29 de junho de 2015

A RELAÇÃO PROFESSOR E ALUNO

A escola é a grande viagem para a existência humana. É a ponte entre a família e a sociedade, que atualmente ambas estão divorciadas da educação dos jovens. Embora as famílias tenham poder sobre os filhos, mas, perdeu a autoridade sobre eles. Por outro lado, a escola tornou-se o maior problema do país no aspecto estrutural, diga-se de passagem, a mais anacrônica de todas. Lembrando que na escola existe uma relação de justiça com seus alunos, mas, na prática não é bem assim. Para que funcione, é preciso existir por parte do professor uma relação de amor para com a educação. Caso contrário põe em risco o princípio de justiça. A relação professor e aluno é pautada na verticalidade, isto é, uma relação vertical, de autoridade do mestre sobre o aluno. Toda autoridade é uma relação vertical. Em que está baseada essa autoridade? Está baseada na especialidade do profissional. Por exemplo, a relação médico e paciente é uma relação de autoridade do médico sobre seu paciente. Sendo assim, o professor também é um especialista da educação, pois trabalha com ensino-aprendizagem. O individuo se torna humano pela educação e pela cultura.

No entanto, hoje temos uma educação engessada, com uma proposta pedagógica simples, para um mundo complexo. Educação se faz através do encontro humano. Produzir um conhecimento prudente para uma escola descente, propor como reflexão pontual o momento histórico. As faculdades pode até formar bons profissionais, mais não sabem formar pessoas com espírito humanista. Como diz o filósofo e teólogo Leonardo Boff (1938): “ninguém vale pelo que sabe, mas, pelo que faz com aquilo que sabe”. Contudo, temos uma escola do século XIX, muito próximo da linha de produção, que vai moldando o ser humano para um mundo tecnicista. A escola é uma caixa de terror, um vigiando o outro, a convivência entre esses profissionais é péssima. Para entender a escola temos que entender a educação, que também está ruim. O professor é do século XX, que não cultiva o hábito da leitura e muito menos da escrita. Os alunos que estão chegando a essa escola é do século XXI, domina com facilidade a tecnologia vigente, a internet.

Entretanto, se for verdade o que escreveu Platão (427-347 a.C.), que tudo que está na alma, toca a alma do outro. Então, como pode um professor que não gosta de ler, passar o gosto da leitura para seus alunos? Como pode um professor que não gosta de escrever, passar o gosto da escrita para seus alunos? Como pode uma geração de professores que não pesquisa, formar alunos pesquisadores? Como pode uma geração de professores que não tem pensamento crítico, formar senso crítico no aluno? Como pode um professor que não é sensível, formar sensibilidade em seus alunos? Como argumenta o filósofo e educador Paulo Freire (1921-1997): “Só uma geração de professores leitores, produzem uma geração de alunos leitores. Só uma geração de professores escreventes, produz uma geração de alunos escreventes e no meio deles alguns escritores. E entre esses escritores um ou dois literatos”. Nossas escolas parece mais com um arquivo morto a espera de um milagre. A primeira mudança que caberia na escola, seria a sua humanização.

Como muito bem argumenta a filósofa, educadora e escritora mineira Adélia Prado (1935): “não quero faca e nem queijo, quero é fome”. Este silogismo é de um princípio pedagógico fantástico, porque põe em evidência a nossa educação. Se tiver a faca e o queijo, e não tiver a fome, não se come queijo. Porém, se quiser comer queijo e não tiver faca e nem queijo, damos um jeito e arrumamos o queijo. Com essa metáfora, conclui-se que a educação é a faca e o queijo que está sendo oferecido aos estudantes, portanto, cabe aos professores despertar nos alunos o apetite e gosto para o conhecimento. Todo professor consciente do seu papel, sabe que sua tarefa é orientar o aluno em seu aprendizado, tornando-o mais crítico, buscando sempre seu êxito e não seu fracasso. Sua relação com os alunos é uma relação profissional que deve potencializar o aprendizado amplo, isto é, de conteúdo moral, ético, filosófico e outros, que inevitavelmente permeiam as aulas ou como temas transversais, ou como assunto que transcendam os currículos. É importante que o professor transmita valores de forma explícita aos jovens estudantes. Tendo em vista, que nenhum professor passa pelos seus alunos sem deixar sua marca. Na verdade, ele é um formador de opinião e esse é o lado político da educação.

