Sonhar faz a gente
inventar um mundo novo. É com essa imaginação que criamos momentos, onde com
toda a certeza estaremos felizes, completos e realizados. Usamos das experiências
já vividas, das emoções sentidas, dos momentos vividos para nos imaginarmos num
tempo futuro. Passamos a buscar representações do já conhecido para imaginarmos
o desconhecido e com isso diminuir a ansiedade frente ao novo. A imaginação é
um sonho e, como dizia Raul Seixas (1945-1989): “Um sonho que se sonha só, é só um sonho
que se sonha só”. Porém, nesse sonho, o lugar não importa, pode ser um castelo,
uma casa, uma praia, um parque, uma montanha, uma cabana, uma avenida, um lugar
qualquer. Assim como também, o tempo não importa, pode ser amanhã, a próxima
semana, o próximo mês, quem sabe o ano que vem. Vai depender do tamanho desse
sonho e a fé que nutre esse amor.
Na verdade, o que
importa é que aconteça. Nesse sonho o que importa não é o que se faz, é o que
se sente a partir daquilo que é feito. E para que nesse sonho possamos nos
sentir felizes, é preciso quase sempre que alguém participe dele. É a
realização da crença de que não se pode ser feliz se estiver só. Envelhecer
sozinho é deixar de sonhar juntos. Todavia, esse personagem imaginário é tão
real dentro desse sonho que chega a ter forma, sentimento, pensamento,
atitudes, etc. Desse personagem se espera frases ditas nas horas exatas,
atitudes corretas, pensamentos românticos, expressões de emoções que demonstrem
sentimentos sinceros. Dele se espera que nos olhe no fundo dos olhos e sem
dizer palavra alguma, nos de segurança e a certeza de sermos amados, que não
existe outro e nem poderá existir, é como se já tivéssemos decidido quem será a
pessoa merecedora do amor guardado.
Despertado do sono,
mas não do sonho, vamos a busca desse ser, que com certeza existe, só ainda não
percebemos a sua importância para o nosso sonho. Mergulhado nesse egoísmo
passamos a procurar na multidão o rosto dessa pessoa que já existe em nosso
pensamento. Voltamos todos a viver na Caverna de Platão, na caverna da
indiferença, do desrespeito, do egoísmo e da injustiça. Abandonamos os sonhos com muita facilidade, como
se fossemos ter uma vida toda pela frente. Amassamos como um papel e jogamos no
lixo, não damos conta que estamos desistindo de um projeto de vida.
Entretanto, quando
encontramos alguém que demonstre, por menor que seja, disposição para compartilhar
conosco um projeto de vida. Ser o personagem do nosso sonho, mostrando a
possibilidade do sonho se tornar realidade, é tão desejado que passamos a
sentir o que sentimos no sonho e julgamos ser esse personagem o responsável
pelo nosso sentimento. É aqui que mora o perigo, porque começa a confusão
pessoa e personagem. Conhecemos tão bem esse personagem e tão pouco essa
pessoa. Não deixamos essa pessoa ser ela mesma. Satisfazemos com o pouco que
conhecemos dela e que se assemelha de tal modo com a personagem, que fechamos
os olhos, com desculpas, explicações emocionais, insensatas, mas apaixonadas,
para nos fazer acreditar que o sonho e realidade são uma coisa só.
Com medo de perder
esse sentimento vivemos o sonho. Mas chega o momento em que, mesmo despertos do
sono, temos que despertar do sonho, destrancar as portas fechadas e, sem
usarmos da imaginação, olharmos para a realidade, correr o risco de perder a
paixão e dar lugar a outro sentimento. É preciso conhecer a pessoa, deixar que
ela se apresente a nós tal como ela é. A paixão é um fogo imenso que logo se
apaga e a afetividade conjugal é uma chama que arte lentamente, que mantém
cálido o coração trazendo segurança e conforto. Temos de ser adulto o
suficiente para conhecermos o outro por quem algum tempo fomos apaixonados e
que, por nutrirmos esse sentimento, não quisemos conhecer, mas apenas
reconhecer nele o sonho sonhado. É preciso reconhecer quão egoísta fomos não
permitindo que esse personagem desvendasse a pessoa que por dentro dele havia.
Portanto, como
adultos, tomamos a decisão de nos iludirmos com uma relação afetiva onde só um
dos lados dizia amar, só um dos lados decide escolher como deve ser essa
relação. Nem sempre o final da paixão coincide com o final do sonho, da
realidade, ou do relacionamento. Há relações em que o amor preenche o espaço
antes ocupado pela paixão, mas para isso é preciso que conheçamos a outra pessoa
na intimidade. Suas ideias, seus pensamentos, suas formas de expressar emoções
e provocar sentimentos até então desconhecidos. Experiências não vividas,
frases ainda não ouvidas, conceitos não conhecidos. Contudo, numa relação
afetiva, é necessário que duas pessoas reais se encontrem, conversem sobre
projeto de vida, seus desejos, objetivos, sonhos comuns. Porque um sonho que se
sonha só, é só um sonho que se sonha só. Mas, um sonho que se sonha junto,
ambos fazem acontecer.
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