25 de abril de 2014

EXPLORAÇÃO DE SI MESMO

Certa vez, muito intrigado, um discípulo abordou seu velho mestre: “Como o senhor, de idade tão avançada, parece ainda mais novo do que nós? Como pode estar sempre tão bem disposto e alegre?” A resposta veio em seguida, mas naquele tom calmo, comum aos sábios, ondulante e com todas as pausas: “Quando eu como, eu como. Quando eu descanso, eu descanso. Não tenho nenhum problema em fazer uma coisa de cada vez”.   
Esta pequena história, mas de uma profunda sabedoria oriental, nos da pista para investigar um tema que muito nos interessa nos dias de hoje. A dificuldade que temos ao tentar fazer uma coisa de cada vez. A dificuldade que temos de prestar mais atenção no que sentimos. O homem é um ser explorador por natureza. Graças a essa característica espalhou-se pelo planeta, povoando todos os continentes. No entanto, a mais importante das explorações do homem deveria ser a exploração de si mesmo, de seu mundo interior, os sentimentos e as suas fraquezas. O “conhece-te a ti mesmo” socrático encontra apoio na psicologia moderna, que deseja um homem autoconsciente, equilibrado, senhor de seus pensamentos e de seu destino. Que tenha domínio sobre si mesmo, sem que se perturbe com as intrigas e as opiniões do mundo das aparências, as fofocas.   

Entretanto, a nossa exploração interna tem estado em crise. Será que, realmente, nos conhecemos de fato? Milhões de palavras foram gastas, ao longo dos séculos, para descrever os mistérios da paixão. Todas as maiores mentes da humanidade se declararam impotentes frente aos mistérios e caprichos da paixão. Não da tempo para que olhemos para dentro de nós, porque temos muito aí fora para olhar. Vivemos da opinião dos outros e abandonamos os nossos nobres sentimentos. Em algum momento da vida trocamos mensagens de carinho pelo celular, dividimos o pudim feito no micro ondas, assistimos filme juntos e depois dormimos de conchinha. Enfim, fomos o centro da vida um do outro. Mas agora é cada um para o seu lado. E sempre fica um enorme ponto de interrogação e ao mesmo tempo uma lacuna na vida de cada um. Se era tão bom, por que acabou? Podemos até explicar, mas nunca vamos encontrar uma justificativa plausível, para as coisas do coração.

Além disso, a vida moderna às vezes faz exigências paradoxais. Aquelas que, quando você atende a uma, não pode atender à outra. Manda você estar ligado a todos os assuntos ao mesmo tempo, conectado, plugado, só para usar alguns dos neologismos pertinentes, mas também nos manda ser calmo, sereno e criativo. E da para ser tudo isso ao mesmo tempo? Informações, tarefas, cobranças, desejos, ofertas, temos tudo em excesso. Sem falar ainda, daquelas pessoas que aparecem do nada para nos destruir, destilando seus venenos. Diante de tanta crueldade, fica a pergunta: Por que a maldade permeia a nossa vida? Ser cruel da mais prazer do que amar? Talvez seja por que sofremos e queremos fazer o outro sofrer? Ou odiamos por que amamos profundamente?   

Por outro lado, a internet trouxe grande contribuição, mas também algumas dificuldades. Pois, é necessário ser especialista e generalista ao mesmo tempo; lidar com o volume de informações que, se por um lado é o oxigênio da maioria das profissões, são intoxicantes em função de seu excesso; fazer várias coisas ao mesmo tempo com a mesma qualidade obtida em tarefas de dedicação exclusiva. Multiplicar o tempo, que parece cada vez mais raro, e que escorre entre nossos dedos. Esquecemos o que é viver, o que é estar vivo. É preciso lembrar o que temos e o que podemos perder. Mas, o tempo nos permite pensar sobre?

O homem moderno tem de parar e pensar mais. Perceber que as rupturas não são modernas, mas novas propostas. O moderno sente o presente, olha para o futuro e utiliza o passado como ensinamento e aprendizado. O moderno não despreza o que a humanidade pensou, escreveu e produziu nos últimos seis milênios, e sim adapta esse legado à atualidade. Contudo, não podemos esquecer que bondade e o sentido de cada coisa não se alcançam só pelo conhecimento. É preciso ainda uma aposta razoável de que o amor é o alimento da alma.

Portanto, nos descobrimos em um mundo com muitas atividades, muitas informações, muitas exigências, pouco tempo para amar e uma imensa gama de intolerância diante desse sentimento tão nobre, que é o amor. Essa é uma combinação explosiva, cujo resultado pode ser representado por produtividade baixa e estresse alto em nosso dia a dia. A não ser que nos organizamos, e não apenas em termos de agenda, mas em termos de qualidade mental em equilíbrio com nossa natureza. O cérebro trabalha melhor quanto mais focado estiver. Concentração é sinônimo de qualidade de vida e crescimento interior. E o amor é o equilíbrio entre o nosso mundo interior, com o nosso mundo exterior. Sendo assim, haverá harmonia entre esses dois mundos e a paz reinará entre homens.

