31 de outubro de 2014

LER É PENSAR COM SABEDORIA

Lendo um artigo do jornalista, cronista e cartunista Ziraldo (1932), dizia: “ler é mais importante que estudar”. Evidentemente, que se aprende muito mais lendo do que estudando, porque o estudo demanda concentração e desejo de aprender rápido, para melhor memorizar as palavras. Ao passo que a leitura para muitas pessoas, pelo simples prazer de ler, possibilita o entendimento e a clareza dos fatos, nos colocando no núcleo da realidade vigente. Para Ziraldo, quando se cria o hábito da leitura se ganha em conhecimento e enriquece o nosso vocabulário. Alguns estudos nessa direção vêm mostrando que o povo brasileiro ainda não descobriu o prazer na leitura e ocupa o tempo livre, vendo televisão, ouvindo música, descansando e raramente se propõe a ler um livro, jornal ou uma revista do seu interesse sobre um determinado assunto que o estimule.

Segundo o filósofo e educador Rubem Alves (1933-2014), disse num dos seus textos o seguinte: “Há um tipo de educação que tem por objetivo produzir conhecimentos para transformar o mundo, interferir no mundo, que é a educação científica e técnica. Mas há uma educação – e é isso o que chamo realmente de educação – cujo objetivo não é fazer nenhuma transformação no mundo, é transformar as pessoas”. Até porque, ler é pensar com sabedoria, pois a leitura torna nosso conhecimento mais amplo e diversificado, isto é, saber com objetividade. Portanto, o exercício da leitura é um mergulho na cultura do conhecimento.

Na dinâmica das informações no mundo globalizado, ler é uma necessidade básica. Quem não tem ou não cria este hábito fica para trás, porque a leitura leva-nos a investigação, a buscarmos cada vez mais, porque a partir dela somos sujeito e passamos a fazer nossas próprias escolhas, através do nosso livre arbítrio. Ler não é matar o tempo, e sim fecundá-lo. Sendo assim, incita-nos à curiosidade e a busca frenética pelo conhecimento. É preciso atenção para peneirar, para digerir cada palavra e todas as informações do conteúdo a assimilar. Aprender não é um instrumento passivo, pois, é uma experiência intelectual, um exercício de nossa faculdade de pensar as coisas, de aprender os seus sentidos, de buscar a significação que elas têm para nós. Mas essa experiência de ler e pensar o mundo, de buscar conhecê-lo, não pode ser uma tarefa solitária. Porque ler é estabelecer relações para compreender a realidade e enxergar mais longe.

Por outro lado, é muito difícil as pessoas comprarem livros. Além de ser um produto caro, e as escolas por sua vez não promovem o habito da leitura para seus alunos. São raras as Instituições de Educação que tem uma boa biblioteca, com vasta literatura para pesquisa e que ao mesmo tempo desperte nos alunos o prazer de ler. Chega ser alarmante o número de analfabetos funcionais em nosso país. Ou seja, aquele aluno que lê, mas, não entende o que leu. Não consegue juntar uma frase com outra, tem dificuldade de formar frases ao juntar as palavras, sem falar dos erros crassos de ortografia. Considerando, que o ambiente moral inicia com a atitude e respeito do professor pelas crianças e seus interesses, sentimentos, valores e ideias. Educação se faz através do encontro humano.  

Entretanto, o professor precisa introduzir seus alunos numa experiência divertida com a leitura e ter o cuidado de não usá-la como castigo ou tarefa por falta de atenção do aluno. Mostrar para o estudante que sem a leitura não aprende a pensar. E quando pensa, não sabe expressar o pensamento de forma lógica e organizada. Faltam vocabulário e clareza de raciocínio. Por conseguinte, as pessoas não conversam mais. Cada um conta o seu problema e não escuta o outro. Nós vivemos dos pensamentos dos outros, a começar pela política, economia, mídia e a educação que não ensina. De certo modo, vivemos presos às ideologias vigentes a certos preconceitos. Estão todos falando sozinhos de suas coisas, meio que informando o outro sobre o que fez ou vai fazer. Parecem tomados por uma cegueira crônica. Essa deficiência de leitura é que alimenta a ignorância planetária e coloca o ser humano de volta a Caverna de Platão. 

