29 de janeiro de 2017

PARA ALÉM DA FILOSOFIA ESTÁ O AMOR

O amor está presente no nascimento da filosofia. No período clássico da Grécia antiga, o amor é uma das questões mais importantes. Podemos dizer que a filosofia começa com a descoberta do amor. O amor é o que nos faz pensar. Na base do amor está o espanto, o encantamento. Quando estamos encantados por uma pessoa ela torna-se o nosso Guru. Quando juntos sentimo-nos iluminado. Sua presença nos acende, produzindo um brilho intenso. No entanto, para os filósofos antigos, o amor não era uma palavra complexa, mas três palavras que determinava a complexidade deste sentimento: “Eros, Philia e Ágape”. Cada uma delas tenta designar um sentimento que é bem maior que a própria palavra contida no verbo amar. O sentimento nunca é simples, a palavra que o batiza também não o é.

Entretanto, Eros é o amor como desejo. Na obra de Platão trata-se de um sentimento que compõe a própria filosofia, o modo como se pode pensar a vida. Não apenas desejo do belo, ou o corpo do outro, anseios de alegrias carnais, mas, sobretudo, o sentimento que compões o desejo de saber o que está para além do corpo. Quando se ama alguém, do ponto de vista platônico, se ama o que está além do que se vê. Ama-se, inclusive, o que não se vê. Por isso, a curiosa expressão “amor platônico” tem uso corrente em nosso vocabulário. Com ela procuramos expressar o amor que vive de ser teoria sobre si mesmo. Ele se auto-alimenta. É uma espécie de amar como verbo intransitivo. Um tema muito debatido pelo poeta Mário de Andrade (1893-1945): “Amar, Verbo Intransitivo”, um romance modernista publicado em 1927.

Pode-se dizer que é um amor sem prática, pura admiração, pura imaginação e contemplação. Sinto o que não vejo acontecer, é o termo pelo qual se traduz a palavra teoria. Podemos dizer que o amor platônico é um amor teórico, um amor que se compraz em ver, olhar, pensar no que se vê. O que se vê, porém, não corresponde aos olhos do corpo, mas aos olhos da alma. Quando a palavra filosofia foi forjada no século V antes de Cristo, na escola pitagórica, ela se referia ao grupo de filósofos reunidos na prática de uma vida contemplativa, uma vida em nome da sabedoria. A filosofia era uma prática de vida que se realizava entre amigos. Pessoas que se reuniam por amor ao saber.

De modo que a palavra Philia significa amizade, isto é, a filosofia é uma espécie de amizade pela sabedoria. A amizade é próxima do desejo, pois ambos querem chegar ao mesmo lugar que é o bem maior. Apenas é um pouco diferente de Eros, pois na Philia a racionalidade exerce sua força. Ela designa um passo além do desejo enquanto este é fortemente platônico e contemplativo. Na amizade constitui-se um laço que vai além do contemplativo, ainda que dele precise, e que ele permaneça em sua base. Todavia, o que queremos de um amigo é ficar perto por admiração e respeito. Ao mesmo tempo a amizade envolve a noção de companheirismo, de estar junto do outro. O amigo é aquele que se une ao outro em nome de algo comum, ou seja, compartilham interesses comuns.

Porém, Ágape era o amor que se tinha por tudo o que existia. Era o amor desinteressado, o amor pela vida. Sobretudo, Ágape define um amor natureza, é o amor altruísta. Amor que envolve uma determinada compreensão do mundo como morada do humano dentro do cosmos, como ordem da natureza e da cultura. Os gregos acreditaram no amor como uma potência essencial a tudo o que existia, assim como o cristianismo primordial. Como poderíamos hoje retirar o amor da banalização à qual foi lançado e restituir seu sentido maior, aquele que leva à liberdade humana? A resposta a esta pergunta exige do próprio amor. Dizer sobre o amor em tempos de ódio é um gesto anacrônico. Um gesto anormal, fora de época. Por outro lado, para quem se coloca a pergunta “o que é o amor?” Do ponto de vista da filosofia, a resposta pode ser a mais animadora: “o amor é um calor que aquece a alma”.