16 de abril de 2014

FRUTOS DO PENSAMENTO

No dicionário encontramos uma curiosa palavra: “nefelibata”. Qual o significado desses sons tão estranhos à linguagem do dia a dia? Pois é, nefelibata significa “aquele que vive nas nuvens, cujo espírito vagueia por um mundo ideal e sonhado”. Tanto no passado como no presente, fomos ensinados a imaginar que o filósofo é um sujeito que vive nas nuvens, desligado das coisas concretas, vagueando. Por isso consideramos sempre que há uma grande distância entre o modo de viver e de pensar dos filósofos e o viver e o pensar dos homens comum. No passado, ensinava-se tal coisa porque o ensino era muito mais elitista do que hoje, aqueles que se dedicavam a estudar algo mais especializado, acabavam distanciando-se muito das demais pessoas cujas vidas estavam presas a trabalhos braçais ou burocráticos.

Numa hora de extrema necessidade de produção de bens matérias, era difícil compreender alguém que se dedicasse ao pensamento e, hoje em dia, ainda se dá ao filósofo uma certa imagem de “nefelibata”, mas agora para descriminá-lo mesmo e evitar que essa pessoa que aprendeu a pensar, avaliar e criticar situações venha a incomodar os sistemas políticos e as linhas de montagem das fabricas desumanizantes.

Diante dessas ideias e imagens lançadas sobre a filosofia e os filósofos, cabe-nos, porém, fazer algumas considerações inadiáveis. Será mesmo, a filosofia, uma tarefa de sonhadores? Serão, os filósofos, homens que escolheram habitar as nuvens e se desinteressaram pela realidade? Que utilidade poderia, então, ter a prática filosófica em nossa sociedade que está cada vez mais técnica?

Entretanto, não podemos negar os fatos. Assim como existem matemáticos que se divertem com exercícios de raciocínio sem nem saberem para o que servem, há também filósofos que praticam um pensamento que pode ser interessante (para ele) como um jogo de xadrez. Há maus médicos, maus físicos, tanto quanto há maus filósofos. Alguns professores de filosofia conseguem a façanha de “vacinar” seus alunos definitivamente contra a filosofia; o que também ocorre com certos professores de matemática, de química ou de história. Onde há um profissional que não procure ter perfeita noção do que ensina, haverá uma fonte de equívocos e desestímulos.

Outra coisa inegável é que, quando se pratica uma filosofia apenas voltada para interesses estrangeiros e que lida com ideias que não são de nossa realidade cultural, as coisas acabam ficando mesmo um pouco sonambúlicas. Devemos e precisamos aceitar as contribuições dos países mais velhos e que tem mais vasta tradição do que o nosso; mas se ficarmos nessa passividade, repetindo coisas europeias, asiáticas ou norte-americanas que nem sempre fazem sentido para a nossa vida no trópico, então bancamos papagaios elegantes posando de importantes no poleiro dos outros. O antropólogo e escritor Darci Ribeiro (1922-1997), diz num dos seus ensaios, que há professores que sabem misturar o saber alheio com o nosso, dando um novo e positivo sentido para a realidade, bem como há outros que se comportam como “cavalos de santo” (figura da Umbanda que só recebe espírito alheio, sem intervir).

A filosofia, desde que passou a existir sobre a face da terra, trata de problemas humanos. Se ela pergunta: “do que é feita a natureza?” É para que o homem saiba do que esta é feita e possa melhor conviver com ela. Se a filosofia quer saber: “que condutas são boas e justas?” É para que o ser humano tenha um comportamento (uma ética) que faça do seu mundo um lugar amigo e justo. Se ela questiona quais princípios fundamentais da matemática não continue sendo uma mecânica de cálculos sem alma ou razão, uma prática que não se sabe para que serve claramente. É para que tenhamos consciência. A filosofia investiga a política, a religião, investiga a si mesma (uma filosofia da filosofia), à ciência de um modo geral. Ela investiga as razões da violência nas grandes cidades e no mundo, bem como pesquisa o sentido e a beleza da sexualidade e do amor. Por esta razão o pensamento filosófico é considerado o pai de todos os demais saberes. Partindo do fato de que somos seres pensantes, podemos afirmar que todos os homens são pensadores; apenas nem todos assumem a função social de pensadores. Isto é, ninguém vive sem uma filosofia de vida, mas nem todos se dedicam profissionalmente a um estudo global da filosofia ou à criação filosóficas.

