22 de fevereiro de 2017

ESTAR SOZINHO É NÃO SE SENTIR SÓ

Além dos avanços tecnológicos do início deste milênio, as relações afetivas também estão passando por profundas transformações e revolucionando o conceito de amor. O que se busca hoje é uma relação compatível com os tempos modernos, na qual exista individualidade, respeito, alegria e prazer de estar junto, não mais uma relação de dependência, em que um responsabiliza o outro pelo seu mal-estar. A ideia de uma pessoa ser o remédio para nossa felicidade nasceu com o romantismo e está fadada a desaparecer neste início de século. O amor romântico parte da premissa de que somos uma fração e precisamos encontrar nossa outra metade para nos sentirmos completos.

Durante séculos acreditou-se que seria assim mesmo. Muitas vezes ocorre até um processo de despersonalização que, historicamente, tem atingido mais as mulheres. A teoria da ligação entre opostos também vem dessa raiz: “o outro tem que saber fazer o que eu não sei fazer”. Uma ideia prática de sobrevivência e pouco romântica por sinal. Certa vez li uma frase postada por uma mulher, que dizia o seguinte: “Enamore-se de um homem que se interesse por você, que conheça suas forças, suas ilusões, suas tristezas e que ajude a superá-las”. Na verdade, o que essa mulher está buscando, não tem nada a ver com o amor romântico. Nesta frase está implícito outros interesses que não o amor.

A palavra de ordem deste século é parceria. Estamos trocando o amor de necessidade pelo amor de desejo. Eu gosto e desejo a companhia, mas não preciso me submeter, o que é muito diferente. Com o avanço tecnológico, que exige mais tempo individual, as pessoas estão perdendo o pavor de ficarem sozinhas e aprendendo a conviver melhor consigo mesmas. Elas estão começando a perceber que se sentem fração, mas são inteiras. O outro, com o qual se estabelece um elo, também se sente uma fração. Não é príncipe ou salvador de coisa nenhuma. É apenas um companheiro de viagem. No entanto, o ser humano é um animal que vai mudando o mundo e depois tem de ir se reciclando para se adaptar ao mundo que fabricou.

Estamos entrando na era da individualidade, o que não tem nada a ver com egoísmo. O egoísta não tem energia própria; ele se alimenta da energia que vem do outro, seja ela financeira, moral ou afetiva. A nova forma de amor, ou mais amor, tem nova feição e significado. No mundo da modernidade, vivemos um novo comportamento, que visa à aproximação de dois inteiros e não a união de duas metades, como pensava Platão. E ela só é possível para aqueles que conseguirem trabalhar sua individualidade. Quanto mais o individuo for competente para viver sozinho, mais preparado estará para uma boa relação afetiva e amorosa.

A solidão é boa quando estou comigo, ficar sozinho não é mais vergonhoso. Ao contrário, dá dignidade à pessoa. As boas relações afetivas são ótimas, são muito parecidas com o ficar sozinho, ninguém exige nada de ninguém e ambos crescem. Relações de dominação e de concessões exageradas são coisas do século passado. Cada cérebro é único. Nosso modo de pensar e agir não serve de referência para avaliar ninguém. Muitas vezes, pensamos que o outro é nossa alma gêmea e, na verdade, o que fizemos foi inventá-lo ao nosso gosto.

Portanto, todas as pessoas deveriam ficar sozinhas de vez em quando, para estabelecer um diálogo interno e descobrir sua força pessoal. Na solidão, o indivíduo entende que a harmonia e a paz de espírito só podem ser encontrada dentro dele mesmo e não a partir do outro. Ao perceber isso, ele se torna menos crítico e mais compreensivo quanto às diferenças, respeitando a maneira de ser de cada um. Contudo, o amor de duas pessoas inteiras é bem mais saudável. Nesse tipo de ligação, há o aconchego, o prazer da companhia e o respeito pelo ser amado. Se não houver respeito, ambos estão vivênciando um amor infantil e imaturo.  