Portanto, o amor pode ser pensado como a capacidade humana do enlace, da união, da relação com a vida, a natureza, a espécie humana, com uma causa privada ou pública; como no famoso texto de “Coríntios 13”, o amor pode ser a capacidade de tudo aceitar, esperar e suportar, ou o que, no “Evangelho de João”, deveríamos oferecer uns aos outros junto com nossas vidas, se fôssemos verdadeiramente amigos, se aceitássemos a ideia de que o amor é um mandamento. Como para o existencialista, filósofo e teólogo dinamarquês Soren Kierkegaard (1813-1855), que no século XIX, escreveu “As Obras do Amor”, para quem o amor poderia ser um pleno cumprimento da lei, uma questão de consciência. O amor é amor pelos outros (a caridade cristã, Ágape em grego): amor sem interesses. Quase nem nos parece amor. Não sabemos pressentir ou desfrutar do amor no silêncio do outro. Há um diálogo espiritual que não percebemos. Não aprendemos a viver com essa definição. Contudo, encerro essa reflexão com um provérbio chinês que preconiza o amor para além da filosofia: “O ontem é história, o amanhã é um mistério, mas o hoje é uma dádiva, por isso que se chama presente”. 

26 de janeiro de 2017

AFINANDO A PROSA

Uma das coisas que mais gosto na vida, entre fazer amigos, é conversar e a outra é escrever. Tive um processo de letramento marcado por bons mestres, que produziu em mim um leitor e neste processo de leitura, produziu um cidadão e um exímel professor de filosofia. Podemos aprender de muitas formas, segundo os mestres que tive. Aprendi muito com pessoas relativamente simples, cada uma ao seu modo. Uma delas foi a minha mãe, uma senhora analfabeta que viveu cento e seis anos no melhor da sua saúde. Era portadora de uma profunda sabedoria, a ponto de compreender que a velhice para quem não lê é muito solitária. Ela sentia falta desse hábito. No entanto, li obras que me obrigava a ir ao dicionário, expandir a imaginação, cheguei a pensar na possibilidade de um mundo alternativo. A minha imaginação foi poderosamente incentivada e estimulada por estas obras.

Autores geniais me tiraram da mediocridade e me lançaram no universo do conhecimento, que foi para mim uma nova descoberta. Pude viajar no tempo e no espaço num período de longa duração, talvez para sempre e cada vez mais longe, alcançando novos horizontes. Através da filosofia fui aberto para o mundo que me tornou um cidadão do mundo com uma curiosidade imensa. Procuro sempre ler e estar atualizado com os fatos e  isso me ajuda a vencer as dificuldades da vida. Assim como também, escrever para o Blog. O melhor roteiro é ler e praticar o que lê. O bom é produzir sempre e não deixar a vida passar pelos anos e muito menos deixar escorrer pelos dedos. Escrevo como se estivesse conversando com cada um dos meus leitores. Ao longo desses seis anos de existência do Blog, já são quatrocentos textos postados. Tenho um livro publicado, graças à colaboração de uma pessoa muito especial, que mora até hoje no meu coração. Nunca vou esquecer o que ela fez e significou para mim. Tenho mais três livros prontos para ser publicados ainda este ano.

Aprendi com a educação e a cultura que herdei da minha bondosa mãe, que foi na verdade, procurar sempre pautar as minhas relações no respeito e a ser uma pessoa cada vez mais humana, nesse projeto de humanidade que Deus nos confiou. Portanto, sou uma pessoa feliz por poder levar a vida entregando-me a algo que da prazer, que é escrever. Pouquíssimas pessoas podem fazê-lo. O meu estilo é mostrar a fisionomia da alma. Ela é menos enganosa do que o corpo que mostramos. De modo que, quem quiser escrever para bons leitores é necessário que a tua alma seja uma antena ultrassensível que apanhe as mais ligeiras ondas espirituais que percorrem pelo universo humano. É necessário saber cristalizar em ideias conscientes a inconsciente atmosfera das almas que te cercam. Dizer ao leitor o que ele já sabia nas penumbras do seu "eu interior", mas não sabia trazer a luz meridiana da consciência vigilante. De modo que o escritor faz nascer o que já era concebido e andava em gestação. Entendo que o escritor seja aquele intérprete consciente da "subconsciência universal". Um escritor que possui um amigo para ler seus escritos pode dizer que possui duas almas. 