Ao ler um texto lidamos com as palavras e com ideias. As palavras são o lado visível e material da linguagem. Já as ideias são os conteúdos mentais que correspondem a cada palavra, por meio dos quais representamos um objeto, pensamos uma coisa ou uma relação entre palavras. Para o filósofo e educador Antônio Joaquim Severino (1937), é pela mediação dos conceitos que pensamos e concebemos as coisas e, consequentemente, as mensagens que, sobre elas, os textos escritos ou falados querem nos passar. O conceito representa e substitui a coisa no âmbito da consciência subjetiva e é graças a ele que podemos pensar. Porém, ler é buscar criar a compreensão do lido. Podemos entender a leitura com o coração da educação.

Todavia, a busca da palavra é uma procura dolorosa. Através da leitura que vamos melhorando e enriquecendo o nosso vocabulário e alargando o horizonte de conhecimento. Fico feliz quanto encontro crianças e adolescentes folhando ou lendo um livro. A leitura de certo modo promove mudanças em nossas vidas, na nossa percepção, no nosso pensamento e principalmente nos nossos valores. A leitura é um exercício de generosidade e crescimento intelectual. É fundamental que a criança seja incentivada a ler com prazer e diversão. Desenvolve-se de forma gradual, como um hábito a ser adquirido e deve ser fonte de prazer e não apresentada de forma obrigatória através de imposição ou cercada de castigos e ameaças. É fundamental entender que essa aprendizagem é gradativa, que devem ser respeitadas diferenças individuais e não se deve punir e criticar a criança por ela não estar lendo ou escrevendo como outras crianças da mesma idade. Isso poderia atrapalhar o seu desenvolvimento, gerando nela sentimentos de insegurança e incapacidade.

Ao contrário, deve-se compreender que, quanto mais à criança associar a leitura e a escrita como atividades úteis e que lhe deem prazer, maior será o seu desejo de aproximar-se dos textos, maior facilidade ela terá de aprendizado, porém, só se aprende a ler e escrever, lendo e escrevendo. Por outro lado, deparamos com uma enorme insegurança à própria capacidade intelectual do professor, mostrando um perfil do quanto vai mal a nossa famigerada educação. Tal insegurança associada principalmente à falta absoluta de originalidade desses profissionais, que normalmente vem junto à falta de conhecimento da maioria dos alunos que não lê.

A educação é uma realidade vital e condicionada por circunstâncias concretas e chamada a superá-la a partir da própria situação em que se encontra o sujeito da educação. Tendo em vista que educação é a apropriação da cultura, e através da história se torna a construtora do sujeito histórico. É através da educação que nos fazemos humanos e históricos, como autores no modo de refletir sobre a realidade, sobre o mundo e sobre nós mesmos. Nessa direção, a realização do indivíduo como sujeito histórico distinguiu sua conexão com a coletividade e seu acordo com a mudança social. A pergunta correta a se fazer é a seguinte: “A escola da resposta às necessidades presentes?” “Nosso sistema educativo continua sendo para o aluno um sistema educativo que o atrai?” Não! Há muito tempo deixou de ser. Hoje temos uma escola do século 19, professores do século 20 e alunos do século 21.

Entretanto, o que encontramos na educação, com muita frequência é professor fracassado que ganha mal e odeia alunos. Sem falar de professores que normalmente não gostam de ler e muito menos de estudar, mas criticam os alunos por colar da internet o trabalho pronto. Talvez pela própria incompetência do professor que não sabe despertar no aluno o gosto pelo estudo ou até mesmo, por falta de conteúdo do nosso divino mestre. Sem falar da falsa modéstia de alguns professores que fingi o tempo todo que acreditam na importância da educação e no seu papel impecável de educador, que o transformou em omisso e bem adaptado pelo sistema que o acolhe. O exemplo claro que ajuda a entender uma estatística alarmante sobre o conhecimento dos professores no ensino fundamental e médio da rede pública, segundo o Ministério da Educação, apenas dez por cento tem o hábito de ler fora da sala de aula.

