29 de abril de 2017

O QUE ACONTECEU COM O AMOR?

No século XVI havia uma preocupação com o amor romântico. O poeta português, Camões escrevia sobre o amor e a dor que ele pode causar: “Amor é fogo que arde sem se ver; é ferida que dói e não se sente. É um contentamento descontente. É dor que desatina sem doer. É um não querer mais que bem querer. É solitário andar por entre a multidão; é nunca contentar-se de contente. É cuidar que se ganha em se perder”.

A nossa sociedade de consumo não expulsa do seu interior, evidentemente, as experiências da paixão, mas, olha com desprezo esse sentimento tão nobre. Homens e mulheres continuam a aspirar tanto como antes à intensidade emocional de relações amorosas, mas, quanto mais forte é a expectativa, mais raro parece tornar-se o milagre da fusão dos amantes e concretizar o amor tão desejado. Estamos vivendo a “era do vazio”, como que enaltecendo a parte negativa desse nobre sentimento. Poucos acreditam no amor e os que acreditam, desistem por medo de sofrer.

Amar significa ser capaz de não se deixar atrofiar pela pressão social onipresente das falsas mediações ao tratar o outro como mercadoria substituível: “Para certas convenções tal pessoa me serve, para outras não é conveniente aparecer ao seu lado”. Aqueles que amam são visionários de outros mundos, reinventores da felicidade perdida na monotonia dos dias de trabalho. São guardiões do amor, por ser o amor transcendência de tudo aquilo que se supõe realizá-lo. O desejo quer sempre outra coisa, assim como o amor quer dar o que não tem, recebendo em troca a mesma falta.

Por isso os verdadeiros amantes só se colocam problemas que não podem resolver. O poeta aparece como um mediador, para assim amenizar essa dor que nos torna impotente: “Ó bem-aventurada com o eterno sabor de lábios e beijos. Que tudo que tocamos se transmuta em frutos aromáticos, nesses corpos macios e formosos, matando desejo e alimentando a excitação nesta voluptuosa paixão”. Isto é o que sente os amantes quando se encontram.

Portanto, o amor é portador de um mistério abissal. E parece que precisa ser assim mesmo para existir. Transcende toda capacidade de explicação racional. Podemos perfeitamente explicar a simpatia que nutrimos por esta ou aquela pessoa por causa de suas qualidades morais, pela beleza, pela determinação em perseguir a realização dos sonhos, pela competência profissional. Nada disso ocorre com o amor. Nada explica  por que entre todos os homens e mulheres, um elege o outro como parceiro insubstituível da sua vida, do seu desejo, dos seus projetos, dos seus prazeres eróticos. Como argumenta meu amigo, filósofo e educador José Luiz Furtado: “não podemos imaginar nenhuma razão que justifique amar”. Simplesmente amamos. A eleição do amado destrói a própria liberdade de escolher. Não escolhemos quem amar. Contudo, escreveu o poeta acerca da mulher amada: “Liberto-me tornando-me seu escravo”. Afinal, o que aconteceu com o amor romântico?

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