Continuo escrevendo por uma razão muito simples. Por achar que ainda tenho algo a dizer. Escrevo como se tivesse uma necessidade de explicar o mundo. O escritor não precisa ter a missão de salvar o mundo, mas deve cultivar a responsabilidade de ser honesto consigo mesmo e com os seus leitores, pois um dia seus escritos podem ser lidos por pessoas que gostem de suas ideias. Que através do que o escritor escreve, possa promover mudanças em nosso modo de pensar o mundo e de nossos valores. Como educador tento não fazer nada na vida que venha a envergonhar a criança que já fui um dia. As palavras contidas nos textos que escrevo, estão sempre ali à espera de uma voz que as despertem. Isto é, estão ali para ser acordadas. Ao olhar para alguém que leu o meu Blog, sinto uma emoção que não pode ser traduzida em palavras. Digo a mim mesmo, faça alguma coisa que sirva para alguma coisa que seja útil para alguém. Por isso escrevo. Pois, não tenho a tranquilidade de achar, como os estúpidos que texto complicado é problema do texto ou do autor. Sou o que escrevo e do jeito que escrevo. Só tenho certeza de uma coisa, o que escrevo é melhor do que eu. O que escrevo quero que venha a somar de alguma forma na vida de quem lê.

Portanto, tive que achar um nicho na humanidade que é ser professor de filosofia, não só um título justo, mas um título tecnicamente simpático, porque cabe aos grandes filósofos do porte de: Immanuel Kant (1724-1804), Arthur Schopenhauer (1788-1860), Rubem Alves (1933-2014), Friedrich Nietzsche (1844-1900) e tantos outros, cujo a lista é estença. Cabe a eles criar ideias e a nós professor ensiná-las. É uma posição bonita que vai criar algo com os alunos, mas, que cria também ideias a partir dos textos lidos. É quase inacreditável o quanto a frase escrita pode acalmar e domar o ser humano. Um texto sem alma não se sustenta, não sobrevive. Não pode comover e, portanto, não pode criar nenhum laço minimamente catártico com o leitor. Um bom diálogo através da linguagem escrita é como pulsar no amor; tem que ter ritmo, sedução e ser envolvente. Razão pela qual aceitei o desafio de ensinar filosofia para criança numa grande "Instituição Educacional" da nossa região. De coração agradeço aos diretores, coordenadores, corpo docente e os pais que me confiaram esta nova empreitada, será mais um desafio para a nossa van filosofia. Sempre desconfiei que as crianças fossem nossos melhores filósofos. Só tenho a agradecer a Deus pela oportunidade oferecida neste ano que se inicia. Contudo, aprendi através do amor, que dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos. 

20 de janeiro de 2017

AQUELA PARTE DE NÓS

Há um momento em nossa vida que acreditamos que tudo está sob nosso controle. Trabalhamos na carreira dos nossos sonhos. Parece que todo mundo é capaz de dominar uma dor, exceto quem a sente. Achamos que nossos filhos passam por uma adolescência normal, sem precisar de nós. Pura ilusão! Às vezes acordamos de manhã, nos sentindo completamente infelizes. Temos a sensação de ter sido um péssimo pai ou mãe. Sentimos completamente incapazes de compensar nossos filhos pelos anos de loucura a eles infligidos. Quem olha de fora acha que realmente nós temos tudo para ser feliz. Contemplamos a exuberante beleza da natureza, sentimos que estamos em comunhão com o mistério da vida. Quando olhamos para a beleza de uma criança ou idoso é a face visível de Deus que vemos.