Quanto maior for à afinidade entre professor e aluno, melhor será a sua influência do processo ensino-aprendizagem, pois mais facilmente os alunos compreenderão o sentido de estudar o que está sendo apresentando pelo professor e terão a curiosidade de buscar novas informações, que possam complementar o seu conhecimento. Porém, todo professor autoritário não se importa em saber o que seus alunos pensam. Esse tipo de professor segue a linha pedagógica tradicional. Aquela que o professor ensina e o aluno deve aprender. Não há trocas nessa relação. Provocando com isso revolta nos alunos ou uma passividade completa, levando-os a não querer fazer nada além do proposto. Trata-se daquele professor que passa muitas atividades, das quais ele se ausenta, para ocupar a turma, afim de não ser incomodado e manter a sala de aula em silêncio. Como afirma Paulo Freire: “que o bom professor é o que consegue, enquanto fala trazer o aluno até a intimidade do movimento do seu pensamento. Sua aula é um desafio e não uma cantiga de ninar. Os alunos ficam atentos e acompanham as idas e vindas de seus pensamentos, que os surpreendem causando espanto frente ao novo”.

Portanto, o diálogo ainda é a arma mais importante para o professor criar uma boa relação com seus alunos. Através do diálogo que mostramos aquele respeito que nossos alunos tanto precisam dar e, principalmente, receber. Acredito que esse espaço não seja dado pela maioria das famílias em seus lares, por isso os alunos não sabem negociar regras e limites. Por conseguinte, estamos vivendo a ética do óbvio, do semear, disseminar e plantar o futuro. Questionamos qual mundo vamos deixar para os nossos filhos e não pensamos nos filhos que vamos deixar para esse mundo. Contudo, quando tomarmos consciência de que o nosso tempo aqui é limitado, aí vamos nos concentrar no que é mais importante para cada um. Vamos buscar dentro de nós aquilo que mais nos interessa. Tendo em vista, que a vida traz pessoas queridas e momentos de felicidade, que um dia será tomado de volta. Não encontramos explicações porque essas coisas acontecem conosco, mas com o tempo nos conformamos, na esperança de que ainda haveremos de entender o verdadeiro sentido da vida. Talvez esses jovens de hoje precisarão ficar idosos para compreenderem que a vida não tem sentido algum, se não damos um significado existencial a ela. Hoje sinto no meu ímpeto, que permeia uma vontade amorosa e um desejo profundo de melhorar esse mundo em que vivemos. Morreria feliz se um dia os jovens fizessem isto por mim. 

26 de junho de 2015

A VIOLÊNCIA CONTRA A CRIANÇA

Falar de violência contra crianças e adolescentes não é tarefa fácil. Esse tipo de violência traz questões sociais e culturais muito fortes, como a utilização do castigo como instrumento pedagógico, da hierarquia familiar de dominação do mais forte. As agressões ocorrem na intimidade das residências da família, sendo difícil de detectá-las, pois apesar dos laços familiares poderem envolver relações de violência, também, contêm relações de carinho, amor e dependência. São certamente, situações extremamente delicadas, devendo ser enfrentadas com sensibilidade e seriedade.

A escola oferece um ambiente propício para a avaliação emocional das crianças e adolescentes por ser um espaço social relativamente fechado, intermediário entre a “família e a sociedade”. É na escola que a desempenho dos alunos pode ser avaliada e onde eles podem ser comparados estatisticamente com seus pares, com seu grupo etário e social. Dentro da sala de aula há situações psíquicas significativas, nas quais os educadores podem atuar tanto beneficamente como negativamente. O aluno pode trazer consigo um conjunto de situações endógenas ou exógenas para escola e apresentar as consequências emocionais de sua vivência social e familiar. Como muito bem disse o psiquiatra e educador Içami Tiba: “nós nascemos duas vezes, sendo que no primeiro nascimento trazemos as cargas hereditárias genéticas chamadas cromossomos. E no segundo nascimento trazemos as cargas hereditárias familiares chamadas como somos”.