É sabido que, no ser humano, pensamento e linguagem nascem juntos. Ora, a linguagem fala daquilo que é o mundo à nossa volta e daquilo que nós somos; ela exprime nossos desejos e nossas angústias; a linguagem é a nossa forma de receber o mundo e criá-lo de novo dentro do nosso espírito. Portanto, não se pode dizer que a linguagem caia das nuvens. Muito pelo contrário, ela sobe do mundo e da vida.

Porém, o pensamento é uma forma mais sofisticada de usar-se a linguagem. Porque não existe pensamento que pertença às nuvens, ainda quando pensamos sobre o que sonhamos. Afinal, os sonhos não fazem parte da vida? Não traduz de uma forma enigmática, nosso mundo interior? Haverá algo mais concreto do que nossas angústias, alegrias e conflitos? Se prestarmos bem atenção, vamos ter certeza de que pensar é estar duplamente ligado na realidade pelas mensagens que os sentidos levam à nossa mente, e pelo trabalho de reflexão que nossa inteligência exerce sobre o que é trazido pelos sentidos.

Conta-se que o genial escritor e romancista russo Fiódor Dostoievski (1821-1881) andava por uma rua quando, distraidamente, deu uma peitada em alguém que veio pelo passeio. De imediato esse alguém deu lhe um sonoro tapa no rosto. O escritor olhou firmemente para quem o agrediu e disse: “Como você deve ser infeliz para esbofetear um desconhecido! Que pobre mundo restou para você”!

Portanto, isto é o que chamamos estar duplamente ligado à vida. O escritor poderia ter revidado simplesmente. Mas, em segundos, refletiu sobre a condição miserável de quem agride a alguém que nem conhece. Mesmo que seja através de palavras. Sobretudo, quando o tom é de fofoca, que destrói relações e pode acabar com os sonhos de muitas pessoas. Na verdade, o que há é a árvore do viver, isto é, a nossa frondosa árvore, o fruto do pensamento. Contudo, ainda permitimos que pessoas interfiram nos nossos pensamentos e destruam nossas esperanças. Enfim, dessa majestosa árvore, colhemos os pensamentos que é fruto do nosso amadurecimento.   

13 de abril de 2014

O CORPO COMO PECADO

Para entender mais uma vez com maior profundidade a condição humana do livro “Mito e Sexualidade”, do escritor e jornalista americano Jamake Highwater (1942-2001). Na primeira resenha, tratei do primeiro e segundo capítulo usando o título: “O Mito da Sexualidade Humana”, já na segunda resenha, analisei o terceiro e quarto capítulo onde usei o título: “A Visão Mítica da Sexualidade”, e para fechar essa trilogia, contínuo a minha reflexão a partir do quinto e sexto capítulo do mesmo livro, agora com o título: “O Corpo como Pecado”. Como sempre analisando a interpretação fenomenológica, hermenêutica e buscando uma melhor compreensão da síntese do autor. No quinto e sexto capítulo o autor nos concede importantes elementos que possibilitam a construção de novas significações para a sexualidade humana.

Entretanto, o quinto capítulo traz a discussão que se intitula: “O sexo como pecado” (p.92-120). A problemática do corpo como castigo tem como referência o mito persa do gênesis, que em sua composição apropria-se de maneira exacerbada, de uma lógica maniqueísta na explicação da criação do universo. Este dualismo cósmico é a base do zoroastrismo, que por sua vez, foi a religião que mais influenciou as idéias do cristianismo e do judaísmo (p. 95).

Neste capítulo, o autor mantém diálogos constantes com Joseph Campbell (1904-1987), um estudioso norte americano de mitologia e religião comparada e com ele compartilha do entendimento de que por volta do século VI a.C. ocorreu uma grande inversão psíquica no mundo ocidental, configurando ao invés da visão afirmativa que se tinha da natureza, uma visão extremamente negativa da vida (p. 96). Segundo Jamake Highwater, esta visão fatalista da vida, oriunda do pensamento patriarcal e posteriormente estruturada pela mitologia cristã e judaica, será responsável pela organização das mitologias calcadas na ciência e na indústria do ocidente.

A outra problemática importante deste texto, versa sobre a transformação do cristianismo em religião oficial do império romano e as principais concepções da sexualidade ocidental, que derivaram de seus dogmas e práticas. Um dos vértices deste processo, que nos é muito relevante, diz respeito à questão do celibato.

No judaísmo, o sexo e o casamento estavam estritamente ligados à questão da reprodução, uma vez que os “valores míticos derivavam das atividades agrícolas e pastoris numa região fria e árida” (p. 106). Porém, Jesus Cristo, segundo Jamake Highwater, mesmo que acostumado com os valores judaicos, institui uma nova visão sobre a “vida de solteiro” declarando efetivamente que as obrigações conjugais, são mais importante que a procriação e propondo o celibato voluntário como salvação da alma. Para Jamake Highwater, “os cristãos herdaram apenas os elementos negativos dos hábitos sexuais judaicos e foram pouco a pouco inventando a tradição talvez mais negativa do sexo de toda a história” (p. 107-108).