Na luta diária nos convencera de que os outros tinham razão. A sensação de tristeza, confusão e desespero começaram a crescer como um fungo irritante em nossas mentes. Passamos a ser ríspidos com os outros. Perdemos a parte da cabeça que nos faz negar os fatos durante grande parte da nossa vida. É o que chamam de insanidade temporária. Aquela parte de nós que continua a se preocupar, que vive na dúvida, que é cheia de receios, que julgam os outros que tem medo de confiar, que precisa de provas, que acredita apenas quando lhe convém, que não consegue dar continuação às coisas, que se recusa a praticar o que prega e que precisa ser salvo, que quer ser vítima, que dá verdadeiras surras no “Eu interior”, que precisa estar certo o tempo todo e que insiste em se agarrar àquilo que não funciona.

Estranho seria olhar para essa parte nossa que se apresenta e não reconhecer que é neste coração, nesta vida, que habita a melhor parte de nós. Sendo que uma parte de nós é todo mundo; a outra parte é ninguém, pelo menos que o conhecemos. Há uma outra parte que anda por aí entre a multidão. Que se revela estranha para nós e que a chamamos de solidão. A parte nossa que se apresenta, pesa, pondera, enquanto a outra parte delira e se espanta com a nossa reação. Às vezes somos permanentes e a outra parte de nós nos surpreende de repente. Somos vertigem enquanto a outra parte é linguagem. Como diz o poeta e ensaísta brasileiro Ferreira Gullar (1930-2016): “Traduzir-se uma parte na outra parte, que é uma questão de vida ou morte, será arte?”.

Portanto, a vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos. Com o tempo, nós percebemos que para ser feliz com outra pessoa, precisamos em primeiro lugar, não precisar dela. Percebemos também que aquele alguém que amamos pode ser definitivamente a pessoa da nossa vida. Porque só o amor faz as pessoas evoluírem espiritualmente. A capacidade de sentir amor é que faz a pessoa melhorar como ser humano. Tem coisas que atravancam a nossa vida e aquela parte de nós consegue superar aquele desencontro. Porque só o amor vai nos fazer melhor. O segredo é não correr atrás das borboletas e sim cuidar do jardim para que elas venham até nós. Contudo, no final das contas, essa parte de nós vai achar não quem estamos procurando, mas quem está nos procurando. Aquela parte de nós sabe onde encontrar a parte que nos completa. Abram-se, algo muito maior do que pensam está acontecendo em nós.  

14 de janeiro de 2017

VOLTANDO A ENSINAR COM A MESMA ALEGRIA

Sempre achei que o propósito dos professores era ensinar a felicidade. Mas, não conheço nenhum aluno que concorde com isto. Pelo simples momento que atravessa a nossa educação, fica difícil acreditar nessa tal felicidade. Se os alunos já tivessem aprendido as lições da política, me acusariam de porta voz da classe dominante. Pois, como todos sabem, mas ninguém tem coragem de dizer, que toda escola ou universidade tem uma classe dominante e uma classe dominada: a primeira, formada por professores e gestores, é quem detém o monopólio do saber, e a segunda, formada pelos alunos, que detém o monopólio da ignorância, e que deve submeter o seu comportamento e o seu pensamento aos seus superiores, se desejar passar de ano. Basta contemplar os olhos amedrontados das crianças e os seus rostos cheios de ansiedade para compreender que a escolha lhe traz sofrimento. Se fizermos uma pesquisa entre os alunos sobre as suas experiências de alegria na escola ou na universidade, eles terão muito que falar sobre as amizades e companheirismo entre eles, e serão poucas as referências à alegria de estudar, compreender e aprender.

A classe dominante argumentará que o testemunho dos alunos não deve ser levado em consideração. Eles não sabem o que dizem. Quem sabe são os professores e os gestores. Acontece que os alunos não estão sozinhos neste julgamento. Não me espanto, portanto, que o aluno tenha aprendido tão pouco na escola e muito mais fora dela. É de fato, difícil amar as disciplinas representadas por rostos e vozes que não querem ser amados. Concordo com o escritor e dramaturgo Paul Goodman (1911-1972) na sua afirmação de que a maioria dos estudantes nos colégios e universidades não deseja estar lá. Estão lá porque são obrigados. Poderá haver sofrimento maior para uma criança ou um adolescente que ser forçado a mover-se numa floresta de informações que ele não consegue compreender, e que nenhuma relação parece ter com sua vida? Nota-se que sua inteligência foi intimada pelos professores e, por isto, ficou paralisada.