De modo geral, há momentos mais estressantes na vida de qualquer criança, que reagem diferentemente diante das adversidades e necessidades adaptativas, são diferentes na maneira de lidar com as tensões da vida. É exatamente nessas fases de provação afetiva e emocional que vêm à tona as características da personalidade de cada um, as fragilidades e dificuldades adaptativas. Segundo afirmam os especialistas que as brincadeiras de crianças de quatro a sete anos, vítimas de violência física ou psicológica, revelam traumas deixados por essas agressões e pela falta de carinho dos pais.

O comportamento agressivo ou violento nas escolas é hoje o fenômeno social mais complexo e difícil de compreender, por afetar a sociedade como um todo, atingindo diretamente as crianças de todas as idades, em todas as escolas do país, nós sabemos que é um fenômeno resultante de inúmeros fatores externos como internos à escola, caracterizados pelos tipos de interações sociais, familiares e sócio-educacionais. A violência e agressividade entre os alunos, como afirma a educadora e pesquisadora Cléo Fante, pode ser desencadeada de forma repetida contra uma mesma vítima ao longo do tempo e dentro de um desequilíbrio de poder, conhecido como “bullying”, e é um fato que dificilmente pode passar despercebido a um profissional da educação, por tratar-se de um fenômeno social de grande relevância, que sutilmente vem se disseminando entre os alunos, de forma quase epidêmica.

A palavra bullying é derivada do verbo “inglês bully”, que significa usar a superioridade física para intimidar alguém, referindo-se ao adjetivo valentão, tirano. A terminologia bullying tem sido adotada em vários países como designação para explicar todo tipo de comportamento agressivo, cruel, intencional e repetitivo inerente às relações interpessoais. As vítimas são os indivíduos considerados mais fracos e frágeis dessa relação, transformados em objeto de diversão e prazer por meio de brincadeiras maldosas e intimidadoras. Estudos indicam que as simples “brincadeiras de mau-gosto” de antigamente, hoje denominadas bullying. Causam desde simples problemas de aprendizagem até sérios transtornos de comportamento, responsáveis por índices de suicídios e homicídios entre estudantes.

Segundo a psicopedagoga e coordenadora na rede pública, professora Geane de Jesus Silva afirma que: “a maioria das vítimas não tem coragem suficiente para denunciar, por medo de uma possível represália. Isso contribui com o desconhecimento e a indiferença sobre o assunto por parte dos profissionais ligados à educação”. Como argumenta o psiquiatra especialista em criança e adolescente David Léo Levisky no seu livro: Adolescência e Violência – Consequência da Realidade Brasileira: “quando a violência é banalizada ou não é identificada como sintoma de patologia social, corre-se o risco de transformá-la num valor cultural que pode ser assimilado pela criança e pelo jovem como forma de ser, um modo de auto-afirmação”.

Portanto, é nos primeiros anos escolares que podem surgir os traumas que se originam na violência sofrida tanto em casa como na escola. A educadora e pesquisadora Cléo Fante enfatiza a necessidade de resgatar a saúde emocional da criança o mais cedo possível. Faz parte do seu projeto “Educar para a Paz”, já aplicado em algumas escolas e altamente recomendado em razão dos excelentes e animadores resultados. Ao que tudo indica, parece que existe um sentimento de conformismo que é, de não levar a sério as leis em defesa da criança e do adolescente. E quando a violência infantil é denunciada, quase sempre há uma morosidade em fazer cumpri-las. Demonstrando um descaso por parte das autoridades que acabam subestimando aqueles que realmente querem acreditar na justiça.

18 de junho de 2015

CÂNTICO DOS CÂNTICOS NO APOGEU DO AMOR

Um dos poemas de amor mais famoso de todos os tempos é também um dos livros mais enigmáticos da Bíblia. O Cântico dos Cânticos, que compõe o livro do Antigo Testamento, começa atribuindo sua autoria ao rei Salomão (971-931 a.C.), talvez por entender do tema amor, pois segundo a história ele tinha um harém de 700 esposas e 300 concubinas. O livro começa assim: “Beija-me com teus beijos! Tuas carícias são melhores que o vinho!”. Com estes versos inaugura o Cântico dos Cânticos, um longo diálogo entre um jovem casal apaixonado. Tanto entre judeus quanto entre cristãos não faltaram polêmicas sobre a inclusão ou não do poema nas Escrituras Sagradas, assim como não faltaram traduções e interpretações que buscavam minimizar, ou até eliminar, seu erotismo elegante, mas, desinibido. No entanto, que ninguém duvide que quando ouvimos hoje as expressões como: “lábios de mel” ou “olhos de jabuticaba”, estamos escutando ecos de uma tradição poética de mais de três mil anos, inaugurada, ao que tudo indica, pelos escribas egípcios e, portanto, tão antiga quanto à própria civilização.