17 de fevereiro de 2017

COM O DESPERTAR DA FILOSOFIA NASCE ADMIRAÇÃO

O sentido grego da palavra admiração é o “espanto”. Quando estamos diante de uma situação diferente, inesperada, que pela qual temos uma atitude de admiração e esta atitude é o ponto de partida para o ato de filosofar, pois nos leva à descoberta de nossa própria ignorância e à indagação sobre o que ignoramos. Por exemplo, todos nós convivemos com determinados padrões estéticos, morais, políticos etc. Quando algo nos é apresentado fora do que esperamos, nos perguntamos: como isso é possível? Todos nós temos um determinado padrão de beleza, no entanto, vez ou outra surpreendemo-nos com uma obra de arte que pode ser mais bela ou então que não possui os critérios de beleza que imaginamos. Diante desse espanto, desta admiração, iniciamos um processo de questionamento que leva à ampliação de nossa compreensão sobre o que é o belo. Neste comportamento adquirimos consciência de nossa ignorância e procuramos ampliar nossa compreensão, perguntando e questionando sobre os nossos valores. Assim como a beleza, o mesmo ocorre com outros temas.

A atitude da admiração, do espanto, quando nos desperta para certas interrogações, é a manifestação do desejo de saber, do qual falou o filósofo Aristóteles (384-322 a.C.), sendo que para ele desejo é um movimento ou atividade da faculdade do desejo ou vontade, que move o corpo em direção ao objeto desejado, faculdade esta não racional, embora capaz de dialogar com a razão. Aristóteles nos diz que o desejo é um gênero que compreende três espécies, como: “querer, apetite e impulso”. Este desejo, por sua vez, não é um comportamento utilitário, pois neste caso, outros interesses, que não a procura do conhecimento poderiam sobrepor às indagações que o homem pode fazer sobre o objeto desejado. Há um entendimento que bombardeia nossos impulsos e que estimula nossa vontade. E esta é uma especificidade do conhecimento filosófico. A admiração, no entanto, só despertará o indivíduo para a filosofia se ele for capaz de indagar sobre seus conhecimentos e suas práticas. Se a admiração não servir para ampliar nossos horizontes, através de um questionamento, ela pode servir também para uma atitude alienante e dogmática, o que é o oposto do que se busca com a reflexão filosófica.

Portanto, diante do espanto as pessoas podem se render aos encantos e medos, despertando uma admiração ingênua, que torna o homem um ser passivo, ou ainda, um amedrontado que não questiona, não problematiza, e simplesmente admite que existem coisas desconhecidas, mas não se atreve a indagar sobre elas. A mesma admiração que é o ponto de partida para o exercício do filosofar pode ser um comportamento que preserva a ingenuidade e não leva ao questionamento. O que vai diferenciar é o modo como as pessoas reagem diante de questões que surgem a partir de nosso cotidiano. A reflexão filosófica é acessível a todos e em todas as etapas da vida, pois como afirmou o filósofo grego Epicuro (341-271 a.C.), fundador do Epicurismo, filosofia baseada na identificação do bem soberano como o prazer. Para ele, nunca se deve dizer que é cedo demais ou tarde demais para filosofar, pois dizer isso equivaleria dizer que a hora de desejar a felicidade ainda não chegou ou então que ela já passou.

14 de fevereiro de 2017

A FILOSOFIA NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

Há grande interesse de várias áreas de estudos pela filosofia, entre elas a pedagogia, a linguística, a psicologia, a biologia entre outras, no entanto, ainda para muitos alunos e para alguns profissionais destas áreas ela parece tão distante e complicada, deixando grandes dúvidas sobre sua importância para a formação do homem na sua totalidade. Na pedagogia que tem como objeto a educação, a filosofia tem grande valor, e é nesta perspectiva que este trabalho irá direcionar seu olhar. Ao fazer a leitura do texto: “A Contribuição da Filosofia para a Educação” do filósofo e educador Antônio Joaquim Severino, percebe-se que a filosofia e a educação são interligadas desde suas origens, e a ligação entre as duas é de extrema importância no momento de se refletir sobre a educação, mesmo que, a essa relação hoje seja vista de forma deturpada, separada, desvinculadas uma da outra o que tem dificultado muitos estudos nesta área. Pois se sabe que muitos dos problemas que se tem hoje no campo educacional, só pode ser resolvido a partir de uma abordagem filosófica.