Nenhum profissional da educação pensou em avaliar a alegria dos estudantes. Porque a alegria é uma condição interior, uma experiência de riqueza e de liberdade de pensamentos. Como dizia o filósofo e educador Rubem Alves (1933-2014): “a educação, fascinada pelo conhecimento do mundo, esqueceu-se de que sua vocação é despertar o potencial único que jaz adormecido em cada estudante”. Daí o paradoxo, quanto maior o conhecimento, menor a sabedoria. O poeta e dramaturgo inglês Prêmio Nobel de Literatura, Thomas Stearns Eliot (1888-1965), fazia esta terrível pergunta, que deveria ser motivo de meditação para todos os professores: “onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?”

Portanto, educar tem uma coisa chamada vivência compartilhada. A criança é um ser que aprende a linguagem, a leitura e a escrita como mediação para sua humanização. O ofício de ensinar não é para aventureiros. O professor que traz consigo a alegria de ensinar é capaz de dizer aos seus alunos: “posso fazer de vocês melhor do que eu, pois, não tive professor tão bom quanto sou para vocês”. Contudo, nós professores somos pastores da alegria, e que a nossa responsabilidade primeira é definida por um rosto que nos faz um pedido: “por favor, me ajude a ser feliz”.

11 de janeiro de 2017

SONHO ARRANCADO E CORAÇÃO DESPEDAÇADO

Quem nunca sonhou e apostou na esperança do mesmo? Quem nunca teve um sonho arrancado ou interrompido? São frutos do acaso ou tem uma causalidade? Para compor essa reflexão, recorro à metáfora poética das palavras. No “poema à boca fechada” do escritor português Prêmio Nobel de Literatura José Saramago (1922-2010), descreve como ficamos quando um sonho nos é tirado: “Arranca metade do meu corpo, do meu coração, dos meus sonhos. Tira um pedaço de mim, qualquer coisa que me desfaça. Recria-me, porque eu não suporto mais pertencer a tudo, mas, não caber em lugar algum”. É como se fossemos um oceano e de repente uma de suas ilhas começa a afundar. Como ficarão seus habitantes? Sendo que na ilha por vezes habitada do que somos, há noites, manhãs e madrugadas em que não precisamos morrer. Então sabemos tudo do que foi e será. Sabemos o que é viver, mas, ainda falta compreender o porquê não vivemos plenamente.

A ilha aparece explicada definitivamente e entra em nós uma grande serenidade, pois as palavras dizem o que significa a ilha para o oceano. Neste momento levantamos um punhado de terra e apertamos nas mãos com doçura. Aí se contém toda a verdade suportável: “o contorno, à vontade e os limites”. Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o sorriso de quem se reconhece e viajou a roda do mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos ossos. Libertemos devagar os sonhos da terra onde acontecem milagres como a água, a pedra e a raiz. Neste sonho cada um de nós é por enquanto a vida. Esta vida que inapelavelmente, pétala a pétala, vai desfolhando o tempo, e parece, no passar desses dias, ter parado no sonho que foi desfigurado.

Nós temos sempre necessidade de pertencer a alguma coisa; e a liberdade plena seria a de não pertencer à coisa nenhuma. Mas como é que se pode não pertencer à língua que se aprendeu, ou à língua com que se comunica, e neste caso, a língua com que se escreve? No fundo queremos pertencer a esse sonho. Todos têm um sonho secreto. Sabe qual é meu sonho secreto? Que um dia as pessoas percebam que poderia ter aproveitado melhor a minha companhia. Que um dia imaginem o quanto teria sido ótimo estar ao meu lado. Olhe para o lado, alguém precisa de você. Abasteça seu coração de fé, não a perca nunca. Mergulhe de cabeça nos seus sonhos e satisfaça-os.  

