Aquela
filosofia dos opostos, de yin-yang, do feio-bonito, do certo-errado, do
culpado-inocente, tudo aquilo que parece uma conversa simpática, com toques de
orientalismo, está presente e atuando em todos os atos de agressão de quem quer
que seja. Comecemos com um exemplo bem simples que é: mocinho e bandido. Aquele
dos filmes de bangue-bangue. A gente sabe muito bem que o mocinho, bonito e
limpo, bem barbeado e bem vestido, simpático, faz tudo o que é bom. Sua única
ruindade é viver para matar bandidos. Nobre missão. O bandido é barbudão, meio
sujo, masca fumo, cospe a toda hora, é grosseiro, vive fazendo bagunça.
Não
sei muito bem qual a diferença entre eles, porque os dois vivem para se matar,
e um não tem sentido sem o outro. Portanto, são equivalentes. O que é pior, o
mocinho tem melhor pontaria que o bandido e acaba sempre matando o coitado!
Esse é o primeiro passo, mais de brincadeira do que a sério. O tema se liga a
nós, pois vou falar da nossa violência, e não só dos bandidos. Todos nós somos
bandidos em algum momento, e é nisso que vou insistir muito para ver se essa
ideia passa para muita gente que pensa ao contrário. Quanto mais você conhece
uma pessoa, quanto mais tempo convive com ela, mais lado vai vendo, mais coisas
você vai ouvindo, mais cara você vai percebendo, mais intenção vai adivinhando.
E você vai ficando cada vez mais confuso e perplexo.
Justamente
por causa disso. A cada dia que passa você vai vendo novas reações na pessoa, e
vai se tornando cada vez mais difícil conceber ou acreditar que é sempre a
mesma pessoa. Às vezes ela é tão maldosa, às vezes tão paciente e tão
acolhedora, tão suscetível, tão cobradora, tão complacente, tão exigente, tão
amorosa e por aí vai. Penso que não há santo que não tenha tido seu momento de
ódio, rancor e desespero. E não há bandido que não tenha se enternecido um dia,
diante de alguém, de uma criança, uma mulher, um gesto generoso do próprio
mocinho. Aqueles que estão fazendo como se deve, como eu acho acertado, são os
mocinhos. Os que estão fazendo como eu não gosto nem aprecio são os bandidos.
E
com isso vamos nos agredindo uns aos outros a maior parte do tempo, sempre
convictos de ter razão. Nada
disso é agressão. É violência da pior espécie, porque vem disfarçada e é
péssimo para todos. E com a certeza que estou certo, e o outro está errado. E
assim chega-se, por esse caminho louco também a perseguição religiosa. Conheço
gente que ministra eucaristia em igreja católica e fora de lá, ignora seu
semelhante. Muitos até matam em nome de Deus. Este é o pior aspecto da nossa
agressividade. Quando achamos que ela tem toda a razão de ser, que nós temos
todo o direito, que o outro está errado e tem de aprender, ou ser punido, ou
assassinado a bem da humanidade.
Portanto,
é assim que acontecem as piores violências perpetradas por todos e contra
todos. Estou sempre certo, e o outro, sempre errado. Que posso fazer senão
tentar elevá-lo até meu nível de perfeição? Aí temos o começo e o fim da
agressão humana. Enquanto continuarmos pensando “eu, o bom, e o outro, o mau”, enquanto “eu estou certo, e o outro, errado”, será impossível conter, usar
bem ou organizar a agressividade humana. Vamos ver se cultivamos um pouco essa
bendita palavra: “tolerância”. Isto
é, o que eu condeno no outro eu também sou. É uma palavra até feia, mas a coisa
da tolerância é boa. Compreensão é melhor ainda. Auto aceitação é o máximo.
Quanto mais e melhor me percebo e me aceito com minhas grosserias, mais aceito
o outro. Mas este caminho, muito falado, não é difícil de seguir. A essência da
democracia é o direito de ser diferente.
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