que
a gente perdeu na vida, nos dando uma nova chance de se redimir. Só o amor faz
a pessoa evoluir espiritualmente. Embora, o amor tenha início na realidade
física, deve alcançar a sua forma universal, não permanecendo prisioneiro da
matéria, ou seja, do puro prazer físico. Para Platão só te ama verdadeiramente,
aquele que ama a tua alma. No entanto, é comum confundir o amor platônico com o
amor não correspondido ou desprovido de interesse sexual. Afinal, temos um
corpo que reclama pelo prazer de tocar e ser tocado. Na realidade, o filósofo
não exclui o amor carnal, porém, o vê como um primeiro degrau que pode levar a
outros mais elevados. Por exemplo, fomentar a pratica do sexo tântrico, cujo
objetivo é prolongar o prazer carnal para atingir o orgasmo espiritual. O real
encontro com a divindade.
No diálogo do Banquete aparecem
duas formas de amor, geradas por Afrodite, deusa grega da fecundidade e da
beleza. Ela tem dupla face, ou de acordo com alguns estudiosos da mitologia,
são duas Afrodites: a celestial, filha de Urano (divindade que personificava o
Céu); e a popular filha de Zeus e Dione. Foi Aristófanes (447-386 a.C.)
personagem conhecido entre os atenienses pela sua dramaturgia, defende que o
amor é a busca da outra metade que se perdeu por castigo dos deuses. Havia no
mundo três tipos de seres humanos: um formado só de duplos elementos
masculinos, outro só de duplos femininos e por último um misto de elementos
masculino e feminino. Esta era uma figura andrógina. Os seres duplos
transgrediram a ordenação dos deuses e foram divididos ao meio. Por isso, o
amor é a busca da outra metade que se perdera, o que revela a nossa
incompletude humana.
Na busca ao amor essencial, outros estágios se fazem necessários que é o
amor às formas físicas e sua beleza, independente da forma, mas, é através dela
que vamos descobrir o amor tântrico. A sexualidade é o ponto inicial para este
universo místico. O prazer figurado na forma física é interpretado como uma
adesão aos princípios éticos. A sacerdotisa grega Diotima, associa o amor à
imortalidade e afirma que o amor é o “desejo
de procriação e perpetuação no belo”. Apesar da visão fulgurante contida
nessa narrativa, o idealismo platônico deprecia o corpo e o mundo real. Ele
concebe os seres humanos como se estes fossem anjos caídos em um mundo
degradado.
No entanto, a razão socrática é acusada de servir à repressão dos
instintos. O filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900, postulou essa
questão a uma racionalidade repressiva ao observar que ela está a serviço da
ordem e da moral, e representa uma coerção aos amantes que buscam significado
existencial na sua outra metade. A moral, de acordo com as suas palavras,
transforma-se em “instrumento do instinto
de rebanho”. Como se pode ver, a razão tornou-se má conselheira, e um
veículo da repressão aos instintos mais verdadeiros. O pai da psicanálise
Sigmund Freud (1856-1939), concluiu que o embate do indivíduo com a sociedade é
irreconciliável, que chamou de: “molestar
da civilização”. A razão que foi construída a partir dos gregos que quer
guiar o mundo e por em convulsão os amantes apaixonados. Sinto que este mundo
não tem governo. Mas, não existe outro onde possamos viver, a não ser o mundo da
razão ou das ideias inatas. Pode-se argumentar que a razão, seja ela grega ou
moderna, é sempre repressora: está na sua natureza. Gente querendo ter razão,
ao invés de ser feliz por amar, contudo, estão matando um sentimento que
transcende a matéria.
Entretanto, o amor que sentimos hoje pretende ser puro prazer, deve
encerrar-se aí onde teve início, no próprio corpo. Ele torna-se desejo e
excitação, antes, durante e depois do encontro, sobretudo, pelo simples prazer
que temos ao sentir o calor deste amor. Mostrando que o amor à pessoa não foi
substituído pelo amor às coisas que ela tem e pode oferecer. Apesar disso o
prazer físico e o amor platônico transcendem as barreiras do tempo. Nós somos
antes de tudo um corpo, o prazer que vamos sentir neste corpo é que vai dizer
se o nosso amor é real ou não. O maior equívoco humano é o exagerado apetite
dos prazeres corporais e das coisas materiais, isto sempre nos leva o vazio
existencial profundo e deprimente. No mito da carruagem descrito por Platão,
nos mostra um cavalo preto que representa as paixões, inquieto e impaciente, ou
seja, representa o vício, a cobiça e as práticas sexuais exacerbadas. Ele desvia-se
do caminho reto, levando junto o cocheiro e o outro cavalo branco. O cocheiro
representa a inteligência, que oscila entre os impulsos antagônicos dos dois
cavalos: um obediente, que simboliza a coragem; o outro, rebelde, que se guia
pela extravagância dos sentidos.
Na concepção dos gregos antigos, o amor não devia tornar-se prisioneiro do
corpo, mas elevar-se gradativamente, até o cimo, onde habita as essências
absolutas: a verdade, o belo e o bem. Essa passagem do corpo ao espírito é a
expressão da dialética ascendente de Platão. Na parte inferior havia o mundo
das sombras, produtor de ilusões e os objetos sensíveis. No outro extremo, o
mundo inteligível. O processo de conhecimento se da em uma ascensão do mundo
obscuro, das sombras ao luminoso mundo das ideias. Porém, tudo o que a nossa
época deseja é poder celebrar as conquistas pontificadas pela ciência, pela
tecnologia, pelo conhecimento emancipador da modernidade. Contudo, é o corpo
que dita às regras do jogo, que diz se está ou não satisfeito. É no corpo que o
amor começa sua encarnação.
Portanto, o corpo paira entre o amor e a moral do seu tempo. Inventa uma
nova erótica, elege os seus novos parceiros: as academias que redefinem as suas
formas, o shop sexy que coisificam o seu prazer, a moda que veste o marketing
que o alimenta com produtos miraculosos. Não se pode negar a sedução do vestir
elegante, mas, o seu desafio é querer mercantilizar o amor ao desnudar-se. No
entanto, sua voz só fala de amor, todo o seu gesto é de amor, para onde vai
leva no coração este amor. Caminha pelos verdes campos, sobe montanhas e lá do
alto fala do seu encontro com a divindade. Viu a luz brilha na escuridão, o dia
que encontrou o amor. Viu o sol nascer quando foi tocado pela esperança e
compreendeu que além da matéria existe o amor que transcende a todos os
prazeres. Este corpo é capaz de compreender, que existe outra vida além e
assim, morrer não é o fim, porque viver é renascer para o amor. Então, tudo
retorna ao templo sagrado do corpo que ama. O gênio do amor, que este seja
nosso destino: amar, viver e começar cada dia juntos. Porque dois amantes
felizes não têm fim nem morte, nascem e morrem tantas vezes enquanto vivem.
Contudo, na alegoria platônica que ilustra os dias atuais, o cocheiro (inteligência)
perdeu o controle do seu carro. O corpo caminha sem destino em uma fauna de
prazeres, enquanto a razão despenca pelo penhasco das rochas frias.
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