Portanto, há na memória um rio onde navegam os barcos com todos os sentimentos vindo desta ilha. Que venha a paz desejada, a harmonia, e o resgate do fruto, e a flor das almas, que assistiram este sonho nascer. Que venha o amor, porque esses dias são de morte cansada, de raiva e agonia, pelo meu sonho que se perdeu nesta ilha. Mesmo assim lhes digo: procure os seus caminhos, mas, não magoe ninguém nessa procura. Arrependa-se, volte atrás, peça perdão! Não se acostume com o que não o faz feliz, revoltem-se quando julgar necessário. Alague seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas. Persiga seus sonhos, mas, não os deixem viver sozinho. Descubram-se todos os dias, deixe-se levar pelas vontades, mas não enlouqueça por elas. Sempre procure o fim de uma história, seja ela qual for. Dê um sorriso para quem esqueceu como se faz isso. Haverá um grande silêncio primordial quando as mãos se juntarem às mãos. Sonhar é caminhar juntos, de mãos dadas para além do horizonte.

8 de janeiro de 2017

DA ÁRVORE VEM A FLOR E DO ESPÍRITO O AMOR

Gostaria de ser um feiticeiro ou bruxo, aquele que enxerga através das sombras do inconsciente. Como não sou, escrevo. O escritor brasileiro Guimarães Rosa (1908-1967) reconhecia que poesia e magia eram irmãs, e confessava abertamente ser um alquimista que trabalhava com o sangue do coração humano. E acho mesmo que foram seus sucessos alquímicos que o levaram à morte aos 59 anos. Deus percebeu que, se ele vivesse um pouco mais, acabaria por descobrir o segredo do poder divino de falar e fazer acontecer, que é a essência da magia. Feiticeiros são aquelas pessoas que carregam o poder de falar e fazer acontecer, trazem o poder da magia nas palavras. Se alguém duvida que o escritor seja um feiticeiro que se entrega ao prazer supremo de escrever, leia o poeta e escritor português José Saramago (1922-2010). Eu ficava angustiado só de pensar na possibilidade da sua morte. Infelizmente ele faleceu no mesmo ano que minha mãe (2010). Para mim se Saramago parasse de escrever, ficaria para sempre triste, pensando no mundo fantástico, que moravam na sua alma e que não tiveram tempo de nascer.

Talvez seja esta a razão por que Deus criou o mundo, só para ter o prazer de ler os livros que o coração bruxo é capaz de escrever. Porque as histórias não são invenções dos homens, não lhes pertencem. Flutuam livres no espaço como o vento, e vão aparecendo aqui e ali, e se deixam contar de diferentes formas, como se fossem variações de um tema eterno que a ninguém pertence e que pertence a todos. Uma estória que marcou muito para mim, foi contada pelo escritor colombiano, Prêmio Nobel de literatura, Gabriel García Márquez (1927-2014), sob o título: “O Afogado Mais Lindo do Mundo”. Ele mistura ficção com realidade, uma estória fantástica que vou contar. Conta-se que numa aldeia de pescadores perdida no fim do mundo, onde a vida tinha sido engolida pelo tédio, e tudo era o mesmo, e se sabia de antemão o que cada um iria falar, os homens e as mulheres enfadados do amor, pois dele se haviam esquecido, e viver não era melhor que morrer.

Foi então que apareceu na praia um corpo de um afogado. Tinha que ser enterrado. E o costume era que as mulheres preparassem os cadáveres para a sepultura. E foram isto que fizeram os homens de fora, por medo da morte, as mulheres lá dentro, limpando aquele corpo das algas e das coisas verdes do mar. E o silêncio era grande porque sobre o morto desconhecido não há o que falar. Até que uma delas notou que ele era alto demais, e comentou que se ele tivesse vivido na aldeia teria de ter abaixado sempre a cabeça para entrar em suas casas. No que todas concordaram. Foi então que outra olhou para sua boca silenciosa, e perguntou a todas sobre as palavras que dela teriam saído. Seria como o barulho das ondas ou como o sussurro da brisa? E os seus corpos arrepiaram, só de pensar no seu sopro quente aos seus ouvidos e sorriram. E se ouviu então a voz de uma terceira que falava sobre aquelas mãos inertes, tão grandes. Teriam sido ternas? Teriam sabido agradar e acariciar? Teriam sabido abraçar? E todas riram.