A discussão culmina com a releitura do gênesis, elaborada por Santo Agostinho que ao reinterpretar a história de Adão e Eva põem fim a todas as interpretações que davam margem “à busca da liberdade humana” e institui a história do corpo como servidão e como castigo divino (p. 114-118).

O corpo como amante é o tema do sexto capítulo (p. 121-139). Nele o autor nos conduz à mitologia trovadoresca, nascida paralelamente aos ideais agostinianos, no século XII. Mitologia esta, responsável pela invenção do amor cortês e por uma total revolução da psique ocidental, que trouxe para o espírito humano, a invenção do eu, a expressão lírica e a adoração da mulher (p. 138).

Através do conto “Tristão e Isolda”, o autor nos revela algumas importantes significações acerca do corpo, do amor e da sexualidade naquele momento histórico e faz-nos refletir sobre seus ecos na atual conjuntura. Talvez, uma das mais representantes reflexões trabalhadas nesta etapa da tese, seja a desmistificação do casamento e do adultério na sociedade feudal. Jamake Highwater deixa claro que desde a formação das sociedades de parentesco do ocidente, o sexo e o casamento estavam estritamente relacionados à procriação e a proteção de bens familiares

O casamento “era uma instituição feudal, solene e fria” (p. 124), pode-se dizer também, que era uma questão prática e política e, segundo o autor: temos igualmente por certo que a finalidade natural do amor e do casamento é a realização sexual, mas até o começo deste século o objetivo mais comum era a geração de filhos herdeiros e trabalhadores não remunerados em indústrias domésticas e nos campos (p. 125).

Portanto, para Jamake Highwater, existem duas possibilidades justificáveis para o surgimento da mitologia do amor romântico: a primeira delas corresponde justamente a falta de amor nos casamentos arranjados; e a segunda diz respeito ao “direito sucessório feudal, pelo qual as mulheres herdavam títulos e bens” (p. 126). Assim, em uma sociedade onde a maior preocupação era a aquisição de terras, o método menos cruel e mais civilizado de se conseguir a transferência pacífica de direitos de propriedade de uma família ou de uma pessoa – principalmente de uma mulher – para a outra, era através do casamento e de seu grande e mais novo aliado: o amor cortês.



8 de abril de 2014

A VISÃO MÍTICA DA SEXUALIDADE

Para compreender com maior profundidade a condição humana, retomo o terceiro e quarto capítulo do livro “Mito e Sexualidade”, do escritor e jornalista americano Jamake Highwater (1942-2001), para melhor compreensão, analiso esses dois capítulo. Para uma organização lógica do pensamento, vou usar um título: “A Visão Mítica da Sexualidade”. Analisando a suas interpretações fenomenológica e hermenêutica, percebe-se que ele nos concede importantes elementos que possibilitam a construção de novos significados para a sexualidade humana.

Pois bem, o terceiro capítulo, que inicia nossa incursão pelo tempo, intitula-se: o corpo como mulher. Na verdade, o que tem importância para o autor são “os aspectos primordiais da sacralidade que cercavam o poder da fecundidade da mulher”, pois deriva justamente desta mitologia “primitiva” a primeira concepção da sexualidade humana.

A problemática inicia-se com a defesa da existência de uma sociedade matricêntrica no período neolítico, onde se poderia dizer “que Deus era mulher”. Para sustentar tal tese, Jamake Highwater, mantêm constantes e insistentes diálogos com cientistas sociais, antropólogos, biólogos e historiadores que cerram fileira com esta mesma ideia, de braços dados com a ciência.

Na sociedade matricêntrica, segundo Erich Fromm (1900-1980), e Bachofen (1815-1887), os indícios de violência praticamente não existiam, pois organizavam-se relativamente de maneira igualitária e coletivista. Enquanto os homens uniam-se e dedicavam-se à caça, as mulheres responsabilizavam-se pela alimentação e manutenção da grande família e neste processo, acabaram tornando-se as pioneiras no manejo da farmácia, da agricultura, da astrologia, da medicina, da pecuária, do feitio de utensílios domésticos e etc. Além de todos estes domínios sobre a natureza, coube também as mulheres, segundo Jamake Highwater, o primeiro passo no processo de hominização dos primatas. Afastando-se do cio, e não limitando o sexo à procriação como fazem os animais, as mulheres transformaram a sexualidade em um aspecto da cultura, ou seja, “foram elas que humanizaram a sexualidade animal” (p. 54-56). Sendo assim:

A religião dos chimpanzés é animista e a dos humanos é sexual, mas sem associar a sexualidade às forças da natureza, as mulheres viriam a criar a nossa primeira religião – a religião da menstruação, dos mistérios do parto e das fases da lua”, (p.54-55).