Durante milhares de anos a palavra “amor” sofreu uma metamorfose tremenda com a entrada em cena do Novo Testamento. Agora “Deus é amor”, proclamada por São João Evangelista (10-103 d.C.) em sua Primeira Epístola, talvez a manifestação mais clara de que o termo antes usado para se referir à atração entre homem e mulher muda de sentido e é adotado como base de toda uma nova religião. Essa revolução só pode realmente ser compreendida quando descobrimos que nada menos que três palavras diferentes do original grego do Novo Testamento foram traduzidas como “amor”. O amor ágape, ou seja, um amor desinteressado, de doação sem espera de recompensa: “caridade”. Essa terminologia foi utilizada pelo Evangelista São João e também pelo São Paulo Apostolo (05-67 d.C.), no célebre capítulo 13 de Coríntios, transformado em balada pop por Renato Russo (1960-1996) da banda Legião Urbana na canção “Monte Castelo”: “ainda que eu falasse a língua dos homens e dos anjos, e tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda tivesse toda a fé, se não tivesse amor, eu nada seria”.   

No entanto, da para entender finalmente porque em várias edições do Novo Testamento esse trecho aparece com a palavra “caridade” no lugar de “amor”. A influência grega nessa espiritualização do conceito de amor não foi pequena. A prova principal está na expressão “amor platônico”, que entrou para o vocabulário popular do mundo todo com seu sentido distorcido. Vale à pena voltar à fonte, O Banquete, escrito por Platão (427-347 a.C.), simplesmente porque é um dos textos chaves da cultura clássica ocidental e um dos mais saborosos tratados filosóficos da Grécia Antiga. A narrativa O Banquete lembra o Cântico dos Cânticos, onde a obra toda é montada em diálogos, pode ser lida como uma peça de teatro. Entre os convidados, Platão coloca duas das figuras mais célebres da Grécia Antiga: seu mestre Sócrates e o dramaturgo Aristófanes, o rei da comédia helênica. O tema da noitada é justamente o amor, ou melhor, Eros, o desejo sexual, que a mitologia grega representava como uma divindade astuta, o tempo todo flechando o coração da moçada. É bom lembrar, que o coração flechado permanece até hoje como símbolo dos apaixonados.

Entretanto, a ideia das “almas gêmeas” e da “cara metade” aparece talvez pela primeira vez na cultura ocidental no texto, quando Aristófanes recorre justamente à mitologia para explicar o impulso amoroso. Segundo ele, o ser humano era inicialmente um andrógino de duas faces, quatro pernas e quatro braços. Temendo que seu poder ameaçasse os deuses, Zeus dividira essa estranha criatura em duas. Desde então carregamos a sensação de estarmos sempre incompletos, desejando a união com a minha outra metade. Sócrates (469-399 a.C.) que descartava os mitos como mera superstição, obviamente rejeita a versão de Aristófanes (447-386 a.C.) e a discussão progride na direção do conceito original de amor platônico. O Banquete é uma obra que se resume assim: “Eros é uma divindade, uma força divina que intervém na vida humana, mas que precisa ser orientada pela inteligência”. O desejo se manifesta primeiro como amor por outro corpo bonito, mas evolui para o amor por belas atividades e ocupações. Na verdade, tudo aquilo que é digno de ser amado. Platão coloca essa questão como responsabilidade do ser humano para dar ascensão intelectual e espiritual à força de Eros.