Os maridos, de fora, perceberam que o corpo morto do afogado tinha um poder sobre o corpo vivo de suas mulheres que nem mesmo eles possuíam. Quem estaria mais morto? E tiveram inveja do morto com quem sonhavam e seus corpos ficaram mais altos, seus rostos, mais francos, suas mãos, mais bonitas. Termina a estória dizendo que finalmente enterraram o morto. Mas a aldeia nunca mais foi à mesma. No evangelho tem a lenda de um tanque mágico. Vez por outra, inesperadamente, um anjo descia dos céus e agitava as águas. O primeiro a entrar na água ficava curado. Da árvore brota a flor e através do espírito vem o amor. Vez por outra, inesperadamente, essa flor cai, e aquele que apanhar e presenteá-la a um espírito será agraciado pelo amor.

Por conseguinte, conta-se também de outro morto que volta quando se come o pão e se bebe o vinho. Segundo se acredita, quando isto acontece os velhos viram crianças, os pesados se põem a voar, os esquecidos do amor se põem a amar, os mortos voltam a viver. Fico no meu canto, rindo, imaginando o prazer do feiticeiro que, malicioso, bolou todas estas coisas, contando a mesma estória da terra onde o nunca é sempre, pensando que talvez, os moradores de outra aldeia, assentados diante da televisão, criarão coragem, e as mulheres comerão da flor e se esquecerão de vassouras e Shopping Centers para ficar mais bonitas e os homens, políticos corruptos, políticos tolos, educadores domesticados, avarentos mesquinhos. Enamorar-se-ão da lua, ficarão leves e aprenderão a voar nas asas do amor.

7 de janeiro de 2017

EU SOU ASSIM MESMO E PARA QUEM EU SOU?

A pessoa que ficar na afirmativa: “eu sou assim mesmo”, sempre vai achar uma justificativa para escapar do seu egoísmo. Está explícito nesta frase, toda a sua arrogância e prepotência. Tipo: “quem quiser que me ame como eu sou”. Essa pessoa está fechada para o amor. Ao contrário da pergunta para quem eu sou? Com efeito, começamos a enxergar a possibilidade de amar. Ficar na afirmativa eu sou assim mesmo, nunca vamos conseguir amar ninguém. O máximo que vamos conseguir é se amar no outro, isto é, usar o outro para me amar. Por que amamos uma determinada pessoa e não a outra? É porque aquela pessoa me faz feliz. Onde está o centro? Veja, aquela pessoa me faz feliz, me faz realizada, me compreende, está sempre a minha disposição nas horas que preciso. Então, quem é o centro?  

Isto não é amor, e sim egoísmo, é usar uma pessoa para satisfazer-me. Isto é apenas gostar do outro. De modo que, a diferença entre amar e gostar de uma pessoa está na percepção que tenho dela. Gostar é vê-la como um objeto de uso pessoal, como um sapato, uma roupa, que quando não servir mais jogo fora. Estamos coisificando o outro, aqui não há relacionamento interpessoal. Eu simplesmente me basto. Porque o gostar está fora de si, jamais vamos amar um sapato ou uma roupa. São objetos para meu uso pessoal. Então, não é assim que a sociedade faz conosco? Somos o tempo todo usados e manipulados por falsas ideologias, além de pessoas maldosas ao nosso lado.

Não queremos ficar sozinhos e aí buscamos alguém para preencher esse vazio, mas, também não queremos compromisso. Com efeito, quero alguém para gostar em quanto me servir. Nesse sentindo, é comum na família um usar o outro. Uma família que não supera o: “eu sou assim mesmo”, “para quem eu sou” não conseguem se amar. Um casal que não chegar à experiência de para quem nós somos não se realizará no amor pleno. No entanto, qual a maior fonte de tristeza e doenças para o ser humano? É lamentável constatar que ainda hoje com todos os meios de comunicação, a maior fonte de tristeza e doenças está na família. É na família o lugar onde menos se conversa e menos se respeita. Dizem que a família é a “célula mater” da sociedade. Então, como explicar as razões de tanta violência em nossa sociedade? As famílias se amam eventualmente e se trai sistematicamente.