Portanto, ler é pensar com sabedoria. O sujeito da educação tem como pressuposto o corpo, porque é nele que está a vida. É o corpo que quer aprender para poder viver. É ele que dá as ordens. Como dizia Rubem Alves: “A inteligência é um instrumento do corpo cuja função é ajudá-lo a viver”. Contudo, estar atento significa estar disponível ao espanto. Sem espanto não há ciência, não há criação artística. O espanto é um momento do processo de pesquisa, de busca. Essa postura de abertura ao espanto é uma exigência fundamental para o professor. Paulo Freire (1921-1997) dizia: “O espanto revela a busca do saber”. Contudo, o ofício de ensinar não é para aventureiros. É para profissionais, homens e mulheres que, além dos conhecimentos na área dos conteúdos específicos e da educação, assumem a construção da liberdade e da cidadania.

29 de outubro de 2014

A VISÃO DE UM POETA

Todas as pessoas querem viver. E o pior modo de viver é guerreando. Algumas vezes a guerra é inevitável. Mas nunca é bom. Bom mesmo é viver em paz. Nada melhor que acordar olhar a manhã e dizer a si mesmo: “Não há nada a temer. A vida é bela”. Nada pior do que estar na vida como um pesadelo em que a cada instante a morte gargalha. O mais baixo dos sentimentos humanos é o ódio. Não cria nada. Não traz felicidade, mas desgraça. Matar o filho do outro não faz reviver o teu irmão. Apenas gera mais ódio e fúria e mais luto em tua própria casa.

A inteligência existe para tornar o homem melhor. Para fazê-lo compreensivo e cordato. Para que se entenda com os outros homens. Com a inteligência distinguimos o justo do injusto. A inteligência nos ensina. Que todos os homens têm direito a seu chão, à sua pátria e à liberdade de governar a sua vida. Nenhuma força é capaz de apagar a injustiça e domar o injustiçado. O caminho da paz é o entendimento, jamais a imposição e o terror. Quem de fato desejaria um futuro de desgraças e morticínio? Só a besta fera.

O homem sonha com um futuro de paz e felicidade, que não nasce da violência, mas do diálogo. Todos os que se odeiam e se matam, alegam razões para isso. E ninguém os convencerá do contrário. Só chegarão a um acordo, quando se sentarem à mesa e disserem: “Esqueçamos as ofensas passadas”.

(Esse poema foi escrito em 2003 por Ferreira Gullar (1930), um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos, Ferreira Gullar, hoje está com 84 anos, foi militante do Partido Comunista Brasileiro e, exilado pela ditadura militar, viveu na União Soviética, no Chile e na Argentina. Desiludiu-se do socialismo em todas as suas formas e hoje acha o capitalismo “invencível”. Em dez mil anos de história nunca tivemos um ano de paz na terra, é um ódio espantoso, um querendo destruir o outro, de maneira sórdida e covarde. Neste poema Ferreira Gullar faz menção a Israel e Palestina. Dois estado para dois povos que se odeiam).  

28 de outubro de 2014

NA CAMA REPOUSA O AMOR

Na cama repousa o amor é uma metáfora, pois, quando encontro o outro, posso estar encontrando o meu oxigênio, se ambos estão encantados pode-se dizer que vai haver um banquete de amor. Naturalmente, vai acontecer um mergulho na essência da vida. Significa que encontramos nossa parte perdida. Para o dramaturgo grego, considerado o maior representante da comédia antiga, Aristófanes (447-386 a. C.), cada um de nós é um ser pela metade. De um passaram a ser dois, disso resulta à procura de todos pela sua metade complementar.

Um dos sentidos da vida, para Aristófanes é unir-se ao objeto amado e com ele fundir-se, para formarem um único ser. A razão disso é que, primitivamente, nossa natureza era assim, nós formávamos um todo homogêneo. A saudade desse todo e o empenho de restabelecê-lo é o que Aristófanes chama de amor.

Para ele, a nossa espécie só poderá ser feliz quando realizarmos plenamente a finalidade do amor e cada um de nós encontrarmos o seu verdadeiro amor, retornando, assim à sua verdadeira natureza.   Repousar é descansar na cama do deus Eros. O deus do amor. Afinal, qual o nosso conceito de amor? Para ilustrar, conto uma história de uma criança que não sabia o que era o amor.

Em uma sala de aula havia várias crianças. Quando uma delas perguntou à professora: - Professora, o que é o amor? A professora sentiu que a criança merecia uma resposta à altura da pergunta inteligente que a fizera. Como já estava na hora do recreio, pediu para que cada aluno desse uma volta pelo pátio da escola e que trouxesse o que mais despertasse nele o sentimento de amor.