Temos hoje em dia uma ideia errônea do amor platônico, como sendo da afeição sem contato físico. Ao fazer uma leitura mais apurada notaremos que o conceito original não é bem esse. Se perguntasse a Platão, na certa diria que o amor deve ser a afeição elevada a um plano ideal que transcende o contato físico, mas que não o exclui. A distinção entre corpo e alma que herdamos não existia para os gregos. Eles acreditavam numa continuidade, não numa ruptura. Para eles a ascensão do amor era uma questão de inteligência e, portanto, essencialmente masculina. Os gregos tinham um grande preconceito contra a mulher. A mulher não opinava sobre o amor e nem participava das reuniões. Por isso mesmo que muitos leem em O Banquete de Platão como uma apologia do homossexualismo, não só comum entre os gregos da época como considerado parte da relação mestre-discípulo entre os rapazes e os mais velhos. Os anfitriões do jantar narrado pelo filósofo formam um casal masculino e a festa chega a ser interrompida, a certa altura, pelo jovem Alcebíades (450-404 a.C.), que entra bêbado, declarando sua paixão por Sócrates. No fim, porém, é a parceria intelectual que é considerada a união perfeita, entre os homens. Neste ponto, o contraste com o Cântico dos Cânticos é total e absoluto, já que um dos traços mais marcantes do poema bíblico é apresentar homens e mulheres manifestando seu desejo sexual em pé de igualdade.

Portanto, o fervor amoroso dos trovadores medievais alçou o amor a um patamar de emoção cultuada, prenunciando a adoração casta de poetas renascentistas. O mesmo culto antecipou o romantismo do século XIX, que venerava a agonia dos apaixonados acima de qualquer prazer. Alias, o significado original da paixão é a conexão inevitável entre o amor e o sofrimento. Passio é outra palavra latina, que significa sofrer por amor. Vem do latim eclesiástico: a expressão sexta feira da Paixão endossa que Jesus morreu por amor à humanidade. Sendo assim, o amor passa a ser dirigido a uma ideia, a uma causa, a uma atividade, em vez de a uma pessoa. Toda a civilização foi construída, usando como matéria-prima a repressão dos instintos sexuais. Se o pai da psicanálise Sigmund Freud (1856-1939), tão criticado por reduzir toda nossa existência ao sexo, tiver mesmo razão, fica mais fácil entender por que é impossível fugir do amor. Ele está em toda parte, seja lá o que for esse sentimento que, no final das contas, tem resistido, séculos após séculos, a todas as tentativas de explicação. Agora faz sentido a existência do amor na vida dos humanos. Possuir é nada, desejar é tudo. 

12 de junho de 2015

DA TERNURA NASCE O AMOR

É comum nós teorizarmos sobre a felicidade que o amor nos trará. A maioria faz da busca pelo amor a meta de sua vida. Não é por acaso que se trata de um sentimento tão avassalador, capaz de tomar conta de nossa vida e de todos os momentos de nosso dia. Como argumenta o filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860), que não devemos nos culpar tanto pelo estado de desespero e obsessão em que entramos se o amor fracassa. Ficar surpreso com a dor da rejeição é ignorar o quanto de entrega a aceitação exigiria. No entanto, misteriosa é a travessia do coração de um homem e respectivamente do coração de uma mulher que se encontram e declaram seus mútuos afetos. Somos carimbados, marcados e flechados pelo cupido. Há um querer demorar e até eternizar no outro, pelo amor, pelo apreço desta companhia e pela valorização de uma vida de luta e esperança neste amor. Quando encontramos uma pessoa, pela qual nos apaixonamos, prontamente dizemos: “eu te amo, mas, não é porque és bela e sim és bela porque te amo”.

Entretanto, é neste vai e vem que nasce o estado mais gostoso da vida a dois. As pessoas se encontram inevitavelmente expostas para este evento imponderável, que é o estado amoroso. Mesmo no coração da atual crise social não podemos esquecer-nos que da ternura nasce o amor. A nossa própria existência não é fixada, vivemos em permanente dialogação com o meio. E nessa troca não deixa ninguém imune. Não raro o êxtase é seguido de decepção. Há voltas, perdões, renovação de promessas e reconciliações. Sempre sobram, no entanto, feridas que mesmo cicatrizadas, nos lembram que um dia sangraram.

