Não
acredito que possa haver alguém que tenha experimentado o amor mesmo que
desprovido de intenções sexuais e não tenha conhecido o ciúme. Até porque os
dois geralmente andam juntos. Há pessoas que acham que o ciúme é o tempero do
amor. Com certeza estão equivocados. O ciúme impede a generalização do amor.
Uma pitadinha de ciúme às vezes pode valorizar a pessoa amada. Costumo comparar
o ciúme com a pimenta. Quando demais, acaba estragando o prato predileto. Uma
pitadinha é ótimo; demais, leva o amor a se transformar em sofrimento. Parece
que as pessoas andam se tornando mais possessivas, mais controladoras e, por
isso, mais sofredoras e mais causadoras de sofrimentos.
Vou
pontuar essa reflexão numa pesquisa do meu colega psicólogo e educador Ênio
Brito Pinto, autor do livro: “Orientação
Sexual na Escola – A importância da psicopedagogia nessa nova realidade”.
Segundo o Ênio Brito, o que é terrível no ciúme é o sofrimento que ele causa
tanto na pessoa ciumenta, como na pessoa vítima dos ciúmes. Vou um pouco além,
quem sente ciúme está sempre alerta, sempre estressado, sempre atento além da
conta para a possibilidade de uma traição. O corpo fica rígido, a respiração
curta, o sistema nervoso simpático mais atuante do que o parassimpático. Vou
explicar melhor para entendermos o ciúme.
Nós
temos em nosso corpo o que é chamado de Sistema Nervoso Autônomo. Ele tem esse
nome porque é mesmo autônomo, ou seja, não depende de nossa vontade. Vamos
dizer que ele é composto por dois pilares: “o
sistema nervoso simpático e parassimpático”. O parassimpático é o responsável
pelas nossas sensações de calma e de tranquilidade. O simpático, ao contrário
do que o nome sugere, é o responsável pelo estado de alerta, pela atenção, pela
descarga de adrenalina no corpo. Se estivermos passeando calmamente, felizes da
vida, uma conversa agradável ou ao lado da amada curtindo uma fantasia
interessante, prevalece o parassimpático. Mas, se de repente a pessoa é tomada
subitamente por um susto, passa predominar o sistema nervoso simpático.
Ora,
o que acontece é que a pessoa ciumenta fica muito no simpático. Tudo a assusta,
tudo é motivo para achar que o outro a está traindo ou poderá trair. Será que
amar é estar alerta, como se a pessoa só pudesse olhar para os riscos do amor? Acontece
que o amor é um risco. Não existe amor sem risco, porque nenhum amor nos de
certeza. Amar é uma aposta razoável. Temos que acreditar que o outro nos
respeitará, sempre nos valorizando por compartilhar do mesmo amor que junto
sentimos. Amor é fogo e certeza é vácuo. Quando acaba a incerteza, o amor
também se acaba, já que nada é mais destruidor de amor do que a certeza. O amor
se alimenta da confiança. Ela é o nutriente do amor, é oxigênio para a lareira
amorosa. Não há nada que nutra melhor o amor do que a confiança de que o outro
nos ama e valoriza este amor. Este é o limite da relação amorosa, pois está
alicerçada na confiança.
Entretanto,
de qualquer forma, mesmo com essa confiança básica, amar é conviver com algum
grau de insegurança. Finalizo essa reflexão citando um grande poeta português
Luís Vaz de Camões (1524-1580), que expressava em seus poemas um amor
idealizado que não chegava às vias de fato, colocava-se sempre no plano da
abstração. Falava do amor preso ao dualismo, do amor que por um lado ilumina a
mente, gera a poesia e enobrece o espírito, que aproxima do divino, do belo, do
eterno, do puro e do maravilhoso. Dizia também do amor que tortura e escraviza
pela impossibilidade de ignorar o desejo de posse da amada e as urgências da
carne. Camões queixou-se inúmeras vezes, amargamente, da tirania desses amores
impossíveis, chorou as distâncias, as despedidas, a saudade, a falta de
reciprocidade e a impalpabilidade dos nobres frutos que esse amor produz.
Concluo
então, com um soneto de Camões muito conhecido: “Amor é fogo que arde sem se ver. É ferida que dói e não se sente. É um
contentamento descontente. É dor que desatina sem doer. É um não querer mais
que bem querer. É solitário andar por entre a gente. É nunca contentar-se de
contente. É cuidar que se ganha em se perder. É querer estar preso por vontade.
É servir a quem vence o vencedor. É ter com quem nos mata lealdade. Mas como
causar pode seu favor. Nos corações humanos amizade. Se tão contrário a si é o
mesmo amor?”
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