As crianças saíram apressadas e, ao voltarem, a professora disse: - Quero que cada um mostre o que trouxe consigo. A primeira criança disse: - Eu trouxe esta flor, não é linda? A segunda criança falou: - Eu trouxe esta borboleta. Veja o colorido de suas asas, vou colocá-la em minha coleção. A terceira criança completou: - Eu trouxe este filhote de passarinho. Ele havia caído do ninho junto com outro irmão. Ele não é bonitinho? E assim as crianças foram se colocando.

Terminada a exposição, a professora notou que havia uma criança que tinha ficado quieta o tempo todo. Ela estava vermelha de vergonha, pois nada havia trazido. A professora se dirigiu a ela e perguntou: - Minha querida, por que você nada trouxe? E a criança, timidamente, respondeu: - Desculpe professora. Vi a flor e senti o seu perfume, pensei em arrancá-la, mas preferi deixá-la para que seu perfume exalasse por mais tempo no seu habitat. Vi a borboleta, leve, colorida! Ela parecia tão feliz que não tive coragem de aprisioná-la. Vi também o passarinho caído entre as folhas, mas ao subir na árvore notei o olhar triste de sua mãe e preferi devolvê-lo ao ninho. Portanto, professora, trago comigo o perfume da flor, a sensação de liberdade da borboleta e a gratidão que senti nos olhos da mãe do passarinho. Então, como posso mostrar o que trouxe? A professora agradeceu, pois, essa aluna foi à única criança que percebera que só podemos trazer o amor no coração.

Num dado momento da vida, vai existir uma parte de alguém que seguirá conosco. Uma metade de alguém que será guiada por nós e o nosso coração passará a bater por conta desse outro coração. Eles sofrerão altos e baixos sim, mas com certeza haverá instantes, milhares de instantes de alegria. Baterá descompassado muitas vezes e sabe por que? Faltará a metade dele que ainda não está junto de nós. Até que um dia, cansado de estar dividido ao meio, esse coração chamará a sua outra parte e alguém por vontade própria, sem que precisemos roubá-la ou furtá-la nos entregará a metade que faltava.

Na concepção dos gregos antigos, o amor não devia tornar-se prisioneiro do corpo, mas elevar-se gradativamente, até o cimo, onde ficam as essências absolutas: a verdade, o belo e o bem. Essa passagem do corpo ao espírito é a expressão da dialética ascendente de Platão. Na parte inferior havia o mundo das sombras, produtor de ilusões, e os objetos sensíveis. No outro extremo, o mundo inteligível. Todo processo de conhecimento dá-se em uma ascensão do mundo obscuro, das sombras, ao luminoso mundo das ideias. Para Platão, o amor é a busca da beleza, da elevação em todos os níveis, o que não exclui a dimensão do corpo. Amor é o nível ou grau de responsabilidade, utilidade e prazer com que lidamos com as pessoas que amamos.

Quando percebemos que o outro é um ser humano e não a personificação de nossas fantasias, nos ressentimos e reagimos como se tivesse ocorrido uma desgraça. Geralmente culpamos o outro. O que ninguém pensa é que somos nós que precisamos modificar nossas próprias atitudes. Mas sempre que encontramos alguém disposto, capaz de por fim ao nosso desamparo, viramos as costas, muitas vezes por medo, dúvidas ou por desconfiança. Criamos um escudo invisível, uma espécie de blindagem. Sempre que alguém se propõe, nos acovardamos, esperando que um dia o grande amor venha ao nosso encontro. Estamos todos mais ou menos envenenados. Temos medo da solidão, assim, como também temos medo da entrega. Afinal, o que buscamos nas relações afetivas? Parece que passamos a maior parte da vida adulta tentando recuperar algo que perdemos com o nascimento, em vez de irmos atrás da construção de nossa história que nem sequer começou. Todavia, quando estamos diante de alguém que nos desperta emoção, o coração acelera, penso estar aí à gênese do amor, somos tomados por uma ternura que nos convida para uma fusão. Começa brando, suave e macio e aos poucos vai contaminando todo o nosso ser, da cabeça aos pés.

O amor tem duas funções que quase se confundem, mas podemos descrevê-las como se realmente fossem duas. A primeira é levar-nos à descoberta de nós mesmos enquanto pessoas que somos e capazes de amar. A segunda é pôr-nos em contato com a divindade, a eternidade, o infinito ou o ilimitado. Isto só se dá entre duas pessoas que se proponham a viver um romance ou um caso amoroso.