O amor é uma chama viva que arde, mas que pode estar prestes a extinguir-se e lentamente se cobrir de cinzas e até se apagar. A indiferença é o maior veneno para o amor. Não é porque as pessoas se odeiam que esta chama se apaga. Quando as pessoas ficam indiferentes umas às outras, é que acontece a morte do amor. No verso 11 do Cântico Espiritual do místico São João da Cruz (1542-1591), que são versos de amor entre a alma e Deus, diz ele com fina observação: “a doença de amor não se cura sem a presença e a figura”. Por conseguinte, não basta o amor platônico ou o amor virtual. O amor exige a existência e a presença do outro. O amor quer a figura concreta que é mais que uma simples imaginação sutil de um poeta trovador. O amor quer sentir o palpitar dos corações dos amantes.

Como argumenta o filósofo e teólogo São João da Cruz: “o amor é uma doença que, nas minhas palavras, só se cura com aquilo que chamaria de ternura essencial”. Reiterando as palavras do místico poeta, vou um pouco mais além, citando outro grande filósofo e teólogo Leonardo Boff (1938): “a ternura é a seiva do amor”. Penso que se cada um quiser guardar, fortalecer, dar sustentabilidade ao amor, que seja terno para com quem se ama. Sem o azeite da ternura não se alimenta a chama sagrada do amor, certamente ela se apagará. Lembrando que ternura não é simplesmente uma emoção, excitação de sentimento face ao outro. Porém, se assim fosse seria sentimentalismo que é um produto da subjetividade mal integrada. O sujeito que se dobra sobre si mesmo e celebra as suas sensações que o outro provocou nele. Nunca sairá de sim mesmo, ao contrário, a ternura irrompe quando a pessoa se descentra de si mesma e sai na direção do outro, sente o outro como sendo parte da sua essência, participa de sua existência, se deixa tocar pela sua história de vida.

A ternura não é efeminação e renúncia de rigor. É um afeto que à sua maneira nos abre ao conhecimento do outro. Segundo o Papa Francisco (1936), falando para os bispos latinos americanos presentes, quando ele esteve no Rio de Janeiro, cobrou-lhes “a revolução da ternura” como condição para um encontro fraterno e verdadeiro. Só conhecemos bem o outro quando nutrimos afeto e nos envolvemos com essa pessoa que queremos estabelecer laços de comunhão amorosos. É aqui que a ternura pode e deve conviver com o extremo empenho por essa causa.

Portanto, a relação de ternura não envolve angústia porque é livre de busca de vantagens e de dominação. O nascer do amor se da pela própria força do coração. É o desejo mais profundo de compartilhar carinhos. A angústia do outro é minha angústia, seu sucesso é o meu sucesso e sua salvação é a minha salvação. O amor e a vida são frágeis. Sua força invencível vem da ternura com a qual os cercamos e sempre os alimentamos. Encerro esta reflexão citando um grande bandeirante do amor, o educador e escritor ítalo-americano Leo Buscaglia (1924-1998). Ele foi idealizador de um curso sobre amor na Universidade da Califórnia nos Estados Unidos. Publicou um livro com o título “Amor”. Faleceu no dia dos namorados, 12 de junho de 1998 e nos deixou a seguinte mensagem: “O amor tem os braços abertos. Se você fechar os braços ao amor, verá que está apenas abraçando a si mesmo. Quando você ama uma pessoa, se transforma no espelho dela e ela no seu. O amor verdadeiro só cria, nunca destrói”. Toque sempre o coração e alma de quem você ama. “Feliz dia dos namorados”.   

10 de junho de 2015

PARA GOSTAR DE LER É SÓ COMEÇAR

O que proponho aqui é o desenvolvimento da leitura, seguida da produção textual, não tendo esta um fim em si mesma, mas como um meio eficaz de assimilação de conceitos e de conteúdos. E o que se aprende, por esforço próprio, nunca será esquecido. Na maioria das vezes, o estudante pensa que a habilidade prioritária para o estudo seja a leitura de textos, seguida da memorização de conceitos e de conteúdos. Ainda preso à mentalidade antiga do questionário, da memorização de perguntas e respostas, perde muitas oportunidades de desenvolver um salutar hábito que poderá utilizar durante toda a vida, seja qual for à área do conhecimento ou profissional que irá exercer.