Desde o século VI antes de Cristo, quando ocorreu o surgimento da filosofia, ela foi posta como uma nova ordem de pensamento. Nela, há liberdade de pensamento, portanto, torna-se uma tarefa impossível encontrar uma definição pronta. Encontraremos uma constante busca pelo aprender a filosofar. Como diz o filósofo alemão Emmanuel Kant (1724-1804): “não há filosofia que se possa aprender; só se aprende a filosofar”. O fato de amar a sabedoria é entendido como reflexão do homem acerca da vida e do mundo. Sendo assim, entenderemos que a filosofia não é o saber mesmo, ou seja, ciência e sabedoria ao mesmo tempo, e sim, o desejo, a procura por este saber.

A essência da filosofia é a procura do saber e não sua posse. Se for a procura e não a posse, podemos dizer que o trabalho filosófico é um trabalho de reflexão. A palavra reflexão vem do verbo latino “reflectere”, que significa voltar atrás. Filosofar, portanto, significa retomar, reconsiderar os dados disponíveis, revisar, examinar detidamente, prestar atenção e analisar com cuidado. Com efeito, entendemos que a filosofia é o meio pelo qual o homem se torna crítico, pois, é a partir do momento em que passa a pensar, a refletir, analisar os conceitos da sociedade, que se vê como um membro com possibilidade de viver e de alterar o funcionamento desta. Somente assim que conseguimos expor ideias novas e interagir sobre o meio em que vivemos.

No entanto, a filosofia afirma que é a partir do convívio e da ação do homem com e sobre a realidade, que ele se forma e se estrutura. Sendo assim, constata-se que o senso comum a respeito da educação é o de uma formação fragmentária, incoerente, desarticulada, enfim, totalmente desprovida de certeza. Historicamente, pode-se ver que a educação vem sofrendo modificações, as quais, por sua vez, visam torná-la mais adequada à realidade. Enquanto na consciência filosófica acontece o contrário, pois, é uma concepção com total coerência, unidade e articulação. E ainda fornece à educação uma reflexão sobre a sociedade na qual está situada.

Entretanto, compreende-se que a educação está aberta a questionamentos. Por isso, acredita-se que a filosofia é uma das muitas alternativas para se tentar pensar a educação como instrumento de transformação social. A reflexão filosófica sobre a educação é que da o tom a pedagogia, garantindo-lhe a compreensão dos valores que, hoje, direcionam a prática educacional e dos valores que deverão orientá-la para o futuro. Então, se constata que a pedagogia nada mais é do que uma concepção filosófica da educação, a qual deve ser exercida na práxis, para obter seus melhores resultados.

A relação da filosofia com a educação existe desde o mundo grego. Os filósofos gregos, em busca da virtude humana, foram os que deram início às discussões sobre a filosofia da educação e seu sentido no mundo. Pode-se dizer que a filosofia da educação surgiu do forte vinculo entre a filosofia e a pedagogia estabelecido no decorrer dos anos, pois a filosofia, preocupada com as formas do conhecimento perfeito, orientou o homem segundo a razão, inferindo um pensamento pedagógico que busca a perfeição. Presente na dicotomia e na relação que parece animá-la, a filosofia da educação na segunda metade do século XX tematiza o contraste entre cultura científica e cultura humanística.

A diversificação, bastante clara nos últimos anos, permeia de um lado a filosofia de cunho descritivo e, de outro, a filosofia de tipo histórico e ontológico. Todavia, a filosofia da educação, no seu acontecer histórico, esclareceu muitas dúvidas, contribuindo para transformações qualitativas na sociedade. Torna-se importante retomar e discutir o sentido do filosofar nos cursos de formação de professores, para que os futuros profissionais da educação possam atribuir novos significados às práticas docentes. Acredita-se que a filosofia leva ao trabalho de pensar, refletir, raciocinar e, assim, despertar o senso crítico e, consequentemente, auxiliar a construir uma nova visão de sociedade, onde, pressupõe-se que a educação é a principal responsável pelas transformações da mesma.