Através da vasta releitura mitológica realizada por Jamake Highwater junto aos seus interlocutores, defensores de uma sociedade matricêntrica – que outrora estivera somente sob o foco de leituras e interpretações patriarcais, ou leituras resenha machistas – é possível perceber com clareza que de cada organização social deriva uma sexualidade distinta, que por sua vez, implica numa metáfora subjacentes de nossa corporeidade. A exemplo desta afirmação, o autor demonstra que a virgindade na sociedade patriarcal, ocidental e de parentesco relaciona-se diretamente com o controle da mulher, sua posse pelo pai ou pelo marido, enquanto que em uma sociedade matriarcal ela estaria relacionada unicamente a seu autodomínio.

Entretanto, a questão que deriva desta discussão e que pode nos servir de horizonte político é que se cada organização social engendra uma consciência e uma sexualidade característica, como ficou provada com explanação sobre alguns aspectos das sociedades matricêntricas, outras formas de organização social podem ser construídas, uma vez que não são imutáveis ou naturais, mas antes e, sobretudo, construções humanas. Assim, outras significações podem ser aferidas à nossa sexualidade dando continuidade ao constante e inexorável processo de hominização que nos condiciona. Diante desta discussão cabe nos perguntar: que tipo de organização social queremos e devemos construir para engendrar sujeitos conscientes de sua própria sexualidade? Sujeitos capazes de livrarem-se dos mitos repressores, maniqueístas e preconceituosos que extirpam silenciosamente as mais importantes potencialidades que podem levar o homem à emancipação?

Porém, é no quarto capítulo: “O corpo como homem (p. 57-91), que nele a principal discussão centra-se na demonstração da batalha entre a antiga mentalidade matricêntrica e a nova mentalidade patricêntrica que travou-se no mundo dos mitos. E como por fim, os novos deuses nascidos da sociedade patricêntrica, arrebataram o poder das mulheres desta nova organização social (p. 58-59). Contrapõe criticamente o tipo de consciência nascida desta mitologia patricêntrica e sua respectiva concepção de sexualidade, àquela discutida no capítulo anterior. Ou seja, enquanto nas sociedades matriarcais a sexualidade era polimorfa, unilateral, sensual e pacífica, nas sociedades ocidentais, patriarcais, a sexualidade - por temer o poder feminino – engendrou uma adoração exacerbada do homem pelo próprio homem (p. 77-78), calcada no desprezo pelas mulheres. Engendrou também a sexualidade violenta, repressora e a diferenciação acentuada entre os sexos masculino e feminino – tão comum ao nosso pensamento.

A releitura elaborada por Jamake Highwater das importantes obras de Homero, Hesíodo, Ésquilo e Sófocles, entre outras, demonstra que elas escondem verdadeiros insultos sobre as mulheres (p. 66) e que esta mitologia solidificou a ideia ocidental atual de que as mulheres personificam a natureza bruta, o caos e a desordem, enquanto os homens personificam a sabedoria, a ordem e a razão (p. 65). Desta consciência ambivalente nascida do patriarcalismo derivam o homoerotismo e a noção da paixão como inimiga da razão, o que mais adiante se transmuta na ideia ocidental das pulsões sexuais relacionadas a atos animalescos (p. 90). Segundo o Professor Pat Caplan:

Para os gregos, assim como para nós, o sexo ameaça o senso de autodomínio que define a racionalidade masculina, e a existência da civilização. Se lhes fosse dada a oportunidade, talvez os homens tivessem erradicado por completo o desejo sexual, se não fosse a necessidade de ter filhos que perpetuem a identidade masculina e alimentem o sonho da imortalidade do homem”, (p.41).

Portanto, assim sendo, com o patriarcalismo, o substrato simbólico necessário para colocar em prática a nova ordem moral, estética e política estava pronto. Contudo, é nesse terreno fertilizado pelo machismo que se sustenta ainda hoje a nossa sociedade ocidental. Enfim, este será o tema da nossa próxima discussão, o quinto e o sexto capítulo, que trazem como título: “O sexo como pecado” e “O corpo como amante”.  

5 de abril de 2014

ACEITAÇÃO DE SI MESMO

O individuo acomodar-se ás suas fraquezas e vícios de personalidade sem qualquer discussão, isto não é o que filosoficamente chamamos de aceitação de si mesmo. Auto-aceitação não é simples cumplicidade. Por outro lado, também a atitude narcisista de alguém se encher de vaidade, em razão de algumas qualidades que não ignora ter, está um pouco distante da meditada aceitação de si. Narciso, conta à mitologia, viu sua beleza espelhada na superfície de um lago; foi então, tomado de tal paixão por seu próprio rosto que mergulhou na água em busca de tanta formosura e morreu afogado. Aceitação consciente de si mesmo não é uma autocomplacência, que desculpa todos os nossos próprios defeitos, nem a vaidade, que pode levar a delírios capazes de esterilizar uma vida. 