Por isso ela tornou-se a maior fonte de desgraça e doenças do mundo moderno. Todos vêm de uma família. Uma soma espantosa de casais que estão contaminados por um vírus mortífero, começando pela falta de amor entre ambos, até chegar às doenças mais graves de ordem psicossomática. O tédio da vida sem graça e sem estimulo. O casal que deveria ser o santuário de amor e vida, agora virou o túmulo da morte. Morreram um para o outro e ainda não desconfiaram. Vivem como múmias ambulantes. Para constatar faça uma enquete com a seguinte pergunta: “quais foram às pessoas que mais te machucaram?” São aquelas que estão próxima e diz que te ama. Não há algo de errado nisso? Como posso amar e machucar ao mesmo tempo?

A começar por pessoas muito próximas e íntimas de nós como: “pai, mãe, marido, esposa, filhos, irmãos, sócios, namorados” e por aí vai. Como diz o cantor e compositor Caetano Veloso (1942): “de perto ninguém é normal”. Convive muito tempo com alguém, logo descobrirá suas manias e defeitos. Se ficarmos no campo do eu sou assim mesmo, qualquer coisa que o outro fizer vai nos ofender. Agora se jogarmos essa pergunta para os nossos relacionamentos, para quem nós somos, teremos outra postura. No entanto, não podemos deixar que nada machuque esta verdade absoluta, que é o amor que sentimos. Só assim é possível amar, ao contrario do: eu sou assim mesmo, nunca vamos atingir a satisfação plena desse amor. Amo o que o outro é para mim, e não a pessoa que ele é. O meu juízo de valor neste caso está equivocado.

Entretanto, o amor mais lindo do mundo vai se transformando em desgraça. Por que Caim matou Abel? Porque ele não perguntou para quem nós somos. Seu egoísmo não deixou enxergar Deus no seu irmão. Sentiu-se ofendido por Abel, logo o matou. Amor egoísta é capaz de matar o outro por rancor e ódio. Ofendeu a mim? Então, começo acumular magoa, acumular ressentimentos, tristeza, porque a pessoa ofendeu-me. Enquanto ficarmos nessa, não saímos dessa. A pessoa não vai ser feliz, não vai conseguir amar de verdade. Vai tornar-se uma pessoa doente e queixosa de difícil relacionamento. Sempre reclamando, não está feliz com nada. Converse com uma pessoa com depressão, logo percebe a causa, vida sem graça e sem sentido. Usa uma mascara para disfarçar. Põe um sorriso de fotografia no rosto e continua a vida, mastigando a coisa meio azeda e meio amarga. Racionaliza os conflitos.

Portanto, para o cristão sem Deus é impossível amar. O evangelista do amor São João diz: “caríssimos irmãos, amemos uns aos outros porque o amor vem de Deus, todo aquele que ama é nascido de Deus e o conhece. Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor". Ora, sem Deus não existe amor. Amar é dar Deus para o outro. Amar é estar juntos nos braços da divindade. Então, por que vou brigar com quem eu amo se ele também é de Deus? Contudo, aquela pessoa que você ama se não der Deus a ela e vice e versa, esse amor vai acabar. Não tem coisa mais dolorida no mundo que o amor que acabou. Nada machuca mais, nada fere mais. Sendo que um inimigo pode nos fazer muito mal, mas só um amigo pode nos destruir, porque ele nos conhece. Só ele pode destruir a imagem que temos de nós. Infelizmente vivemos de imagem, por isso os outros tem poder sobre nós. Contudo, pai e mãe querem dar um futuro garantido para seus filhos? Então, comece a dar pela metade os bens materiais que vem dando e comece a dar em dobro o tempo e o amor que não vem dando. Estará formando e educando pessoas para o mundo, “para quem eu sou”. Só assim teremos seres humanos, genuínos, autênticos, plenos de amor e bondade.

POEMA INSTANTE DO POETA JORGE LUÍS BORGES

Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais. Seria ...