Portanto, a filosofia desperta no educador o interesse da busca de novos horizontes, neles tem a oportunidade de refletir sobre a educação, nesta visão consegue-se ultrapassar a mera busca de metodologia, didáticas e outros tipos de sistematização para a pratica educativa. Começa-se a pensar e a buscar soluções para as inquietações que surgem. A filosofia da educação torna-se importante neste sentido, pois é por meio dela que teremos oportunidade ou buscaremos conhecimentos que nos darão base para exercemos nossas profissões com responsabilidades. Todo educador deveria buscar estes conhecimentos e conhecer realmente o sentido de educação e sua relação com a filosofia. A reflexão filosófica sobre a educação é que da o tom a pedagogia, garantindo-lhe a compreensão dos valores que, hoje, direcionam a prática educacional e dos valores que deverão orientá-la para o futuro. Contudo, acredito que é essencial a busca pelo conhecimento filosófico, pois ele consegue envolver o educador plenamente na busca de resposta e de soluções em sua prática educativa.  

7 de fevereiro de 2017

DIFERENÇAS ENTRE MITO E FILOSOFIA

A civilização grega se desenvolveu na Península Balcânica, a mais oriental do sul da Europa, rodeada de inúmeras ilhas. Seu relevo montanhoso facilitou a formação de grupos humanos isolados e autônomos, como de fato foram às cidades-estados (as polis). A pouca fertilidade do solo acidentados foi compensada pela existência de ótimos portos naturais. Assim, os gregos puderam desenvolver a navegação e o comércio, vitais para garantir a sobrevivência e o enriquecimento das cidades-estados. A procura de terras férteis, o crescimento populacional e a necessidade de expansão comercial levaram à criação de muitas colônias nas regiões mediterrâneas.

Nos séculos VI e V antes de Cristo, as pólis conheceram o apogeu econômico, político e cultural. Foi exatamente nesse período glorioso que surgiu na cultura grega o confronto entre “mito e filosofia”. Tanto o mito quanto a filosofia são explicações que visam responder aos questionamentos sobre o sentido da vida, a natureza do homem e do universo, assim como justificar as normas políticas, éticas e religiosas da própria comunidade. Durante um longo período da história grega, a mitologia constituiu a fonte exclusiva de explicação para a existência do homem e de organização do mundo. A diferença específica entre mito e filosofia está no funcionamento de suas argumentações.

O mito é uma narrativa imaginária que estrutura e organiza de forma criativa as crenças culturais. As divindades constituíam os personagens que, pelas divergências, intrigas, amizades e desejo de justiça, explicavam tanto a natureza humana como os resultados das guerras e os valores culturais. A narrativa grega, apesar de fantasiosa, é impregnada de sabedoria e conhecimento das paixões humanas, dos problemas existenciais e da necessidade de leis que possibilitem a vida em comum. Devido ao desenvolvimento e aos contatos culturais com outros povos, decorrentes do comércio e da navegação, os gregos cultos sentiram necessidade de encontrar uma linguagem mais universal e rigorosa para justificar o universo e as próprias instituições.

Portanto, novos conceitos culturais, baseados na razão, formaram um sistema explicativo que substituiu as criações míticas. A tensão estava estabelecida. De um lado, os conservadores queriam manter o sistema explicativo do mito, muito mais popular e eficaz para preservar os seus privilégios. De outro lado, os filósofos, desejosos de mudanças, rejeitavam as explicações míticas e eram favoráveis às reivindicações dos membros das classes emergentes (os artesãos e os comerciantes), democratizando assim o sistema político. Contudo, a tensão entre mito e filosofia começa, mas não termina na Grécia antiga. Ela perpassa a história ocidental e continua de alguma forma até hoje.