Filosoficamente, a auto-aceitação exige, antes de mais nada, alguns esclarecimentos sobre nós e a nossa condição. Aceitar-nos implica numa procura de muita lucidez, num exercício de meditação paciente sobre a nossa forma de ser no mundo. Não se trata necessariamente de meditação ao estilo dos orientais ou dos nossos monges, que se isolam e se distanciam do mundo no desejo de compreendê-lo melhor, olhá-lo com mais sabedoria. Trata-se, isto sim, de vivermos nas ruas, nos ônibus, nas escolas ou no trabalho, no ritmo normal das nossas atividades, mas procurando sentir nossa relação com tudo e todos de forma viva e profunda.

Esta reflexão vivida (ou este viver refletido) acabará pondo diante do nosso espírito as limitações e as possibilidades que ele tem. E aí será bem natural, olhando para as precariedades bem como para as qualidades que temos, percebemos quando os nossos defeitos resultam de limitações. Isto é, quando, o que temos de carente ou insatisfatório em nossa personalidade, é assim porque temos limitações definidas e não podemos ir além dessas fronteiras. Porque quando nossos defeitos resultam de comodismo ou apenas preguiça, somos responsáveis pelo trabalho de superá-los, procurando não usar as pressões sociais e outras dificuldades do meio como um tapume que esconda uma negligência pessoal. Quanto às nossas qualidades, estas serão confrontadas, pela reflexão crítica, com as fraquezas que os limites impõem, é nesta hora que sentiremos ser tola qualquer vaidade. 

Já foi citado por muitos pensadores que “a primeira de todas as sabedorias é conhecermos os nossos limites”. Aquele que adquire noção das próprias limitações encontra o caminho do equilíbrio. Descobre como foi indispensável à meditação feita em busca de uma mais clara consciência de si e do mundo, com a ajuda sempre indispensável dos outros que com ele convivem no cotidiano. A aceitação de si mesmo terá, entre outras, os seguintes componentes: a) Que a pessoa se assuma como ser de extremos, diríamos mesmo como ser de contradições. Afinal, já dizia o filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860), que no ser humano há um gigante chamado vontade, que carrega em seu ombro um anãozinho chamado razão. O anão vive dizendo coisas ao ouvido do gigante, sendo que entre eles há muitos desencontros e também muitos encontros. Por isto às vezes é bem difícil agir como pensamos ou, como se costuma dizer, difícil ser coerentes. Somos como somos. É nossa tarefa melhorarmos, mas não além dos nossos limites. b) Do ponto de vista natural, cada um aceite sua condição de ser entre os seres, sua situação de ser um dado da natureza entre milhões de outros. Mas, em seguida se conscientize do fato de sendo homem, estar na posição de um ser que pensa os demais, escapando a um nivelamento com toda a natureza, é a faculdade humana de transcendência. c) Ainda há componente de abrirmos nossa sensibilidade aos encantos que existem em nossa condição, há um tempo frágil e atuante. Aos encantos que há em não sermos divindades, mas só seres humanos gozando a humilde graça de viver nossa natureza. 

Depois de paciente meditação, ficaremos tranquilos ante o fato de que nossas vidas sejam tecidas de crenças e dúvidas, de algumas certezas e inúmeras interrogações, lembrando das aulas de antropologia filosófica do Prof. Régis de Morais (1940), que recomendava: “Tenha as suas crenças e tenha as suas duvidas”. Este bem humorado conselho ajuda-nos a não cometermos a frivolidade de nos levarmos sempre demasiado a sério. A aceitação de si mesmo é um momento dialeticamente muito rico, pois, ao mesmo tempo em que aponta para a humildade das limitações humanas, aponta para o abismo que separa o homem do restante da natureza, isto é, sua possibilidade de refletir. 

Aquele que consegue trazer essa consciência para o dia a dia, levando a vida naturalmente e descomplicadamente, aberto à compreensão do seu semelhante, este se aceitou. Ele guarda consigo a certeza de que, como ser falível, a qualquer momento pode errar (isto será um direito seu), como também tem claro para si que pode procurar corrigir os seus equívocos (e isto será seu dever). É por este modo completamente humano de se situar na vida, que dizemos: este aceitou a si mesmo. 