O amor nos ensina que há infinito em nós, mas que não somos infinitos. Esse infinito faz parte da criatura humana, mas o meu eu não é infinito. O amor capaz de nos ensinar estas duas lições é certamente um amor abençoado. Quando este amor, além de sentimento e compreensão se faz também contato como: aconchego, trocas calorosas, muita carícia e contato físico, podemos dizer que temos aqui um amor perfeito. Talvez por isso o amor seja triste. Ele nos acena, ele nos afirma e ele nos ensina que não há limites para vivermos essa realização plena e integral.

Portanto, quero acordar ao lado da amada, com o lençol bagunçado, tomar o café na cama, as cortinas bem abertas. Quero abraço apertado, mordidinha na bochecha, beijo de língua demorado. Quero banco do passageiro ocupado, cinema à tarde, tempo para nós dois. Quero seu riso estampado, seu cheiro espalhado, nossa música na rádio. Quero pintar nossa casa da mesma cor do nosso laço, colar você no meu abraço, fazer amor. Quero sussurrar no teu ouvido, ouvir seu pior ruído, que você seja meu livro mais lido. Quero acima disso tudo, você numa sexta feira à tarde sem preocupação, nós a sós, dividindo nossas vidas em uma só cama. Só quero amar, não sei se quero acordar.

9 de outubro de 2014

DO BANQUETE A CAMA

No seu diálogo O Banquete, Platão define o amor como a junção de duas partes que se completam, constituindo um ser andrógino que, em seu caminhar giratório, perpetua a existência humana. Esse ser, que só existe no mundo das ideias platônico, confere à sua natureza e forma uma espécie peculiar de beleza. A beleza da completude, do todo indissociável, e não uma beleza que simplesmente imita a natureza. Assim, temos em Platão, uma concepção de belo que se afasta da interferência e da participação do juízo humano, ou seja, o homem tem uma atuação passiva no que concerne ao conceito de belo. Todavia, não está sob sua responsabilidade o julgamento do que é ou não é belo. No entanto, a dialética de Platão aponta para duas direção. O mundo das ideias, que habita num plano superior o do conhecimento, que é, ao mesmo tempo, absoluto e estático. Porém, na outra direção segue o mundo das coisas, dos humanos, o mundo sensível. Este mundo de aparência sensível é constituído pela imitação de um ideal concebido no mundo das ideias, portanto, num processo de cópia.

Todos nós teorizamos sobre a felicidade que o amor nos trará. A maioria faz da busca pelo amor a meta da sua vida. Mas o amor é um tema sobre o qual a filosofia não costuma falar muito. Um ou outro filósofo toca neste assunto. Como amor é uma das experiências da vida mais transformadoras e importantes, seria plausível imaginar que a filosofia fosse levar o amor muito mais a sério. Mas, de maneira geral, isso não acontece. Basicamente, o tema é deixado para os poetas, romancista e apresentadores de programas vespertinos de TV. Mas houve um filósofo que levou o amor a sério, e que o via como uma de nossas preocupações centrais. Que foi o filósofo alemão do século XIX Arthur Schopenhauer (1788-1860).

Entretanto, Schopenhauer foi um filósofo que parecia entender a intensidade do que sentimos quando nos apaixonamos. Ele achava que estávamos certos de viver em função do amor, e que não havia outra coisa mais importante. Nosso erro segundo ele é achar que a felicidade tem algo a ver com isso. Ele dizia que quando duas pessoas se casam, acabam fazendo de tudo para se detestar. Depois de alguns anos de idas e vindas, o relacionamento acaba. Para Schopenhauer o amor não é um assunto banal que não devemos vê-lo como um dos assuntos mais sério ou adulto. Não é por acaso que se trata de um sentimento tão avassalador, capaz de tomar conta de nossa vida e de todos os momentos de nosso dia. Ele diz que não devemos nos culpar tanto pelo estado de desespero e obsessão em que entramos se o amor fracassa. Ficar surpreso com a dor da rejeição é ignorar o quanto de entrega à aceitação exigiria.