4 de fevereiro de 2017

EDUCAR É TRANSFORMAR O EDUCANDO

Ensinar com alegria é amar o que faz. Mais do que ensinar é transformar uma criança em um “ser humano” feliz. Fala-se muito sobre o sofrimento do professor, como gosto de contrariar todos os argumentos que difundem as verdades pré-estabelecidas, aqui não será diferente. Ando sempre na direção oposta, e acredito que a verdade se encontra no avesso das coisas, quero falar sobre o contrário. A alegria de ser professor, pois o sofrimento desse profissional é semelhante às dores do parto. A mãe o aceita e logo dele se esquece, pela alegria de dar à luz a um filho. No livro: “O Jogo das Contas de Vidro”, do escritor alemão, Prêmio Nobel de Literatura em 1946, Hermann Hesse (1877-1962), no final, ao seu estilo de concluiu, fazendo um resumo da estória, está este poeminha do escritor e poeta alemão Friedrich Rückert (1788-1866):

Nossos dias são preciosos, mas com alegria os vemos passando se no seu lugar encontramos uma coisa mais preciosa crescendo; uma planta rara e exótica, satisfação de um coração jardineiro, uma criança que estamos ensinando, um livrinho que estamos escrevendo.” Este poema fala de uma estranha alegria que se tem diante da coisa triste que é ver os preciosos dias passando. O poema nos mostra que a alegria está no jardim que se planta, na criança que se ensina e a transforma, no livro que se escreve. Senti que poderia ter escrito este poeminha, pois gosto de plantar árvores, sou professor de filosofia e escrevo livros. Imagino que o poeta jamais pensaria em se aposentar. Como diz o nosso mestre, filósofo e educador Rubem Alves (1933-2014): “quem deseja se aposentar daquilo que lhe traz alegria?”

Da alegria não se aposenta. Algumas páginas antes o herói da estória havia declarado que, ao final de sua longa caminhada pelas coisas mais altas do espírito, dentre as quais se destacava a familiaridade com a sublime beleza da música e da literatura, descobria que ensinar era algo que lhe dava prazer igual, e que o prazer era tanto maior quanto mais jovem e mais livre das deformações da deseducação fossem os estudantes. Ao ler o texto de Hesse tive a impressão de que ele estava simplesmente repetindo um pensamento que se encontra em Friedrich Nietzsche (1844-1900), onde ele diz que a felicidade mais alta é a felicidade da razão, que encontra sua expressão suprema na obra do artista. Pois que coisa mais deliciosa haverá que tornar sensível a beleza? Mas esta felicidade suprema, ele acrescenta, é ultrapassada na felicidade de gerar um filho ou de educar uma criança.

Para melhor compreender, cito Zaratustra, profeta e poeta nascido na Pérsia em meado do século VII antes de Cristo, quando ele tinha 30 anos de idade deixou a sua casa e o lago que gostava de contemplar ao por do sol, para subir as montanhas. Ali ele gozou do seu espírito e da sua solidão, e por dez anos não se cansou. Mas, por fim, uma mudança veio ao seu coração e, numa manhã, levantou-se de madrugada, colocou-se diante do sol, e assim lhe falou: “tu, grande estrela, que seria de tua felicidade se não houvesse aqueles para quem brilhas? Por dez anos tu vieste à minha caverna: tu te terias cansado de tua luz e de tua jornada, se minha águia e minha serpente não estivessem à tua espera. Mas a cada manhã te esperávamos e tomávamos de ti o teu transbordamento, e te bendizíamos por isso. Eis que estou cansado na minha sabedoria, como uma abelha que ajuntou muito mel; tenho necessidade de mãos estendidas que a recebam. Mas, para isso, tenho de descer às profundezas, como tu o fazes na noite e mergulhas no mar. Como tu, também deve descer. Abençoa, pois, a taça que deseja esvaziar-se de novo”.

Assim se inicia a saga de Zaratustra, com uma meditação sobre a felicidade. De modo que a felicidade começa na solidão: “uma taça que se deixa encher com a alegria que transborda do sol. Mas vem o tempo quando a taça se enche. Ela não mais pode conter aquilo que recebe. Deseja transbordar”. Acontece assim com a abelha que não mais consegue segurar em si o mel que ajuntou; acontece com os seios da mãe, turgido de leite, que precisa da boca da criança que o esvazie. A felicidade solitária é dolorosa. Zaratustra percebe então que sua alma passa por uma metamorfose. Chegou a hora de uma alegria maior. A de compartilhar com os homens a felicidade que nele mora. Seus olhos procuram mãos estendidas que possam receber a sua riqueza. Zaratustra, o sábio, se transforma em mestre. Pois ser mestre é isso: “ensinar a felicidade”. Cabe aos alunos ter autonomia intelectual para encontrá-la.