Comumente se diz que nossa identidade, a descoberta de quem realmente somos, nos chega através dos outros que partilham conosco “o caminho”. E isto é muito verdadeiro. Todavia, é importante não confundir esta afirmação com outra, certamente equivocada, de que nosso semelhante é quem nos dá nossa identidade. Tudo se passa como alguém que se olha num espelho: sua imagem, uma vez refletida, lhe chega graças (através) do espelho; mas sua imagem não tem origem no espelho. Os que convivem conosco, reagindo a nossa presença no mundo, funcionam como espelhos privilegiados, espelhos dotados de afetividade que nos dão condições de descobrirmos quem somos. Mas em tudo isto é preciso haver uma combinação de humildade com senso crítico, para não corrermos o risco de aceitar ser o que não somos de fato. 

Portanto, nossa identidade é facilitada pelos outros, mas a aceitação de nós mesmos, é o resultado de um trabalho paciente, através do qual nós mesmos devemos perceber-nos e nos dar uma espécie de autorização para viver. A consciência de si recria, para cada um nós, esse belo espetáculo que é a "vida".

4 de abril de 2014

O DIÁRIO DE UM PROFESSOR

Antigamente, para ser um professor bem sucedido, era o bastante saber transmitir conhecimentos e exercer autoridade em sala de aula, ou seja, uma relação vertical com os alunos. Baseada na autoridade desse especialista, o professor. Caso contrario, o professor põe em risco o princípio de justiça. Atualmente, o perfil do professor passa por profundas mudanças. Principalmente, com relação ao conhecimento. Não deve mais transmitir ao seus alunos o que sabe. Seu papel agora é o de instigar os jovens estudantes, colocar os problemas para que eles mesmos resolvam e, assim, levá-los através da espontaneidade, a desenvolver a criatividade no processo ensino-aprendizagem. O aluno agora é que deve ser o centro de uma proposta pedagógica.

Todavia, o bom professor para alguns alunos ainda é aquele que, evidentemente, transmite com profundo conhecimento e notório saber, que discursa maravilhosamente bem, como um político que se preza. O aluno não compreende esse conceito do professor não ser mais o centro de um projeto pedagógico. O chamado professor conteudista. Quando o professor leva o aluno a ler, interpretar, falar e emitir sua opinião, relacionado ao contexto em que foi produzida determinada literatura, principalmente, quando o faz escrever, observa-se uma certa frustração, parece que o professor o decepcionou. A maioria dos alunos preferem que o professor fique em frente ao quadro escrevendo e falando o máximo possível, até porque dessa forma não os importunaria. Além dessas características, o professor tem que estar muito bem informado. Não se exige mais um conhecimento enciclopédico.

Entretanto, esse profissional da educação, deve manter-se atento a toda e qualquer informação. Por conta da internet, são muitas as informações, quase que comparada a velocidade da luz que é de 300 mil km por segundo. Quando falam em aprender ou não aprender, os alunos responsabilizam logo o professor. Por conseguinte, aquele aluno que é aplicado vai aprender mais que o outro. Levando em consideração, que os interessados e estudiosos são poucos. Há um número considerável de alunos turista e desinteressados. Que vão a escola somente para passear e encontrar amigos. Basta olhar as notas do bimestre desses brilhantes e talentosos alunos, para comprovar que realmente não gostam e odeiam quando alguém manda estudar.

Muitas vezes, o aluno pensa que a habilidade prioritária para o estudo seja a leitura de textos, seguida da memorização de conceitos e de conteúdos. Ainda preso à mentalidade antiga do questionário, da memorização de perguntas e respostas, perde-se muitas oportunidades de desenvolver um salutar hábito que poderá utilizar durante toda vida, seja qual for à área do conhecimento ou profissão que irá exercer. O estudante do ensino médio tem por obrigação de dominar mecanismos de leitura e expressão escrita. Quando o professor pede esse tipo de tarefa para seus alunos, o objetivo deve ser aprofundar e dominar determinados assuntos e conhecimentos que o aluno ainda não tem. Propor ao aluno que crie uma espécie de diálogo com o texto estudado e não mera opinião isolada, sem relação alguma com a leitura. Sendo assim, cada um terá consciência de que o saber é para ser partilhado, ele não está fechado e acabado em cada texto que se produz. Todo ensaio literário sempre tem algo a acrescentar.