Posso dizer com conhecimento de causa, que a leitura seguida da produção de texto, não é uma metodologia nova, e não se restringe ao ensino universitário. O estudante do ensino médio pode perfeitamente recorrer a esse método, bastando dominar mecanismo de leitura e de expressão escrita. Quantas vezes o aluno teve, por exemplo, que assistir a um filme e depois analisá-lo? O filme é um texto, é possível de ser comentado, analisado, resumido em seu enredo ou conteúdos, caso seja um documentário. Aquilo que o aluno assistiu pode ser passado para o papel, com suas próprias palavras. Quando um professor pede esse tipo de tarefa para seus alunos, seu objetivo deve ser o aprofundamento de determinado assunto ou conhecimento. Ou melhor, propor ao aluno que crie uma espécie de “diálogo” com o “texto” estudado. Assim, cada um terá consciência de que o saber é para ser partilhado, ele não está fechado e acabado em cada texto que se produz.

Por conseguinte, a produção de texto não pode ser encarada apenas como uma atividade das aulas de Filosofia ou de Língua Portuguesa e ficar restrita à composição textual que focalize um tema proposto. A partir do momento em que o aluno começa a escrever, com suas próprias palavras, as ideias principais que foram desenvolvidas no texto lido, focalizando os diferentes aspectos abordados, desdobrados em assuntos secundários, mas relacionados, pode-se tratar do resumo de um texto. Faz-se o mesmo, porém usando as palavras do próprio texto, pode ser então o seu fichamento. Em ambos os casos o aluno estaria recorrendo ao procedimento denominado síntese. Essas duas atividades colaboram muito no domínio de conteúdos e podem ser aplicadas não apenas a textos extraídos de livros, ou de enciclopédias, como também a reportagens de jornais e de revistas, páginas da internet etc. Referem-se a qualquer disciplina que o aluno faça na escola, como, por exemplo, em Educação Física, a partir do momento em que o aluno precisa obter melhores informações a respeito da modalidade esportiva que pratica. Essa produção de textos pode ser fruto de pesquisa e não deve ser confundida com relatório.

Para gostar de ler é preciso praticar, criar o hábito da leitura, com o intuito de obter informações. A partir do momento em que o aluno já o tenha adquirido tudo se torna mais fácil. Voltando a questão do filme a que o aluno assistiu e teve de analisar: será que já se surpreendeu ao ouvir o seu professor comentar que havia pedido para analisar o filme e não recontar a sua história? Isso mesmo! Contar o que se passou não é a mesma coisa que analisar os dados apresentados. Esse é um passo mais adiante, pois, além da compreensão do enredo, o aluno vai se posicionar diante do “texto”, aplicando a ele conceitos previamente conhecidos ou expondo ponto de vista pessoal a partir de elementos observados nesse mesmo texto. Isso é realizar a análise, pode se tratar de uma resenha. O que foi anteriormente exemplificado de um filme, pode ser aplicado a um livro de romance, a um conto, peça teatral, alguns eventos culturais, reportagens, até mesmo a partir da observação de uma tela de pintura artística ou de dados de uma pesquisa científica.

Portanto, as atividades de leitura e de escrita não são exercidas separadamente. Se for integrada uma a outra, ou seja, a todas as disciplinas que o aluno estuda, o ensino-aprendizagem se tornará mais ágil e eficaz. Ao mesmo tempo, o estudante participará ativamente no processo, crescendo com mais desenvoltura e espírito crítico, preparando-se para sua autonomia como ser pensante, que sabe discernir e fazer opções. Contudo, para nós educadores, é sempre um prazer irrevogável formar alunos leitores, pesquisadores e se possível alguns escritores.        

4 de junho de 2015

PARA PENSAR FILOSOFICAMENTE

A filosofia sempre esteve presente no momento histórico em que os homens e mulheres começaram a fazer perguntas sobre a sua existência. A filosofia nasceu como uma atividade de esclarecimento e de autonomia de pensar por si, conhecer a verdade do mundo, exercitar a linguagem autêntica para firmar alianças de tolerâncias e proposições de reconhecimento de igualdades. É importante que entendamos o significado da própria palavra filosofia, pois ela é utilizada de formas muito diferentes. Algumas vezes o termo é usado como “filosofia de vida”, para explicar como uma pessoa conduz a sua vida. Também vemos a palavra relacionada ao trabalho, significando como a pessoa ou um grupo organiza o tempo, as decisões e o dia a dia de sua profissão.