Por conseguinte, muitos professores retrucarão, dizendo a felicidade não é a disciplina que ensino. Ensino ciências, literatura, história, matemática, etc. Será que esses mestres não percebem que essas coisas que se chamam “disciplinas”, e o que eles devem ensinar nada mais são, que taças multiformes coloridas, que estão cheias de alegria. Pois o que os professores ensinam não é um satisfação para a alma? Se não fosse, eles não deveriam ensinar. E se é, então é preciso que aqueles que recebem, no caso os alunos sintam o mesmo prazer de quem ensina pensando na transformação que isto lhe trará. Se isso não acontecer o professor terá fracassado na sua missão, como o cozinheiro que queria oferecer prazer aos convidados, mas a comida saiu salgada e queimada. O mestre nasce da exuberância da felicidade. E por isso mesmo, quando perguntados sobre a sua profissão, os professores deveriam ter coragem para dar a absurda resposta: “sou um educador que transforma a arte de ensinar em alegria de aprender”. Como diz a filósofa e educadora Terezinha Rios: “nós não somos imortais, mas podemos ser eternos”. 

2 de fevereiro de 2017

DIRETRIZES DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

Uma visão panorâmica do inicio da filosofia defendida pelo filósofo grego Górgias de Leontino (485-375 a.C.). Para ele existe três proposições que nortearam sua filosofia. A primeira: é que nada existe. Segundo: mesmo que existisse alguma coisa, não poderíamos conhecê-la. E terceiro: concedido que alguma coisa existe e podemos conhecê-la, não poderíamos comunicá-la aos outros.

Consta que o próprio Górgias não levou a sério suas proposições e muitos estudiosos a consideram um simples gracejo. Mas elas existem há vinte e quatro séculos e nos estimulam a refletir. Se o cético afirma que não se pode saber nada, então lhe perguntamos: como pode ele fazer tal afirmação? Está ele certo da verdade da sua proposição? Se ele está certo, uma coisa pelo menos é certa e cognoscível, e a afirmação de que nada pode ser conhecido é falsa. E se pode ser conhecida, então alguma coisa também deve existir.

Entretanto, narra-se que um cético, filósofo grego Crates de Tebas (365-285 a.C.), ao perceber isso, nada mais dizia, contentando-se em mover o dedo. Mas Aristóteles (384-322 a.C.), o grande mestre do pensamento, notou que também para isso ele não tinha direito, porque o movimento do dedo exprime uma opinião e o cético não pode ter opinião. Dizia Aristóteles que ele deve ser como uma árvore; com essa é impossível discutir, porque ela nada diz.

Portanto, vale lembrar, que Górgias era cético, pertencia à corrente do ceticismo, um sistema filosófico fundado pelo filósofo grego Pirro (318-272 a.C.), que tem por base a afirmação de que o homem não tem capacidade de atingir a certeza absoluta sobre uma verdade ou conhecimento específico. No extremo oposto ao ceticismo como corrente filosófica encontra-se o dogmatismo. Por conseguinte, o dogmatismo é uma espécie de fundamentalismo do senso comum. Os dogmáticos expressam verdades talvez não certas, indubitáveis e não sujeitas a qualquer tipo de revisão ou crítica. Dogmatismo é uma atitude espontânea que temos desde criança de expressar através do senso comum. É uma tendência para acreditar que o mundo é da maneira que aprendemos e acreditamos que seja assim mesmo. Contudo, a verdadeira sabedoria passa em algum momento pelo desprezo das pessoas a nossa volta.   

AS COISAS SÃO OS NOMES QUE LHE DAMOS

O que é que você está fazendo com a sua solidão? Quando você a lamenta, você está dizendo que gostaria de se livrar dela, que ela é um sofri...