Entretanto, a produção de texto não pode ser encarada apenas como uma atividade das aulas de Língua Portuguesa ou de Filosofia, isto é, ficar restrita a composição textual que focalize um tema proposto. A partir do momento em que o aluno começa a escrever, com suas próprias palavras, as idéias principais que foram desenvolvidas no texto lido, focalizando os diferentes aspectos abordados, desdobrados em assuntos secundários, mas relacionados. Aqui pode-se tratar de um "resumo" do texto. Se faz o mesmo, porém, usando as palavras contidas no texto, numa analise mais apurada e crítica, pode ser então uma "resenha". Em ambos os casos o aluno estaria recorrendo ao procedimento denominado síntese. Essas duas atividades colaboram muito no domínio de conteúdos e podem ser aplicadas não apenas a textos extraídos de livros, ou de enciclopédias, como também a reportagens de jornais e revistas, paginas da internet etc. Referem-se a qualquer disciplina que o aluno faça na sua escola, por exemplo: em filosofia, a partir do momento em que você precisa obter melhores informações. Essa produção de textos pode ser fruto de pesquisa e não deve ser confundida com relatório. As atividades de leitura e de escrita não são exercidas separadamente. Se forem integradas uma a outra, e a todas as disciplinas que estuda, o ensino-aprendizagem se tornará mais ágil e eficaz. O aluno, no entanto, tem dificuldades de fazer a conexão. Criou-se no ambiente escolar uma divisão perniciosa que só faz prejudicar o ensino: A "redação" fica aqui, a "gramática" ali e a "literatura" acolá.

Portanto, o resultado é o que todos nós sabemos, textos mal costurados, sem nenhum sentido. Desde muito tempo é sabido que quando o aluno obtém sucesso, ele é visto como capaz e inteligente. Se ocorre ao contrário, a culpa é do professor que não explica. Porém, nunca foi fácil ensinar e muito menos educar uma criança. E atualmente as dificuldades aumentaram. Contudo, o intuito, ao tecer esse comentário, não foi o de tirar o animo dos estudantes, apesar da indiferença da maioria dos alunos. Tendo em vista, que o nosso objetivo é ajudá-los a crescer. Nesta reflexão quis apenas dividir com os colegas educadores meus anseios, que são comuns a todos os mestres.

1 de abril de 2014

A TRANSFORMAÇÃO EM CAOS

Como seres humanos, nossas raízes estão mergulhadas na natureza, não apenas pelo fato de que a química do nosso corpo ser constituída, essencialmente, dos mesmos elementos que o ar, o pó ou a grama. Participamos da natureza de outras tantas maneiras, como: através da mudança de estação, do dia ou da noite, que refletem no ritmo de nossos corpos, como; na fome, na satisfação de trabalhar, no sono e no despertar, assim como também, no prazer sexual e na sua gratificação.

Embora de forma metafórica, a Bíblia apresenta a harmonia inicial da criação da natureza e do homem. Após criar os animais, Deus disse: “Façamos emergir um novo tipo de criatura, o ser humano, à nossa imagem e semelhança. Moldemos uma criatura que, em certos aspectos, seja igual ao animal, precisando comer, dormir e acasalar-se. E igual a mim em outros pontos, elevando-se acima do nível animal. Os animais contribuirão com sua dimensão física e a essa outra criatura lhe soprarei uma alma racional”.

E assim, coroando a criação, são feitos os seres humanos, em parte animais, em parte divinos. Todos os seres em harmonia, tudo em perfeito equilíbrio com a natureza. Acontece que o homem acabou por afastar-se do plano harmonioso e sereno do mundo natural. Segundo os relatos em Gêneses; não foi Deus que criou o homem deste jeito, mas foi ele que abusou da sua liberdade e matou o seu próprio irmão. Em nome do progresso envenenou-se os rios e mataram os peixes; poluíram-se o céu, o ar, e morreram os pássaros que havia sido criado para o homem conviver em harmonia. Com a guerra, o ódio, a inveja, a ganância, o homem seguiu perturbando o mundo e a natureza, foi desequilibrando tudo: o ar, as águas, as plantas, a própria consciência envenenada por pensamentos de egoísmo, de injustiça e destruição. Por conseguinte, o desequilíbrio emocional é fruto desse manicômio que ousamos chamar de sociedade, um ambiente frustrante criado pelo próprio homem.

Portanto, o homem profundamente frustrado perdeu seu referencial e mergulhou numa busca desenfreada de algo sobrenatural, nas crenças religiosas e no ocultismo. Os egípcios investigaram os mistérios dos astros. Os gregos e os romanos procuraram tutela em deuses criados por eles mesmos; e os maias, no seu calendário, com um deus tutelar para cada dia do mês. Ao longo dos tempos, todos os povos experimentaram a atração do mistério, com suas lendas, feitiços, casas mal-assombradas, lobisomem, saci-pererê, demônios, alastrando-se até nossos dias com surtos das seitas mais diversas. Apesar do imenso progresso científico alcançado através dos séculos, o homem constitui ainda hoje, para si mesmo, um mistério. Os erros se multiplicam, pois os caminhos apontados são tantos que acabam levando o homem desprevenido a uma nova Torre de Babel. 

AS COISAS SÃO OS NOMES QUE LHE DAMOS

O que é que você está fazendo com a sua solidão? Quando você a lamenta, você está dizendo que gostaria de se livrar dela, que ela é um sofri...