Há ainda a concepção de “filosofia religiosa”, dentre outros usos. Aproveito aqui para uma explicação a parte, sobre o filósofo acreditar ou não na existência de Deus. A filosofia tem uma coisa que a religião não tem que é a necessidade de certo “ateísmo metodológico”, o que isto quer dizer? O filósofo tem que ser alguém que não pode ter crenças dentro da pesquisa filosófica, ainda que se tratasse de Deus, porque para a filosofia Deus não é “impossível” ele é “improvável”. Improvável significa que não posso provar e nem negar a existência de Deus. Porque Deus não é impossível para o filósofo afirmar a sua não existência. Para isto, o filósofo teria que provar que Deus não existe. Como negar o que não posso provar? De todos esses modos, a filosofia se relaciona com a premissa de se constituir num saber, num modo de realizar alguma coisa, por assim dizer, o pensamento que organiza e que da direção a essas atividades.

No entanto, temos também a filosofia que se aprende nas escolas, que faz parte do currículo escolar. Aqui já traz consigo um pressuposto de se reconhecer como um conhecimento que envolve a história da cultura, o que pensaram os filósofos em determinados contextos e em que sentido tais ensinamentos podem nos auxiliar a pensar a vida de hoje, através do debate sobre a ética, a moral, os valores etc. Desse modo, a filosofia pode ser compreendida como um saber que tem por interesse a formação da inteligência crítica das pessoas. Na história podemos buscar informações sobre sua trajetória, constatando que de início era compreendida como um conhecimento específico, no qual só os mais aptos, “os filósofos”, poderiam opinar e entender. Nessa época a filosofia significava um modo de entender o mundo, diferente do que até então predominava, o pensamento mítico, fantasioso.

A pergunta sobre o que é e para que serve a filosofia é uma das grandes questões que acompanham, desde o surgimento e até a atualidade. Houve um tempo em que a filosofia apareceu como oposição à ciência, diante do entendimento de que esta sempre se ocupava de questões práticas e a primeira seria o exercício livre do pensamento. Sabemos que a filosofia surgiu na Grécia Antiga, sua história já contém uma longa caminhada que vai modificando o conceito de reflexão de um pequeno grupo para o estímulo do pensamento crítico e autônomo para o maior número de pessoas, até ocupar as escolas, como um conteúdo de nossa formação.

Entretanto, pensar filosoficamente é a grande intenção desse jeito de conhecer e saber, fazer com que a busca das verdades de cada situação nos auxilie a melhor entender o mundo, as pessoas, a realidade. A filosofia então tem o sentido de nos fazer pensar com nossas próprias ideias, buscando a autonomia, sem nos deixar conduzir por outras pessoas, outros saberes ou poderes; e nos dias de hoje, pelas agências de alienação e engodo coletivo, como a identidade dominante da mídia ou qualquer coisa que conduza o nosso pensamento. É por isso que a filosofia nem sempre teve uma boa aceitação no país ou entre algumas pessoas mais conservadoras. Seu compromisso em estimular o pensamento crítico e dar a oportunidade de que cada um tire suas próprias conclusões sobre as situações de sua vida, da política, da sociedade, sobre as outras pessoas, pode incomodar aqueles que não têm interesse em deixar o pensamento livre e crítico ganhar espaços em nossa sociedade.

Penso que para viver melhor, a ideia mais importante é que todos possam exercitar essa forma de pensamento, para descobrir o que há por trás do que nos é repassado pelos meios de comunicação, pelo conhecimento que aprendemos como o único válido e que comecemos a questionar as formas de viver e pensar, buscando, o grande interesse da filosofia: uma vida melhor, em que os seres humanos possam sonhar e usufruir da felicidade.

Portanto, uma vida feliz se constrói com a vivência da igualdade, do pensamento livre, da criatividade, do diálogo, no combate às situações de desigualdade, pelo respeito ao ambiente, aos direitos conquistados por crianças, jovens, adultos, mulheres, pessoas com deficiências, negros, índios e marginalizados. Exercitar o pensamento de cada um por si mesmo é um dos principais compromissos daqueles que têm como interesse a vida plena, a justiça e a felicidade como valores fundamentais do que chamamos de emancipação humana.

POEMA INSTANTE DO POETA JORGE LUÍS BORGES

Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais. Seria ...