Criamos histórias de amor para nós mesmo, imaginamos que nos apaixonaremos por um parceiro que nos fará felizes. Mas Schopenhauer via isso de maneira diferente. Para ele, nós nos submetemos a telefonemas ansiosos e jantares caríssimos, a luz de velas por uma única razão, que é nutrir o impulso biológico para perpetuar a espécie. Ele o chamava de “impulso de vida”. “Nada na vida é mais importante que o amor, porque o que está em jogo é a sobrevivência da espécie”. O amor é uma tática da natureza para nos levar a ter filhos. Por mais que gostemos de nos imaginar como seres românticos, somos todos, basicamente, escravos do impulso de vida.

O fundamental na tese de Schopenhauer é que o impulso de vida pode atuar de forma bastante inconsciente. Conscientemente, as pessoas podem querer ir a uma festa, mas inconscientemente o que as movem é a necessidade de se reproduzirem ou simplesmente de contato físico com alguém interessante. Ele precisa ser inconsciente para ser eficaz, porque ninguém assumiria conscientemente o fardo da perpetuação. No instante em que duas pessoas se sentem atraídas uma pela outra deve ser considerado o nascimento de um novo indivíduo ou um novo projeto de vida a dois. Sua tese explica a intensidade dessa atração.

Mas por que nos sentimos atraídos por uma determinada pessoa e não por outra? Um dos maiores mistérios do amor é por que a gente se apaixona? No entanto, inúmeras pessoas não provocam qualquer reação em nós, mesmo sendo, em tese, nossos pares ideais e contudo, acabamos nos apaixonando por outras com quem a convivência pode ser difícil. Mas, Schopenhauer tinha uma resposta convincente. Apaixonamos por uma pessoa quando sentimos inconscientemente que ela pode nos ajudar a produzir herdeiros saudáveis ou nos fazer felizes num novo projeto de vida. O amor é apenas nosso impulso de vida, descobrindo alguém que ele considere o ideal para cada um.

Todavia, apaixonar-se é inevitável, que a biologia é mais forte que a razão, pode ser. Sendo assim, não somos infelizes por mero acidente, essencialmente somos iguais a todos, porque temos as duas faculdades, espiritual e animal. Sentimo-nos impelidos a encontrar um parceiro, a gerar filhos e criá-los e somente uma força poderosa como o amor seria capaz de nos motivar para isso. Se acharmos que o relacionamento ou casamento não vai bem, podemos aprender com nossos amigos irracionais. Eles não fazem isso por felicidade, mas porque precisam, por causa do impulso da vida. A felicidade para nós é consequência desse amor que nos impulsiona. Talvez pela dimensão e a importância que o amor tem para nós racionais.

Schopenhauer tem mais uma ideia a respeito do amor que pode nos ajudar quando somos rejeitados, muitas vezes, não entendemos porque o parceiro quis romper e nos sentimos rejeitados. Ele diz que quem termina o namoro não está rejeitando o parceiro. Não sou eu que não mereço o amor, mas é o impulso de vida de minha parceira que considerou que ela poderá ter um relacionamento mais saudáveis com outro! É como se fala por aí, encontrei o parceiro ideal, mesmo que seja apenas por uma questão de equilíbrio ou de valores. O DNA de ambos poderá ser rejeitado no momento do encontro, pela própria força da natureza. Talvez você estivesse feliz com a pessoa que o rejeitou, mas a natureza não estava. Sendo assim, como pode continuar não estando satisfeito com esse novo relacionamento? Por isso, vai ter que aprender a se desapegar. Numa visão tradicional, dizemos que um casal será feliz para sempre. Num olhar mais realista e franco, veremos que estão condenados a discussões e ao divórcio precoce.

Portanto, considerar que a felicidade não está em questão e que a nossa sobrevivência não depende dessa felicidade é um ponto de vista. Não ficar deprimido é humanamente impossível, mas, nos libertar das expectativas que pode acabar gerando frustrações, isto sim é possível. Às vezes, os pensadores mais pessimistas, paradoxalmente, podem ser os que nos oferecem mais consolo. Não se ama alguém por razões lógicas, por ser moreno ou claro gordo ou magro. Simplesmente, e de uma forma espantosa, olha-se para uma pessoa e se tem certeza de que vai precisar da companhia dela. A sua presença mexe com a mente, com o coração e com a sexualidade de quem a olhou. Entra em ação uma energia misteriosa que vem de regiões profundas do nosso eu cósmico, que nós mesmos não a conhecemos. Quando se começa um relacionamento amoroso, experimenta-se certa sensação de medo e terror, como se forças desconhecidas e que escapam nosso controle nos ameaçassem. Contudo, fica patente como via de regras, que do banquete a cama está o impulso de vida, o combustível que nos mantem ativos e amorosos. São essas razões inconscientes e biológicas que ativa o Amor e que nos move na direção do outro.  

3 de outubro de 2014

O BANQUETE DO AMOR

O Banquete é um livro que discute o amor, através dos diálogos de Platão (427-347 a.C.) atribuído a ele mesmo e não a Sócrates, seu mestre. O pano de fundo são os sete discursos acerca do deus Eros, o deus do amor. Diz-se que depois de muitas festas, com bebidas em excesso, resolveram dar uma trégua à orgia e instituiu um encontro filosófico sobre o elogio ao deus Eros.

O Eros como um dos mais antigos deuses, que surgiram depois do caos da terra. Pelo fato de ser antigo, traz diversas fontes de bem, que é o amor de um amante. De tudo o que o ser humano pode ter, além dos vínculos de sangue, dignidade e riquezas, nada no mundo pode, como Eros, fazer nascer à beleza. É o Eros que insufla os homens a grandes brios. O amor passa a ser o amor por algo de que se carece, o que gera o desejo de se ter o que não se possui ou de permanecer possuindo o que já se tem. Isto também se aplica a outros bens.

O amor possibilita àqueles por quem é tocado a inspiração para a poesia, mesmo que antes este não seja afeito às musas. Esse jovem e feliz deus dá aos homens familiaridade com tudo quanto lhes seja próximo. É a nossa busca pela outra metade complementar o que se denomina amor e uma vez encontrada, levaria aos amantes reconstituídos em sua quase inteireza a um estado de extraordinária afeição, intimidade e felicidade. Buscamos por meio do amor a unidade perdida, a totalidade que se rompeu com a separação. O que fazemos, no momento da sedução, senão buscar no outro a nossa identidade?  

Por sua origem bela, o amor seria responsável pelo direcionamento dos homens ao que seja belo, podendo então gerar belas obras, afastar-se do que seja feio e inclinar-se à honra. O amor é um dom que emana naturalmente dos amantes, capacitando-os aos maiores sacrifícios (mesmo capitais) por seus amados. Esses sacrifícios poderiam ser recompensados até com a ressureição do reino de Hades. Que é o deus do mundo inferior e dos mortos.

O amor não é um só, mas dois, tal como há duas pessoas envolvidas. Desse modo, é belo o amor que se direciona ao belo e leva ao amante a amar belamente. Característica do amor celestial.  O amor popular é próprio aos homens vulgares, uma vez que amam mais ao corpo, que é perecível e mutável do que a alma que é eterna.

O amor celestial ama somente ao macho, por sua força (quando jovem) e por sua inteligência (quando velho); ao passo que o amor popular ama a objetos perecíveis, tais como a beleza do corpo, ou o prestígio e fortuna do amado. O amor regrado pela decência, que é o amor celestial, gera a produção de virtudes para os amantes, aliada a uma disciplina que os torna mais sábios.

O amor é algo desejado, mas este objeto do amor só pode ser desejado quando lhe falta e não quando possui, pois ninguém deseja aquilo de que não precisa mais. Segundo Platão, o que se ama é somente "aquilo" que não se tem. E se alguém ama a si mesmo, ama o que não é. O "objeto" do amor sempre está ausente, mas sempre é solicitado. A verdade é algo que está sempre mais além, sempre que pensamos tê-la atingido, ela se escapa entre os dedos.

Portanto, podemos afirmar que o amor é dos deuses o mais antigo, o mais honrado e o mais poderoso para a aquisição da virtude e da felicidade entre os homens, tanto em sua vida como após sua morte. Só os que amam sabem morrer um pelo outro.

(é uma trilogia: "O Banquete do Amor" - "Do Banquete a Cama" - "Na Cama Repousa o Amor")

AS COISAS SÃO OS NOMES QUE LHE DAMOS

O que é que você está fazendo com a sua solidão? Quando você a lamenta, você está dizendo que gostaria de se livrar dela, que ela é um sofri...